Caso crônico
– O que me diz, doutor?
– É crônico.
– Crônico?
– Sim, crônico.
– O que me resta?
– A crônica.
– Artigo, não?
– Tem efeito colateral.
– Crítica?
– Teria de ser em doses homeopáticas.
– O senhor acredita na homeopatia?
– Abstenho-me de criticar.
– Poesia?
– No outono.
– Ensaio?
– É sempre bom tentar.
– Novela?
– A das nove.
– Romance?
– Faz bem ao casamento.
*
Cronista é aquele que sente a dor alheia como se fosse sua. Conta os fatos como eles subjetivamente são, aquém ou além da ilusão da objetividade tão comedida. O cronista anda a esmo por falta de uma direção segura. Se andasse em linha reta não encontraria tanta coisa escondida nos desvãos das curvas. Cronista é poeta que vai até o fim da linha ver o que existe no ponto final de um ônibus. Há momento agudos na vida de um cronista: são aqueles em que sente inflamada a sua veia de crítico de costumes. Não que critique os modos alheios. Apenas não se conforma com o que deforma a sinuosidade da existência, sempre tão deliciosamente imprecisa, perigosa até, à beira do abismo cotidiano. O cronista é um colecionador de cores, matizes, odores, impressões, sol caindo, noites revisadas à mão, paisagem pintadas com marcas de café.
*
Cromatismos
A relva crescia suja na parede do canal
Tufos verdes sombrios na banalidade do mal
Imagens frescas e cruas em tamanho natural
Águas turvas na clareza do retrovisor
Um homem despiu-se e começou a nadar
Era eu apagando sonhos na lâmina da água
Arranquei a grama e com ela toda a mágoa,
Colher amarga de um líquido depois do mel.
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Frase do Noites, o iluminista em dias nublados ou sem política: “Nunca deixe para amanhã o que se pode viver depois de amanhã”.
Michel Houellebecq por ele mesmo: “Em geral, o que eu conto não é falso. Pode ser que, vez ou outra, eu exagere”.