Juremir Machado da Silva

Do outro lado do rio

Change Size Text
Do outro lado do rio Inverno em chamas, documentário sobre as manifestações na Ucrânia em 2013 e 2014.

Vocês não estão entendendo nada. Já ouviram essa frase, não? Foi lá nos anos dos festivais de música. Saiu da boca de um tal de Caetano Veloso. Era um grito contra os caretas que queriam enquadrar a arte. Não só a arte. Bem mais do que isso: a vida. Na reversibilidade, conceito patafísico explorado por Jean Baudrillard, a arte desapareceu por excesso. Como tudo. A obra morreu. O autor ressuscitou. O agressor é a Rússia. O agredido é a Ucrânia. O que tem a ver o cu com as calças?

– Que linguagem é essa, doutor?

– A linguagem das ruas, ué?

Tá tudo dominado. Não é mesmo? Não tem margem nem outro lado rio. O imperativo categórico, que tinha sido atmosférico, quer fazer novamente a lei. Palavra por palavra, trotskista contra stalinista, marxista contra neoliberal, russofobia contra ucranofobia, antiamericanismo contra o Tio Sam (o pessoal fala assim). E que merda de mundo globalizado. “Descobriram ontem que um oligarca era dono do Chelsea? E quando vão descobrir que a ditadura do Qatar é dona do PSG, a dos Emirados é dona do Manchester City e a da Arábia Saudita é dona do Newcastle?” E o Guga Chacra é da Globonews! Toda a mídia mente. Onde eu me informo, por favor? Ferrou. Ninguém escapa. Onde me jogo?

“Le Monde” sugere que tem muito complotismo por aí, nome francês para teoria da conspiração. “Le Monde” é mídia. E a mídia mente. Só pode ser um complô. Contra quem? Na minha opinião, contra mim. Salvo se for teoria da conspiração da minha cabeça, que sou paranoico de manhã.

– Foda-se!

– Chega de palavrões.

É que fui a um jogo de futebol. Voltei contaminado pelo vocabulário dos treinadores. E o torcedor que jogou a pedra no ônibus do Grêmio voltou ao local do crime. Foi preso. Teoria confirmada. O futebol é o cacete do povo. Um quer bater no outro na falta de uma guerra. O Putin teria invadido a Ucrânia para diminuir a violência no futebol. Humor infame. O Putin é infame, autocrata, Stalinzinho. O que ele quer? Reinventar a Grande Rússia, o Mundo Russo, a Mãe Rússia, a União Soviética sem o comunismo, etc, etc. Mania de grandeza mortal.

Ah, mas o Biden não é flor que se cheire. Quem é?

– A mãe do Badanha.

Assim se falava quando tudo era permitido, salvo ser livre, pois liberdade era uma calça velha azul e desbotada. Putin só entende a linguagem da força. Dá o dedo, quer a mão e o braço. Vai vendo. Há exemplos no passado. Brinca com ele, vai. Depois me fala. A história da humanidade é a história da luta contra a censura. E contra a guerra.

Continuamos os mesmos e ainda fazemos guerras como os nossos antepassados. O que Putin quer? Escrever o seu nome na história. Para que isso serve? Talvez para se iludir com a vida eterna, a posteridade, ao custo da morte de outros, esses que não serão nem nota de rodapé. Quantos crimes já foram cometidos em nome da posteridade? A guerra de Putin é uma excrescência, assim como a OTAN e a necessidade de se defender do vizinho demarcando linhas vermelhas. A tecnologia avança, a ciência dá saltos, o imaginário não se altera. É uma ficção compartilhada, um excesso de significado, uma “magificação do mundo”, o irreal conduzindo a realidade, aquele pelo que se vive ou se mata.

RELACIONADAS

Esqueceu sua senha?

ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.
ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.