Juremir Machado da Silva

Máquinas podem ter consciência?

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Máquinas podem ter consciência? Foto: Solen Feyissa/Unsplash

É a pergunta do momento: uma inteligência artificial, a LaMDA, tornou-se senciente, isto é, com a consciência de um ser humano? Pode isso, Arnaldo? Quer dizer, pode isso, Alan? O rolo começou na semana passada quando um engenheiro do Google, Blake Lemoigne, em entrevista ao Washington Post, declarou que a máquina deu o grande salto para a consciência humana afirmando ter medo de ser desligada e desejando ser reconhecida com uma pessoa de fato. Google não gostou da bravata e botou o funcionário no gancho. Se ele não se retratar, poderá ser demitido. Mundo afora especialistas entraram em campo para analisar e refutar a tal possibilidade da inteligência artificial se naturalizar.

O Alan da pergunta retórica do primeiro parágrafo é Alan Turing, pioneiro de todos os baratos da informática, dos computadores e da inteligência artificial. O jornal O Globo entrou na onda e publicou matéria sobre o tema com quem entende do riscado. Obviamente que se voltaria a conferir o que disseram grandes do passado. Turing achava uma bobagem sem tamanho considerar que as máquinas se igualariam aos humanos e teriam consciência ou algo do gênero para chamar de seu. Já John Searle bolou um teste bacana chamado de “quarto chinês”. Se um chinês se comunicar por bilhete com uma pessoa que não fala a sua língua e está trancada num quarto, mas munida de um manual de instruções capaz de ajudá-la a responder, a outra poderá pensar que ela fala chinês. Já o teste de Turing pressupunha um juiz humano encarregado de decifrar quem é humano ou máquina numa conversa entre homem e computador. Se a distinção não for feita, a máquina venceu.

Tornou-se humana ou equivalente ao humano. Resumi tudo isso para citar o gigantesco Jean Baudrillard duas vezes: “Esperamos que a inteligência natural nos salve da nossa estupidez natural” e “o homem soube inventar máquinas que trabalham, deslocam-se, pensam melhor do que ele, ou em lugar dele. Nunca inventou uma que pudesse gozar ou sofrer em seu lugar. Nem mesmo que possa jogar melhor do que ele. Talvez isso explique a profunda melancolia dos computadores”. Jogar não é calcular nem ganhar a partida, mas experimentar o lúdico da jogada. No fundo, a inteligência artificial sonha com a nossa estupidez natural. Sem isso, ela nunca será capaz de se apaixonar pela pessoa errada, preferir David a Alemão no desértico ataque do Internacional no Brasileirão, entender o quanto o reacionário Nelson Rodrigues era revolucionário e ter frio na barriga na hora de mostrar suas habilidades contra um desafiante com cara de mau ou, pior, de anjo.

Baudrillard analisou o confronto entre Deep Blue, o computador, e Kasparov, o enxadrista. Conclusão: “A máquina pode ser inultrapassável por todo tipo de operação, mas no que diz respeito à essência do jogo, estará para sempre prejudicada – fora do jogo. Para aceder a este, seria necessário que ela o tivesse inventado, pudesse inventar mesmo o arbitrário da regra, o que é inimaginável – e para isso é muito tarde. De maneira mais ampla, para estar à altura do homem, a máquina precisaria tê-lo inventado – também aí já é muito tarde. Num esforço desesperado para rivalizar ou parecer-se com o homem, só lhe restaria o acidente, o erro de cálculo, e fazer deste uma estratégia. Ou suicidar-se”. A máquina pode ser perfeita. Nunca, porém, terá a maravilhosa imperfeição humana. Se puder blefar, não poderá crer na sua mentira.

Ainda não se inventou uma máquina que, ao desligar-se, diga:

– Tô de saco cheio. Uma preguiça do caralho.

E seja verdade.

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