Juremir Machado da Silva

Nem neoliberal nem marxista

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Nem neoliberal nem marxista

Eu tenho um problema grave: sou nem nem. Nem neoliberal nem marxista. Estudante de jornalismo e história, não era trotskista nem stalinista. Nem de direita. Era anarquista. Descontentava todo mundo. Jornalista, perdi emprego, fustigado pela esquerda, quando tinha 30 anos; e pela direita, aos 60. Continuo nem nem. Nada pode ser pior. Nem de cima do muro eu sou. Assumo posições. Sempre do lado “errado”. Critico as privatizações, o rentismo e a exploração desenfreada dos que só têm trabalho para vender, mas não consigo me imaginar usando a sério expressões como “imperialismo ianque” ou “tio Sam”. Fala sério!

Sou um corpo estendido na contramão. Nunca estou onde me esperam. Conclusão: estou sempre sozinho. Sou alguma coisa? Se na juventude era anarquista, o que continuo sendo de coração, na velhice, que já sou sexagenário, virei social-democrata. A Suécia é meu ideal. Sim, quero reformar o capitalismo sem aboli-lo. Pronto, falei. Um polemista de direita me aconselhou: “Se quer sobreviver neste meio, assume um lado, ou será abandonado por todos”. Nunca assumi. Sou colorado. Já fui gremista por algum tempo. Acho que o mundo está muito mal organizado e que o sistema atual tende a deixar na mão quem envelhece (nem vou falar dos outros), mas as soluções de virada do jogo apontadas, salvo a social-democracia, com seus defeitos, não me convencem. Edgar Morin, com seus cem anos e sua biografia, pode dizer que, em certos temas, é de direita, em outros, de esquerda.

Eu não abro mão de pluralismo e acredito em independência e honestidade intelectual. Não me vejo negando um pênalti evidente contra o meu time. Jamais omitiria algo importante para não prejudicar a “nossa” causa. Sou infiel, indisciplinado, incorrigível. Não pertenço a qualquer tribo. Não inspiro confiança. Quando me esperavam do lado russo, estou com a Ucrânia. A minha solidão é cruel. A direita me vê como petista, comunista, safado. A esquerda me acha liberal demais. Quero um mundo multipolar, mas a contribuição da Rússia e da China para isso não me parece uma boa notícia. Dou a cara a tapas e bofetadas quando digo o seguinte: estamos divididos entre as imperfeitas democracias liberais e as inexistentes democracias não liberais. Temos também um monstrengo chamado democracia iliberal.

Maduro e Ortega, Venezuela, Cuba e Nicarágua não me encantam. São ditaduras totais ou parciais. Pronto, vou apanhar. Ah, sou totalmente contrário ao embargo americano contra Cuba. Afinal, de que lado estou? Do lado da minha cabeça. Sou nem nem. Bossa Nova ou Jovem Guarda? As duas. Nacionalista? Só para enfrentar vira-lata. Centrista? Caindo para os lados. O neoliberalismo me repugna. O marxismo, exceto como análise de certos mecanismos do funcionamento do capitalismo, me entedia. Sou contra a propriedade privada? Não. Sou, porém, a favor de distribuição de renda, de cobrar impostos das grandes fortunas, de tributação progressiva, de Estado nem máximo nem mínimo. Sueco.

Enfim, sou crepuscular. Não fosse pelo frio, tentava me mudar para a Suécia. Não me sinto novo nem muito velho, nem desencantado nem otimista, nem pronto para a guerra nem seguro no meu canto. Sou nem nem. Um idiota? Nem.

Bem, talvez.

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