Juremir Machado da Silva

La maîtresse de Proust e uma crônica especulativa

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La maîtresse de Proust e uma crônica especulativa

Gilberto Schawartsmann não para de abrir novas frentes para a sua arte. O escritor gaúcho acaba de dar mais um passo para sua internacionalização. Já está disponível para o leitor francês o seu livro La maîtresse de Proust (Edições Ardavena), com tradução de Emmanuel Tugny. Lançado no Brasil pela Sulina, A amante de Proust não deixa ninguém indiferente. Um jogo delicioso de erudição, leveza, humor e paixão pela literatura de Marcel Proust. Il faut le lire.

Hoje faz cem anos da morte de Marcel Proust.

Como teria sido a minha vida se…

Existem dois tipos de pessoas no mundo (só dois, garanto): os que seguem em frente e os que olham para trás. Sou deste segundo time. Olho para trás e me pergunto (não sou mala a ponto de perguntar para outros): o que teria sido da minha vida se…? Se o que mesmo? Se eu tivesse aceitado aquele emprego numa ferragem que meu pai conseguiu para mim dois dias antes de eu embarcar para Porto Alegre, aos 17 de idade, com pouco dinheiro, muita esperança, cabelos compridos e ideias curtas? O que teria sido da minha vida se eu tivesse passado no psicotécnico de uma seleção para a Panvel, em 1982, com meu diploma de oficial de farmácia obtido no segundo grau?

As perguntas se acumulam, mas algumas se repetem laconicamente: o que teria sido da minha vida se eu não tivesse perdido um emprego na Zero Hora por ter criticado Luis Fernando Verissimo e seu pai, Erico Verissimo, que eu insistia em escrever com acento, em nome e sobrenome, para desespero dos seus admiradores? O que teria acontecido com a minha vida se antes disso eu não tivesse sido a única pessoa no mundo a escrever contra o curta “Ilha das Flores”, de Jorge Furtado, que vi no Festival de Cinema de Gramado e critiquei no dia seguinte em artigo que chocou quem o leu? O que teria sido da minha vida se eu soubesse dirigir e tivesse um carro? Teria escrito menos livros, lido menos, andado mais por aí, visitado mais meus familiares, esperado menos do futuro, vadiado mais e melhor?

Não saber dirigir certamente afetou o meu destino. Tive amigos que aprenderam a dirigir tarde, como o David Coimbra. Claro que há outra pergunta incontornável: o que teria sido da minha vida se eu tivesse filhos? Ao contrário do personagem de Machado de Assis, que pensava não ter transmitido a ninguém o legado da sua miséria, eu me digo quando o sol se põe: não tive filhos, não transmitirei a ninguém o legado das minhas esperanças. Arrependimento? Talvez. Há perguntas engraçadas de tão bobas: o que teria sido da minha vida se eu tivesse caixa de ferramentas e soubesse, como dizem os franceses, bricolar? Teria com certeza comprado menos brigas e sofrido menos com ansiedade e com aquele belo quadro no chão esperando para ser pendurado. Há outras que eu gosto: O que teria sido da minha vida se eu não tivesse entrado, numa manhã de primavera, em 1984, na livraria do prédio da biblioteca da PUCRS e encontrado um livro de capa azul, “A conquista do presente”, de certo Michel Maffesoli, que eu desconhecia então.

A mais importante das perguntas, contudo, é esta: o que teria sido da minha vida se, certa noite, eu não tivesse atravessado a Osvaldo Aranha, no Bom Fim, na direção de um bar que se chamava Luar Luar e me deparado com uma guria de longos cabelos revoltos, que eu conhecia vagamente por intermédio de meu amigo alegretense Luís Gomes, hoje meu editor na Sulina? Ela se chamava Cláudia e depois daquele encontro nunca mais sairia da minha existência. O que será da minha vida se eu continuar a ser quem eu sou, sempre pronto, como diz um poema de Vinicius, a me “comprometer sem necessidade”?

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