Juremir Machado da Silva

Aposentados por velhice

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Aposentados por velhice

Há uma crise em curso no Grupo Hospital Conceição, importante instituição federal da saúde em Porto Alegre. O GHC promoveu um Plano de Demissão Voluntária para profissionais até 74 anos de idade. Acontece que 110 já tinham mais de 75 anos. Esses teriam de ser demitidos. Entre eles, 40 médicos. Para a direção trata-se de uma exigência do Tribunal de Contas da União com base na reforma da Previdência. Contratados como celetistas poderiam, aos 75 anos, ser demitidos sem indenização. Claro que a questão está na justiça.

Os reclamantes chegaram a obter liminar para continuar trabalhando. Nesta sexta-feira ainda haverá exame de um recurso. O problema estaria na diferença entre estatutários, obrigados a se aposentar quando atingido o limite de idade, e celetistas no serviço público, para os quais ainda não haveria regulamentação legal quanto a uma idade de aposentadoria compulsória. Todos esses aspectos jurídicos estão em matérias da grande mídia. O que não aparece é o elemento humano. Por que essas pessoas estão sendo mandadas para casa? Um importante médico com quem conversei resumiu o quadro:

– Estamos sendo demitidos porque somos velhos.

Segundo ele, não há qualquer previsão legal para celetistas a respeito de idade. A situação fica ainda mais grave quando o afastamento pode se dar sem as devidas indenizações. O médico em questão se diz em forma, lúcido, ativo, disposto para trabalho. Ele lembra que o GHC construiu um novo prédio, um hospital do câncer, e não tem efetivo para colocar o dispositivo em funcionamento. As suas perguntas são cortantes: por que abrir mão de profissionais competentes com grande valor na preparação de residentes? Por que, numa área tão sensível quanto a da saúde, dispensar massa crítica?

A resposta é cruel: porque há preconceito com velhos. Esta é uma sociedade paradoxal: vive-se mais, mas os idosos não são valorizados. Ser jovem é quase uma qualidade profissional válida por si mesma. Não entra em questão se o velho continua eficaz. A idade o condena. A mais insidiosa forma de etarismo é essa. O velho está permanentemente sob suspeita. Ouve consolações condescendentes todo dia. Perguntam-lhe se sabe enviar um e-mail, se já ouviu falar em TikTok, se sabe mexer com computador. Sempre que aparece numa conversa a expressão “já ouviu falar” há preconceito e condescendência na jogada. Melhor reagir. De preferência com ironia. No enfrentamento, vira resistência. Só piora.

Quer demitir, paga tudo. Mas olha bem quem está sendo demitido. Perder qualidade por causa da idade pode ser bobagem juvenil. Cada caso é um caso. Ou deveria ser. Vivemos a caça ao velho. Ser demitido por ter ficado velho, mas não necessariamente ineficaz ou incapacitado, faz pensar: que mundo é este? Cronista, busco o humano por trás do aparato tecnocrático. O que me interessa são esses homens e mulheres descartados. O ser humano nasce para ser jogado fora. É só questão de tempo. A vida é breve. A tristeza é que pode ser eterna.

*

A passagem do tempo para mim tem por fundo musical “Años”.

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