Juremir Machado da Silva

Dez perguntas e uma carta sobre a Redenção

Change Size Text
Dez perguntas e uma carta sobre a Redenção Foto: Fabricio Gonçalves/DEFESA CIVIL PMPA
  1. O que vai acontecer com o Parque da Redenção?
  2. A Redenção será privatizada, por longo tempo determinado, com o nome de concessão, PPP ou outro eufemismo do gênero?
  3. Um parque precisa dar lucro ou se pagar?
  4. Qual o impacto ambiental do estacionamento subterrâneo previsto?
  5. Por que se vê cada vez mais carros estacionados ou circulando no parque onde antes só andavam pessoas e animais de estimação?
  6. Por que, com tanto comércio e serviços no vasto entorno do parque, é preciso instalar bares no seu leito?
  7. A Redenção, ao contrário de certos parques de Nova York, Londres ou Paris, tem uma área pequena. Não basta que sirva como espaço de descanso, caminhada, encontro, passeio e relaxamento?
  8. Por que a prefeitura, com nossos impostos, não quer assumir plenamente a sua obrigação de cuidar de parques e praças?
  9. Trata-se de melhorar o parque e a cidade ou só de dar vazão a uma ideologia privatista que desejar abocanhar tudo que vê?
  10. O parque será cercado?

Carta-denúncia Aberta à População de Porto Alegre Sobre a Concessão do Parque da Redenção à Iniciativa Privada

O processo histórico recente por que passam as administrações municipais, no sentido de se livrarem da responsabilidade de administrar os espaços públicos, sob o pretexto da sua falta de capacidade de manter um efetivo humano para tal e de aliviar o peso no orçamento municipal com todos os gastos inerentes à manutenção, preservação, reparação, restauração, etc., das edificações e equipamentos públicos em áreas de parques, praças e demais logradouros verdes públicos destinados ao deslocamento, a convivência, ao lazer e à prática esportiva da população, com a também pretextada, mas duvidosa, diminuição da carga tributária imposta aos contribuintes, levou à criação de um instituto jurídico público-privado intitulado PPP – Parceria Público-Privada, em regra na modalidade patrocinada, e mostra, na atual administração da prefeitura de Porto Alegre, a sua face mais perversa.

Ocorre que a PPP patrocinada encerra em sua gênese, e como razão mesma de existir, a contrapartida financeira às empresas privadas que dela participam, na forma de concessões de uso do bem ou espaço público cedido, por prazo determinado, mediante cobrança aos contribuintes pelos serviços postos à disposição, além dos não tão eventuais aportes de dinheiro público resultantes do acordo de parceria (numa mescla com PPP administrativa), em termos de fornecimento de equipamentos e infraestrutura necessários ao empreendimento e isenções.

Infelizmente, a usual falta de transparência e publicidade na esteira destes processos de PPPs, propiciou a que a administração municipal, sob a gestão do prefeito Sebastião Melo, resolvesse desconsiderar a condição jurídica única de que é revestido o Parque da Redenção, nome afetuoso pelo qual é popularmente denominado o Parque Farroupilha, que é a de patrimônio natural e cultural tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico-Cultural, Natural e Paisagístico do Município de Porto Alegre, por sua importância cultural para a cidade.

COMPAHC – Conselho do Patrimônio Histórico e Cultural
Nome Atribuído: Parque Farroupilha
Localização: Quarteirão: Av. José Bonifácio, Av. João Pessoa, R. Eng. Luís Englert, Av. Paulo Gama e Av. Oswaldo Aranha – Porto Alegre – RS
Resolução de Tombamento: Lei n° 1.036678.96.1
Inscrição no Livro do Tombo: n° 47, p. 52 e 94, de 03/01/1997.

Por seu status de patrimônio tombado, deve ter as suas características originais respeitadas, conforme o que dispõe a Lei Complementar no 275/92, que dispõe sobre a proteção do Patrimônio Histórico e Natural do Município de Porto Alegre, disciplina a integração de bens móveis e imóveis e cria incentivos ao tombamento e dá outras providências.

