Juremir Machado da Silva

Alain Delon quer morrer

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Alain Delon quer morrer Foto: Reprodução / Instagram @official.allaindelon

O ator Alain Delon quer morrer. Aos 86 anos de idade, aquele que foi um dos homens mais bonitos do mundo (na minha opinião o mais bonito do seu tempo) quer sofrer uma eutanásia, na Suíça, onde mora e a prática é legal. Jovem jornalista, correspondente na Europa, corri atrás dele. Nunca corri tanto atrás de alguém. Era o Festival de Cinema de Berlim. Um fevereiro de muita neve e frio. A Casa das Culturas do Mundo, no Tiergarten, o belo parque berlinense, parecia um cartão postal de pontas embranquecidas. Andei atrás de Delon num pequeno cinema onde passavam todos os filmes em que havia atuado, no portão de Brandemburgo, no hotel onde ele estava hospedado, enfim.

Penso nele agora assim como penso em Brigitte Bardot. Ambos foram lindos. Tornaram-se um tanto amargos. Cobri muitas edições de festivais de cinema (Berlim, Cannes, Veneza). Havia trocado o esporte pela cultura. Buscava algo que me enchesse de esperança no jornalismo e no futuro. Corria atrás das celebridades do cinema e tentava agarrar a alma delas em poucos e consistentes minutos. Esse era o jogo.

Em Veneza, entrevistando Geraldine Chaplin, senti que ela era uma mulher feliz, algo quase contagiante. Aquilo me veio como uma poderosa intuição. Disse isso a ela, que riu e falou com suavidade: “Estou serena, agora”. Em seguida, ainda em Veneza, entrevistando Mario Vargas Llosa, contei-lhe da minha impressão da filha de Charles Chaplin. O grande escritor observou: “Há uma luz no rosto dela”.

Delon parecia acossado pela enorme fama da qual continuava a desfrutar passados os seus belos anos. Leio agora entrevistas dele onde fala do seu desejo de morrer e sinto que está sereno. Pode, contudo, estar sereno um homem que se prepara para morrer?

Uma vez, almoçando num restaurante da bela Place Dauphine, em Paris, vi Jean-Paul Belmondo sentado junto com uma menininha loira. Era tal a serenidade do velho ator, com a filha tão jovem, que resisti a qualquer tentação de propor-lhe uma entrevista. Meu amigo Yves Simon, que morava nas imediações, me recriminaria: “Ele estava pronto para falar”, diria. Belmondo queria viver e exibia a vida nas rugas. As palavras de tudo o que recolhi ecoam menos na minha mente do que as imagens, especialmente dos rostos, como se sugassem toda claridade.

Falo de tudo isso e me lembro de uma crônica que escrevi há alguns anos. Um rapaz – palavra de outro tempo – havia perguntado:

– Quem é esse Belchior que o senhor citou outro dia?

Aí, sei lá o que me deu na cabeça, falei de Marlene Dietrich, Greta Garbo, Vivien Leigh, Claudia Cardinale e Marilyn Monroe. Participei de uma coletiva com Sophia Loren. Queria muito ter entrevistado Claudia Cardinale, tão bela, no auge, quanto Alain Delon.

Em Cannes, fiz uma longa entrevista com uma atriz que fazia sucesso na época, Béatrice Dalle. Perguntei-lhe, já terminada a gravação, o que achava de mitos como Alain Delon. Respondeu com um muxoxo: “Um grande mistério”. Há um enigma inicial: o sucesso. Alain Delon e Marlon Brando foram além do provável: sabiam atuar, fascinar e chocar. A saída definitiva de cena de Delon será definida por ele, não por qualquer autor ou diretor. Só Deus pode roubar-lhe o último ato.

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