História da Havan mostra desrespeito ao meio ambiente e à legislação local
Licenciamento ambiental acelerado e a pressão sobre autoridades, padrões utilizados pelo grupo na instalação de empreendimentos anteriores, se repetem agora em Canoas
Por Júlia Ozorio, Nicole Goulart, Rafael Pereira, Eduarda Stefenon e Valentina Bressan*
Edição de Naira Hofmeister
LEIA A PARTE 1 E A PARTE 3 DESTA REPORTAGEM
Não é apenas em Canoas que a Havan está envolta em polêmicas relacionadas ao licenciamento acelerado e desrespeito ao meio ambiente na instalação de suas lojas.
“O meio ambiente é o câncer do país”, afirmou o empresário Luciano Hang, dono das lojas Havan, na Câmara de Vereadores de Joinville, em Santa Catarina, durante uma reunião da Comissão de Finanças da Casa, em 2019. Na ocasião, Hang e outros empresários criticaram o licenciamento ambiental e afirmaram que a população quer empreendimentos acelerados para gerar empregos rapidamente.
No mesmo mês, Hang havia publicado um vídeo em suas redes sociais criticando a demora nos licenciamentos ambientais para a instalação de uma loja da Havan naquela cidade. A demora aconteceu porque a área foi alvo de ação do Ministério Público de Santa Catarina (MP/SC), que desconfiava que o empreendimento havia aterrado curso hídrico e nascente cuja existência foi indicada por levantamentos hidrográficos aéreos anteriormente.
O parecer do MP atestou que o local teria sofrido aterramento clandestino, preparando, assim, a área para grandes empreendimentos e, por isso, o órgão resolveu barrar o prosseguimento da obra até o término das apurações. Diante disso, o empresário gravou um vídeo, distorcendo os fatos e colocando a população contra os órgãos licenciadores, afirmando que a legislação dificultava o crescimento econômico da cidade.
Esse tipo de conduta se tornou um padrão onde a Havan se instala, mas começou no Rio Grande do Sul, em 2018, com a instalação das primeiras lojas do grupo, em Passo Fundo e Caxias do Sul. A Havan exigiu que os órgãos “desburocratizassem” as leis ambientais e trabalhistas, liberando cargas de trabalho aos domingos e feriados para os funcionários, e acelerando o licenciamento ambiental. “Eu estou apresentando as duas primeiras cidades [onde quero abrir lojas]. Agora, dependerá delas. Já conversei com os prefeitos. Quem entregar o alvará mais rapidamente, será o primeiro”, disse Hang, segundo reportagem de GZH.
Em Lajeado, a Havan vai se instalar sobre uma área de preservação permanente. O grupo escolheu um terreno que chega até as margens do rio Taquari, afluente do Jacuí que deságua no Guaíba. “A Havan aterrou uma parte da área para a loja ficar mais alta, mas mesmo assim continua localizada em área de preservação permanente, por causa do rio Taquari e da mata ciliar”, denuncia Eduardo Luís Ruppenthal, biólogo, especialista em Biodiversidade e Meio Ambiente (UERGS) e em Desenvolvimento Rural (PGDR/UFRGS).
A prefeitura da cidade ainda abriu uma rua lateral para facilitar o acesso à nova loja, suprimindo a mata nas margens do rio, o que é proibido. “A prefeitura é muito conivente, né? Abriram a rua no meio do restinho da Mata Atlântica que tem nas margens do rio. É um grande crime”, ressalta o especialista.
Em Viamão e em Santa Maria, a Havan está sendo investigada pelo Ministério Público por provocar problemas ambientais. No primeiro caso, a denúncia afirma que a loja teria se instalado no município sem licença da Secretaria Municipal do Meio Ambiente. No segundo, teria aberto uma vala, durante a construção da loja, que causou a supressão vegetal nativa em uma área de preservação permanente (APP).
Em Porto Alegre, a prefeitura concedeu benefícios para a loja, acelerando os licenciamentos ambientais do empreendimento, segundo reportagem do Jornal do Comércio. Em Campo Grande, no Mato Grosso, e em cidades catarinenses, o grupo também está sendo investigado pelo Ministério Público por irregularidades ambientais.
Pressão levou à demissão de presidente do Iphan
Já em Rio Grande, a equipe de arqueólogos contratada pela própria Havan recomendou paralisar a obra porque foram identificados sítios arqueológicos, representando rico patrimônio cultural no local. A obra parou, e por conta disso, o empresário Luciano Hang gravou um vídeo e publicou em suas redes sociais ameaçando o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que é responsável por fiscalizar casos assim.
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) aderiu à campanha e comentou o caso, apoiando a narrativa de Hang. A pressão causada pelo empresário levou a ex-presidente da instituição, Katia Bogéa, a deixar o cargo. O desrespeito aos sítios arqueológicos representa um crime contra o patrimônio e a memória nacional, segundo a legislação brasileira.
Em Canela, a instalação da estátua símbolo da loja infringe o Plano Diretor da cidade. Houve protestos e abaixo-assinado condenando o desrespeito à lei, mas a Câmara de Vereadores aprovou um projeto de lei especial que concedeu ao empreendimento o direito de prosseguir com a construção. Mais uma vez, o dono da Havan fez um vídeo com ataques, dessa vez direcionados ao presidente do núcleo local do Instituto dos Arquitetos do Brasil, Humberto Hickel, que iniciou o abaixo-assinado. O IAB-RS emitiu uma nota de apoio ao profissional.
Além de acelerar a questão documental e licenciatória, o grupo também é conhecido por construir lojas em períodos de 60 a 90 dias — e a pressa muitas vezes coloca em risco vidas humanas. Em Erechim, uma estrutura de concreto pré-moldado desabou sobre o térreo do canteiro de obras, matando um dos funcionários da obra e deixando outro com ferimentos graves. Auditores-fiscais do trabalho embargaram a obra da loja em razão do risco de futuros desabamentos e mortes.
A reportagem solicitou um posicionamento da Havan sobre estes casos, mas a assessoria de imprensa do grupo não respondeu até o fechamento desta reportagem.
* Reportagem produzida para a disciplina de Ciberjornalismo III do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, ministrada por Marcelo Träsel.