Juremir Machado da Silva

A escolha de Anitta

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A escolha de Anitta Foto: Jacob Webster/Divulgação

Então ele disse: “Gosto da Anitta”. Começaram a chover espantos e críticas pontiagudas como flechas envenenadas. Era um festival de certeza em meio a um pantanal de dúvidas e de violências simbólicas. Tentaria responder com elegância. Ao seu lado, um cara não hesitava: rebatia com mais virulência ainda e festejava cada golpe acusado.

– Vai ouvir um gaúcho – disse um.

– Também ouço gaúchos, de José Mendes a Cesar Passarinho – disse.

– Odeio esses gaudérios reacionários – golpeou o cara.

Ficou por alguns minutos pensando em tudo o que Anitta provocava com sua autonomia, sua tatuagem no ânus, sua liberdade sexual, sua música altamente dançante, seu empoderamento e sua fama internacional.

– Annita só sabe balançar a toba – agrediu outro, de amarelo,

– Anitta faz música para dançar – disse ingenuamente.

– A toba da Anitta faz pensar muito mais do que o cérebro dos fascistas que falam mal dela – atacou o que vibrava com os combates.

Considerou que Anitta desestabilizava valores em decomposição. Quis entender a reação que provocava em pessoas rigidamente conservadoras. Preparava-se para argumentar quando ouviu isto:

– Só comunistas e vagabundos defendem a Anitta.

– Conheço muitas pessoas que não são comunistas nem vagabundos e gostam da Anitta, assim como gostam de música clássica ou de Chico Buarque. Acho que não se pode ser tão categórico nem tão fechado.

– Só bolsonaristas atacam a Anitta e defendem os sertanojos, esses que, como dizia um produtor musical já falecido, fazem música para fazer filhinho na balada e idolatrar gigolô de boi – falou o cara.

Quem era esse cara? Era alguém que conhecia, com muitos rostos e nenhuma paciência para a argumentação, uma dessas faces que povoam as redes sociais e dormem bem à noite depois de verter sangue virtual.

– Quem tem família não defende a Anitta – afirmou outro.

– Existem muitas famílias – tentou ponderar.

– Quem tem bom gosto não fica ouvindo esses mamadores de verbas públicas, esses que cantam como se estivessem se espremendo – disparou o cara, com esse ar de fotinho do Twitter e sua verve descontrolada.

Sabia que a discussão não levaria a qualquer porto seguro. Era melhor encerrar, sair de mansinho, ir ler um romance, esconder-se na solidão das palavras, entre estantes de lembranças e malas de documentos apócrifos em busca de um significado, algo assim.

– Nada pior do que letra de música da Anitta – foi o novo ataque.

– Anitta não quer fazer poesia – quis objetar.

– Tem, sim, tem muito pior: letra de sertanejo universitário.

O cara parecia uma metralhadora. Estava farto de hipocrisia e tinha disposição para os sangramentos. Ele, ao contrário, estava cansado de guerra, embora soubesse que nunca o deixariam em paz.

– Você defende a Anitta por ideologia, petista safado!

– Nunca tive partido – quase sussurrou.

– Olha só o reaça pingando ideologia vir falar em ideologia! Vai achar um espelho e um otorrino para limpar teu ouvido sujo de porcaria.

A escolha de Anitta era um mundo. Pode-se escolher Anitta ou ser escolhido por ela. Difícil é ficar indiferente à sua expressão.

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