A proteção, conservação e salvaguarda de jardins históricos, como o Parque da Redenção, é tema de encontros internacionais e nacionais. Em 1981, em Florença, foi elaborada a Carta de Florença, documento norteador de ações que devem ser tomadas para a sua preservação. O Art. 14 dispõe que: “O jardim histórico deve ser conservado em um meio ambiente apropriado. Qualquer modificação do meio físico, que coloque em perigo o equilíbrio ecológico, deve ser proibida. Essas medidas referem-se ao conjunto de infraestruturas, sejam elas internas ou externas: sistemas de irrigação, caminhos, estacionamentos, cercas e dispositivos de vigilância, de exploração etc.”.

No Brasil, desde 2010, a Carta dos Jardins Históricos Brasileiros orienta e aponta situações às quais devemos nos atentar para que não se subtraiam ainda mais áreas verdes públicas. Dispõe a carta: “A proteção e conservação dos jardins históricos é um dos desafios atuais para a preservação do patrimônio cultural, devendo fazer parte dos planos de desenvolvimento locais e regionais, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida das populações urbanas. Um jardim histórico não é […] um palanque no qual políticos exerçam atividades eleitoreiras à custa de sua identidade, integridade e autenticidade, deve ser considerado e administrado como um bem cultural”.

Como exemplo claro desta desconsideração pelo tombamento do parque, temos a implantação, sem a devida transparência e publicidade do processo, do complexo gastronômico chamado Refúgio do Lago, no local onde originalmente existia o septuagenário Orquidário Gastão de Almeida Santos, removido de forma insensível e arbitrária em março de 2018, pela gestão do ex-prefeito Nelson Marchezan Júnior.

Anteriormente, em 2007, tivemos a privatização do uso do Auditório Araújo Vianna, cujos contratos, em sua primeira temporada (2007-2017) e em sua segunda temporada (2019-2029), encerrarão longos 22 anos de separação do histórico e inesquecível convívio público e gratuito com os frequentadores do parque.

O prefeito Sebastião Melo, por meio da Secretaria Municipal de Parcerias (SMP), encaminha agora um projeto de concessão da gestão do Parque da Redenção à iniciativa privada, que permitiria a exploração comercial dos seus espaços, sob a descabida alegação de que o parque seria deficitário.

O potencial “atrativo” para os concessionários seriam as receitas advindas de um estacionamento pago, subterrâneo ao Estádio Ramiro Souto, ao lado do Auditório Araújo Vianna, em área de solo com acúmulo de água originada de lençol freático, com impactos ao meio ambiente que não são de amplo conhecimento público, ao tráfego no seu entorno, ao restante do parque e às redes de esgotamento pluvial dos bairros circunvizinhos ao mesmo — o que, portanto, causaria modificações ao patrimônio tombado e ao equilíbrio urbano e ambiental na região.

Assim, a passos largos, assistimos ao prefeito Sebastião Melo avançar sobre o patrimônio público porto-alegrense, privatizando espaços públicos, marca registrada de sua administração público-privada, de frente para o empresariado do comércio e da especulação imobiliária e de costas para o meio-ambiente natural e o bem-estar dos cidadãos e cidadãs desta cidade.

Por tudo isso é que conclamamos o povo porto-alegrense a se posicionar contra o avanço da privatização do espaço público do Parque da Redenção, que não deve se transformar em uma ilha de negócios público-privados, cercada de concreto e asfalto, mas, sim, continuar servindo à sua vocação e destinação original de espaço público natural e inteiramente gratuito de convivência, esporte, lazer e saúde para a população porto-alegrense, o que o simples tombamento já deveria garantir, não fosse a desconsideração autoritária do prefeito.

Porto Alegre, outubro de 2022

Coletivo Preserva Redenção

RELACIONADAS

Esqueceu sua senha?

ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.
ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.