Juremir Machado da Silva

Boca suja

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Boca suja Foto: Freepik

Do alto da sua idade e do seu capital, avaliado em bilhões, ele tinha a boca suja e não deixava por menos. Vivia soltando fagulhas.

– O Brasil é um país de merda – dizia.

Diante da perplexidade das pessoas, ainda mais que falava palavrões vestindo terno Armani, ele sorria. Se não obtinha resposta, atacava. Era incrível a sua capacidade de vomitar impropérios.

– Sabe o que mais me deixa puto?

Ninguém respondia. Era uma pergunta retórica.

– O que me deixa puto é saber que temos tudo para dar certo. Qualquer bostinha de país, sem recurso natural, sem porra alguma, chega lá. E o Brasil? O Brasil se atola na mediocridade da sua elite predadora.

A elite não era ele mesmo? Não se via como tal. Não era rico por herança nem por loteria. Era bilionário por mérito. Um aplicativo. A grana dava-lhe a tranquilidade que só o dinheiro fornece. Como não estava pedindo nada a ninguém e não sonegava impostos, podia falar:

– Vão tomar no cu.

Enchia a boca quando falava isso. Em momentos que exigissem realmente um modo de falar mais recatado, usava a conhecida sigla VTNC.

Não podia se exprimir de outra maneira? Quando lhe perguntavam isso, chutava o balde. Respondia que palavrão era a desigualdade brasileira, o racismo, a homofobia, o machismo, a taxa de feminicídio, a fome, a miséria, as cracolândias, o salário mínimo, a violência.

– Vão se foder.

Um pacato cidadão tentou convencê-lo de que devia dar um exemplo em tudo, a começar pela linguagem, que as palavras têm peso, etc.

– Peso tem é a sacanagem, caralho!

Não havia jeito de convencê-lo de que tinha uma responsabilidade vocabular, um dever de elegância, uma obrigação de comedimento.

– Não roubei, não matei, trabalhei, ganhei, caguei para a elegância.

Já não o convidavam para certas cerimônias oficiais por medo de que seus palavrões estragassem a festa. A resposta dele era imediata.

– Não querem meus palavrões, mas querem meu pix, não é?

O silêncio era a única resposta.

– Pica pra vocês – ele gritava.

Nessas horas, disparava os seus questionamentos.

– Sabem quantos por cento de analfabetos tinha o Brasil quando os Estados Unidos já chegavam a oitenta por cento de alfabetizados?

Ninguém ousava arriscar.

– Noventa e dois por cento, eu disse 92%, filhos da mãe. Por que era assim? Porque era um país escravista de merda, com uma elite predadora e uma metrópole parasita, que saqueava tudo o que podia e foda-se.

Foi um alívio para a nação quando ele morreu atropelado por um jet-ski. Recebeu muitas homenagens ao seu falar “franco e honesto”.

– Era um homem que ia direto ao ponto – disse o orador.

– Usava a língua como um chicote – emendou o presidente.

– Que descanse em paz – desejou o representante do PIB.

PIB para ele era o cacete.

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