Juremir Machado da Silva

Sobre ir embora do país

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Sobre ir embora do país Imagem: Aeroporto de Lisboa / Divulgação

Lucas não entendia a obsessão de brasileiros pela Europa. Via gente conhecida, de classe média, vender tudo para ir viver na periferia de Lisboa. Achava absurdo que pessoas idosas deixassem suas raízes para morar até em lugares de longos meses frios e cinza e sem amigos por perto. Para ele, essa mania de Europa era um modismo e nada mais. Conhecia o exterior e sabia que vida de estrangeiro em qualquer lugar é dura. Para quem aceitasse ouvir suas críticas ao êxodo pós-moderno, como o chamava, profetizava com ar de grande entendido nas coisas da vida: “Na primeira doença eles voltam correndo pra casa”.

Até que aconteceu o pior. Jair Bolsonaro foi eleito presidente da República. Lucas custou a entender o que estava acontecendo. Não conseguia crer que os brasileiros tivessem cometido tamanha loucura: eleger um destrambelhado misógino, racista, machista e homofóbico para comandar o país. Ele não era fã do petismo, que via como religião, mas logo veria a diferença entre os governos petistas e o bolsonarismo. Instalado no poder, Bolsonaro começou a destruir a nação. Na pandemia, tornou-se o capitão do negacionismo, o presidente cloroquina, o defensor diário de um golpe de Estado. Pela primeira vez, Lucas pensou em ir embora. Não sabia o que faria fora do Brasil. Mesmo assim, considerou que o ar começava a ficar irrespirável. Tinha de decidir.

Ficou. Queria acreditar que tudo se ajeitaria. Foi perdendo os pedaços durante o governo de Bolsonaro. Saiu das redes sociais para fugir do ódio que via pingar de cada postagem. Recolheu-se à privacidade do lar para não discutir com vizinhos de verde e amarelo. Deixou de visitar parentes para não enfrentar algum tio de extrema direita em almoço de domingo. Virou um eremita. Por vezes, cada vez mais frequentes, pensava em desligar a televisão para interromper o fluxo de notícias sobre o bolsonaristão, que o acabrunhavam. Resistiu.

A chegada de 2022 animou Lucas. Ele conta os dias para e eleição. Vive de altos e baixos, ciclotímico, bipolar, ele não sabe como se classificar. Certo é que tem dias de otimismo e dá como certa a derrota de Bolsonaro no pleito. Outros dias, porém, vê ameaças por todos os lados e Bolsonaro reeleito. É quando se desespera. Um amigo tentou acalmá-lo dizendo que ele está exagerando, que dá para viver relativamente bem apesar do presidente da República, que a vida segue com este ou aquele partido no poder. Ele nem ouve. Chora muito.

Há ideias que amadurecem muito lentamente, ainda mais em cabeças teimosas como a desse homem que ama até os defeitos da sua terra. Lucas começou a sentir que algo estava quebrado dentro dele. Era uma coisa que mexia com os seus brios. Então, certa madrugada de insônia teve uma revelação, algo que o colocava em contradição com tudo o que sempre havia pensado. Custou a admitir que se tratava de uma resolução. Foi aí que, no café da manhã, anunciou para a mulher:

– Se Bolsonaro for reeleito faremos tudo o que for possível para ir embora do Brasil. A vida por aqui vai ficar impossível.

A mulher preferiu recorrer à sabedoria popular:

– Não há mal que dure sempre.

Lucas estava cético:

– Vai saber…

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