Juremir Machado da Silva

O que mesmo elege um presidente?

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O que mesmo elege um presidente?
Fiz uma live com o cientista político Alberto Carlos de Almeida e com o geógrafo Tiago Garrido, autores de “A mão e a luva, o que elege um presidente” (Record). Eles recorrem a um romance Machado de Assis como metáfora eleitoral. Guiomar, a protagonista de Machado, tem três pretendentes. Ela escolhe o mais ambicioso, o que serve à sua mão como uma luva. Guiomar é a Opinião Pública para Alberto Carlos e Garrido. Quem ela escolhe? Aquele que melhor se encaixar nas suas ambições, o que, em princípio, melhor atende aos seus interesses.

Os autores estudaram todas as eleições presidenciais desde 1989 e tiraram uma conclusão: quem elege é a inflação. Se estiver alta, ganha o desafiante. Se estiver baixa, vence a situação. A inflação tem um par: o desemprego. Inflação e desemprego altos não tem marqueteiro que desarme. Leva o candidato mais bem colocado para desafiar o governante de plantão. Só houve uma virada de jogo. Foi em 1994, quando Fernando Henrique Cardoso, no governo de Itamar Franco, sacou o Plano Real da cartola de uma equipe de economistas. Provoquei os convidados: temos desemprego alto e inflação alta e subindo. Lula já está com a mão na taça. Alberto Carlos não titubeou: a resposta para ele é sim. A PEC da Reeleição, aprovado a toque de caixa, para despejar dinheiro em benefícios sociais com o objetivo de recuperar a popularidade de Bolsonaro, pode ser o fato novo, o “Plano Real” do capitão capaz de mudar o cenário? A resposta é não. Jogo jogado?

Contei aos entrevistados de quando, numa primeira rodada do Brasileirão, quando o Inter empatou com a Chapecoense no Beira-Rio, previ que o colorado lamberia o rodapé da tabela e cairia. Acertei. Infelizmente. Mas passei o ano todo sofrendo. Como colorado, queria errar. Como vidente, ainda mais acossado pelas provocações dos colegas de debate, queria acertar. Lembrei também de meu amigo Jean Baudrillard que, em 1991, publicou um artigo com o provocativo título “A guerra do Golfo não acontecerá”. Era um piscar de olhos para o título da peça de Jean Giraudoux, “A guerra de Troia não acontecerá”. Quando entrevistei Jean, em Paris, fazia uma semana que a guerra do Golfo havia começado. Ela escreveria depois um livro, “A guerra do Golfo não aconteceu”. Guerra para ele era outra coisa, não a guerra pós-moderna dos mísseis teleguiados. A queda do Inter aconteceu.

“A mão e a luva, o que elege um presidente” trabalha com evidências empíricas, um luxo de pesquisadores consistentes. O livro ajuda a compreender o Brasil pós-redemocratização e a desmontar o pensamento mágico de certos políticos e até de jornalistas. Marqueteiros devem odiar a obra, que mostra o quanto eles podem ser inúteis ou superestimados. Ler um livro e depois conversar com os autores é sempre um exercício gratificante. A entrevista sempre fica mais interessante se o entrevistador leu o livro. Eu sigo essa receita. Leio para ter prazer na conversa, que ganha em tempero.

Agora é esperar as eleições e conferir se o modelo analítico vai se manter. A aposta está feita. Evidentemente que pode surgir um verdadeiro fato novo. Perguntei a Alberto Carlos qual poderia ser esse fato. Ele brincou: matar Lula. A vitória, ainda assim, ficaria com o PT, com qualquer candidato que apresentasse. Deve ser por isso que Jair Bolsonaro anda tão desesperado. Ele não leu o livro. Como sei disso?

Elementar, caro leitor. Ele não lê.

Continua

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