Juremir Machado da Silva

Festival de Cinema de Gramado

Change Size Text
Festival de Cinema de Gramado 50º Festival de Cinema de Gramado. Foto: Cleiton Thiele/Agência Pressphoto

Um olhar muito pessoal

O Festival de Cinema de Gramado chegou à sua quinquagésima edição. Um feito. A primeira vez que eu tomei consciência desse evento foi em 1980, menino chegado de Santana do Livramento, morador do Sarandi. No rádio, falavam de uma polêmica tremenda. Um secretário do governo gaúcho havia abandonado a sala de exibição do filme “Os sete gatinhos”, dirigido por Neville D’Almeida, inspirado na obra de Nelson Rodrigues, acusando-o de pornografia. Fiquei mobilizado. Queria ver logo o filme, ansioso pela pornografia e pelo escândalo. Passei a sonhar com o Festival. Em 1988, quando o evento comemorava seus 15 anos, debutei como repórter no grande festival da serra gaúcha. Foi uma emoção incrível.

Desse meu primeiro festival me lembro da alegria de estar perto dos artistas, do filme “A dama do cine Shangai” e de um pequeno acidente do nosso carro entre Gramado e Canela. Em 1989 eu estava lá outra vez por Zero Hora. Foi o ano da grande vitória de “Ilha das Flores”, de Jorge Furtado. Fui o único a criticar o curta que se tornaria sucesso mundial, levando um Urso de Prata em Berlim. Eu era jovem, louco e queria sempre mais de tudo. Lembro-me de uma conversa, depois de ver o filme, com meu ex-professor de Cinema na Famecos, Aníbal Damasceno, guru de muitos cineastas, enciclopédia de literatura e filmes, à frente do hotel Serra Azul. Ele me dizia com seu jeito irônico e provocador:

– Se tu tens certeza da tua opinião, publica.

Publiquei, pois faria isso de qualquer maneira, só queria ser tranquilizado. Ajudei na polêmica mesmo sem querer. Fiquei com todos contra mim. Hoje, aos 60 anos, olho para trás e não me arrependo de ter publicado, mas reconheço que o filme tinha muitas qualidades e merecia ser premiado. Outra edição do Festival de Cinema de Gramado que me marcou foi a de 1995. Eu estava voltando de quatro anos em Paris, onde fora correspondente do jornal Zero Hora, e havia sugerido aos organizadores levar o meu amigo Alain Robbe-Grillet, o chamado “papa” do Novo Romance, ao Festival. Ele seria o presidente do júri daquela edição. Conheci, mais do que nunca, as festas de Gramado naquele ano, ao lado de três atores franceses convidados para o evento: Sophie Broustal, Olivier Sitruk e Bruno Putzulu. Fiz parte do júri dos curtas. 

Depois da quase destruição do cinema brasileiro pelo governo desastrado de Fernando Collor, Gramado internacionaliza-se e vivia uma nova fase, com o bom e velho glamour. Gramado me acenderia o desejo de ver os grandes festivais internacionais. Assim, entre 1991 e 1995, cobri três vezes o Festival de Cannes, duas vezes o de Berlim e uma vez o de Veneza. De todos eles guardei histórias, amizades e belas imagens. Fiz muitas entrevistas, batalhei muito para ter acesso aos grandes nomes e me senti feliz por estar fazendo o jornalismo cultural dos meus sonhos. Nunca esquecerei de minhas entrevistas em Veneza com Geraldini Chaplin e Mario Vargas Llosa. Em Berlim, de minha caça a Alain Delon. Em Cannes, de meu encontro de jornalista com Béatrice Dalle, sucesso da época e com o grande diretor português Manoel de Oliveira. Em Gramado, Reginaldo Fari me embasbacou com o seu talento e a sua desenvoltura no dia a dia.

Um olhar pessoal tão pequeno remete para a grandeza do Festival de Cinema de Gramado, obra coletiva de tanta gente, uma história de projetos, sonhos, ambições, compartilhamentos e novas buscas. Alain-Robbe Grillet, um ano depois da sua estada em Gramado, me disse: “Lá, na bela cidade da montanha do Rio Grande do Sul, vivi novamente alguns dias de juventude e paixão pela arte. Foi um sopro de alegria e convivência”.

Pena que será difícil estar presente nos cem anos do Festival de Cinema de Gramado. Quem sabe a ciência dá um jeito e chegamos lá.


Tambor tribal

Marcos Feliciano é pastor da Assembleia de Deus Ministério Catedral do Avivamento. O púlpito não lhe basta. O que ele gosta mesmo é da tribuna. Para chegar lá, não se constrange em espalhar fake news. Nem de admitir aquilo que faz quando fala aos seus fiéis sobre uma vitória da esquerda nas eleições: “Conversamos sobre o risco de perseguição, que pode culminar no fechamento de igrejas. Tenho que alertar meu rebanho de que há um lobo nos rondando, que quer tragar nossas ovelhas através da enganação e da sutileza. A esmagadora maioria das igrejas está anunciando a seus fiéis: ‘tomemos cuidado’.

O pastor trata as suas ovelhas com um bom rebanho.


Parêntese da semana

Ori Oristeia (Foto: Marcos Feijão)

A edição da revista traz como título a palavra “Oxalá”. Em tempos de intolerância religiosa, em que grupos evangélicos fanatizados designam a crença do outro, por exemplo, das religiões de matriz africana, como superstição ou coisa do mal, é muito importante falar daquilo que alguns querem interditar. Lembro-me muito bem que, como coordenador editorial do Caderno de Sábado do Correio do Povo, jornal ligado à Igreja Universal do Reino de Deus, tive de pedir a um importante escritor que tirasse do seu belo texto referências a orixás. Queríamos preservar a trincheira. O “bispo” que chefiava o veículo não admitia que se falasse de umbanda, candomblé e nem de santos católicos. Eu escrevia Agostinho. Santo Agostinho não passava.


Frase do Noites, “o pior obscurantista é o que se acha iluminado”.


Imagens e imaginário

Entrevista com o jornalista gaúcho Marcos Santuário, um dos curadores do 50º Festival de Cinema de Gramado:


Escuta essa

“Viagem” é o que chamo de música perfeita: uma melancolia que dói suavemente e a gente quer mais, com Maysa ou Emílio Santiago:

RELACIONADAS

Esqueceu sua senha?

ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.
ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.