Juremir Machado da Silva

Comércio na Redenção

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Comércio na Redenção Foto: Alex Rocha/PMPA

Aqui estou, Matinal, de casa nova. Olho os vizinhos e fico feliz. Não tem ninguém mandando parar o barulho às seis da tarde. Vida nova. Um recomeço na chegada aos 60 anos de idade, que espero festejar no próximo 29 de janeiro com a Cláudia. Estou como Mister Boot, aquele personagem de “A Montanha dos Sete abutres”, diretor de jornal, que usava cinto e suspensório: cauteloso. Tenho medo da Ômicron, embora ela seja até agora menos letal que suas antecessoras. A pandemia me transformou num frequentador diário do nosso belo Parque da Redenção.

É dele que falarei hoje. Antes, com a licença do Luís Augusto Fischer, uma citação de Machado de Assis (é como água fresca de Palomas, nunca faz mal): “Quem ignora a vida nova que trouxe ao ensino da infância a troca daquela velha tabuleta ‘Colégio de Meninos’ por esta outra ‘Externato de Instrução Primária’? Concordo que o aspecto científico da segunda forma tenha parte no resultado; antes dele, porém, há o efeito misterioso da simples mudança”. Toda vez que eu vejo um nome pomposo, como Polo Gastronômico, penso em Externato de Instrução Primária e numa escolha do Tancredo Neves. O assessor dele escreveu: “Esforçar-nos-emos para adotar uma política mais inclusiva”. Tancredo discursou: “Trabalharemos para quem ninguém fique de fora”.

O Parque da Redenção terá um Polo Gastronômico. Para que mesmo? Engana-se quem pensa que a Redenção é enorme. São poucos os espaços mais, digamos, recônditos, pequenos bosques isolados, ilhas de natureza no coração da “selva de pedra” (com a ousadia do clichê). Já fecharam, entre o espelho d’água e o laguinho, um espaço de 750 metros quadrados para bar, com mesas ao ar livre, palco, estacionamento de bicicletas e um salão de festas infantis. Por que a Redenção precisa ter mais comércio no seu interior? Já existe um mercadinho, com bar, restaurante e floriculturas, numa das suas extremidades. Não basta? Há também comércio no entorno (Osvaldo Aranha, José Bonifácio, Santa Teresinha, João Pessoa, Venâncio Aires). Nada tenho contra ganhar dinheiro. Gostaria de ganhar mais. Acho, porém, que podem existir outros ganhos.

A minha pergunta singela é esta: um parque, como aquela rosa, que era apenas uma rosa, não pode ser apenas um parque, com gramados, árvores (a Redenção precisa de mais), lago, pássaros, gente caminhando, praticando esportes, namorando, sentindo cheiro de flores, crianças correndo, poetas, cães, coisas assim? Não faltará quem me chame de velho, de comunista e de velho comunista. O bom é pensar que não serei demitido por isso. A minha concepção de parque é básica: basta ser parque. Será que o Instituto de Educação, belo prédio abandonado pelo Estado, com sua imagem solene na Redenção, vai virar um shopping?

Sempre achei o agora prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo, um homem sensível e simpático. Cada vez encontro mais pessoas progressistas, que votaram nele, saudosas de Nelson Marchezan Júnior. Dizem que, se vacilar, Sebastião privatiza o pôr do sol sobre o Guaíba. Enfim, polo gastronômico é a mãe (a matriz neoliberal, claro).

Ouvi um contra-argumento robusto: agora é tarde, Inês é morta.

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