Juremir Machado da Silva

Por que sofremos?

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Por que sofremos? Foto: Nik Shuliahin/ Unsplash

Em outra vida eu poderia ser grego. Um grego peripatético. Estou ouvindo alguém fazer o inevitável trocadilho de que sou um brasileiro patético. Não me sinto assim. Tenho boa autoestima. Se fosse grego, andaria aristotelicamente pelas ruas repetindo uma pergunta: por que sofremos? Imagino que muitos responderiam sem hesitar: por causas diversas. É verdade. E quando sofremos sem causa aparente? Estou certo de que a resposta seria: a causa está escondida. Deve ser verdade também. Há dias em que o sol brilha, a temperatura está agradável, o time da gente ganha com gol improvável aos 50 minutos do segundo tempo e, no entanto, acordamos no meio da noite com o coração apertado.

Não estou fazendo uma confissão de sofrimento. É uma crônica. Dizer eu, dá força à reflexão, o relato fica mais autêntico, intenso. Afinal, todos, em algum momento, sofremos. Há sofrimentos que parecem estranhos. Talvez eu devesse reformular a pergunta: por que não nos contentamos com o que temos? Por que queremos mais? Por que não nos basta a beleza da lua, o canto dos pássaros, a vida simples e com amor? Por que o tempo parece não passar mesmo quando temos muita coisa para fazer? Há tanta coisa acontecendo para ocupar os nossos pensamentos. Por exemplo, a decisão da cantora Anitta de apoiar a candidatura de Lula à presidência da República. Ela é a grande eleitora do momento. Tem consciência de que tudo o que diz repercute e afeta pessoas. O PT vibrou com o apoio da artista. Pode dar votos.

Por que sofremos se há motivos de sobra para viver e gostar da vida? Se fosse grego, eu seria um grego antigo. Viveria para tentar compreender as insatisfações humanas. Sei que outros gregos se ocuparam desse assunto e deram boas respostas à questão que me obceca. Acho que a resposta mais convincente e frequente foi esta: sofremos porque desejamos. O desejo é o nosso mal. Sem desejo nada se faz. Quando o desejo se torna obsessivo, produz depressão e outras doenças. Refaço a pergunta: por que desejamos o que não podemos alcançar? O que é pior: desejar o que não tivemos e, pelo jeito, não teremos? Ou desejar o que já tivemos e perdemos? Como pensavam esses gregos!

Um leitor noveleiro deve estar pensando no desejo de Zé Lucas por Juma, mulher do seu irmão, em “Pantanal”. Eu não me envergonho de ver novela e acho que “Pantanal” está sensacional. Juma é telúrica. Quer permanecer sendo o que é no maravilhoso lugar que ama. Eu queria ser assim. Mas não foi essa a fonte desta modesta página filosófica com lampejos helênicos. Qual foi a fonte então? Uma pontada que senti no coração. Ela veio do nada e para o nada voltou. Ficou, porém, martelando por alguns minutos com a intensidade de certos tons de uma sonata de Beethoven. Um cronista tem a obrigação de se colocar no lugar dos outros, dos gregos antigos aos brasileiros modernos, dos patéticos aos peripatéticos, dos sonhadores aos sofredores. Eu sofreria muito se não existissem a crônica, os gregos e o solzinho.

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