Juremir Machado da Silva

Ruas de Porto Alegre

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Ruas de Porto Alegre Foto: Gustavo Roth/EPTC/PMPA

Porto Alegre faz 250 anos e suas ruas contam histórias em nomes, sobrenomes e apelidos.

A mais nefasta influência do positivismo não se esconde de ninguém: está nas placas de ruas das cidades.

Nomes maravilhosos, da fabulação popular, foram substituídos por esses pomposos títulos militares.

A Rua dos Nabos a Doze, homenagem a um sorumbático e encapotado vendedor de dozes nabos por vintém, por exemplo, virou General Bento Martins. Quanto séculos se precisa para que a imaginação popular conceba algo tão extraordinário?

Séculos plasmados num segundo de verve, de deboche, de realismo, de genialidade. Tudo isso sacrificado em nome de uma patente: general, marechal, brigadeiro, até tenente, sargento, etc. Daí para baixo já é mais difícil. O Cabo Rocha perdeu sua rua, sob a justificativa de que tinha má fama, como zona do meretrício, para o inimaginável diretor da Faculdade de Medicina, o professor Freitas e Castro.

Rua do Arvoredo, Rua do Arroio (que não tinha arroio, assim como a da Praia não tem praia), Beco dos Cordoeiros, Rua dos Nabos a Doze, ruas que fizeram Mário Quintana devanear… As elites apropriaram-se dos espaços mais abertos e populares que podem existir: os logradouros públicos. Porto Alegre não poupou esforços para homenagear muitos dos grandes combatentes das causas do Rio Grande do Sul e dos inimigos das lutas populares. A história, como todos sabem, é sempre escrita pelos maus vencedores.

Coruja, citado por Sérgio da Costa Franco, já lamentava o avanço dos batalhões de generais, comandantes sem soldados, que pilharam quase todos os louros das vitórias por obra de subordinados a posteriori. A Rua do Arroio, ensinou Coruja, tinha três partes: rua da Praia (até a ponte), também chamada, em referência às moradas das primeiras casinhas do lugar, de rua dos Sete Pecados Mortais; rua da Ponte (até a Igreja); rua do Jogo da Bola, em homenagem a um certo Antonio do jogo da bola, em cujo pátio operários batiam uma bolinha. Que beleza! Essas designações foram banidas por coloquiais demais ou por homenagearem desconhecidos, seres anônimos, sem assinatura. Deram lugar a generais anônimos e ainda mais desconhecidos. Quem conhece o brigadeiro honorário Bento Martins de Menezes?

Paris nunca perdeu ocasião de emplacar seus heróis nas suas ruas e avenidas, mas soube conservar o pitoresco e a imaginação popular em nomes que ainda fazem sonhar: rue du Pas-de-la-Mule; rue du Pot-de-Fer; rue des Acacias; rue des Amandiers; rue de l’Arbre-Sec; rue des Arbustes; rue de l’Arc en Ciel; rue de l’Ave-Maria; rue des Quatre-Vents; rue de la Serpente, des Pendus, rue de l’Avenir (rua do Futuro), etc.

Porto Alegre já teve a sua Rua do Porvir, transformada em Intendente Alfredo Azevedo.

Estava no fim do bonde da Glória. Veja-se o significado: tomava-se o bonde da Glória para desembarcar no Porvir, na esquina da Avenida Cascata. Acabou a cascatinha. Hoje, o cidadão salta do ônibus e pisoteia um nome insondável e para sempre esquecido: Intendente Azevedo.

A glória entrou em decadência. A modernidade usa farda ou terno e gravata no calorão.

Quando alguém dá de cara com um nome do tipo “Antônio do Jogo da Bola” é inevitável a curiosidade: quem terá sido? Em que época terá vivido? Como terá morrido? Diante da placa fria e clara, General Bento Martins, o interesse nem chega a existir.

Um general, nada mais que um general… 

Os “de dentro”, em geral vindos de fora, que se tornaram nomes de rua, portanto incrustados na carne de Porto Alegre, estão cada vez mais alijados do imaginário dos moradores da cidade. Porto Alegre precisaria de uma rua que se chamasse Portalegre, ou um beco intitulado “Oficial inglês assassinado”. Bastaria, quem sabe, uma Avenida de Los Hermanos. Ou um bulevar de Saudade Alentejana. Coisas assim.

Para ler nos 250 anos de Porto Alegre

CORUJA, Antônio Álvares Pereira. Antigualhas. Porto Alegre, Coleção ERUS, 1983.

FORTINI, Archymedes. Porto Alegre através dos tempos. Porto Alegre, SEC, 1962.

FRANCO, Sérgio da Costa. Porto Alegre: guia histórico. Porto Alegre, Editora da Universidade, 1988.

LAZZAROTTO, Danilo. História do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, Sulina, 1978.

PORTO ALEGRE, Augusto. A Fundação de Porto Alegre. Porto Alegre, Tipografia da Livraria do Globo, 1906.

SANHUDO, Ary da Veiga. Porto Alegre, crônicas da minha cidade. Caxias do Sul, Universidade de Caxias do Sul, 1979.

SPALDING, Walter. Pequena história de Porto Alegre. Porto Alegre, Sulina, 1967.

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