Juremir Machado da Silva

Teses sobre a ironia da história

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Teses sobre a ironia da história Imagem: Reprodução

Algo aconteceu. Ainda não sabemos quais as dimensões e consequências desse acontecimento. Para tentar entendê-lo talvez seja necessário recuar no tempo e usar reflexões como aquelas feitas por Walter Benjamin em suas “Teses sobre a filosofia da história”. Na tese 3, o pensador talvez menos ortodoxo do marxismo pondera: “O cronista que narra os acontecimentos, sem distinção entre os grandes e os pequenos, considera, ao fazê-lo, a seguinte verdade: de tudo que acontece nada pode ser dado como perdido para a História. Certo, é somente à humanidade emancipada que pertence o seu passado. Ou seja, somente para ela, em cada um dos seus momentos, seu passado torna-se passível de citação. Cada um dos instantes vividos por ela torna-se uma citação na ordem do dia, esse dia é justamente o último”.

Teses sobre a história sem filosofia na cultura TikTok:

  1. Quando tudo é cultura, não há mais cultura. Um tempo se encerrou, aquele em que se podia falar da cultura como um divisor de águas, algo a ser conquistado, um elemento civilizatório, entendendo-se por civilização o que nos separava da barbárie, não de culturas originárias ou diferentes.
  2. Quando o sentido antropológico de cultura devora todos os outros, não pode haver mais filosofia da história, apenas história da filosofia, com início, meio e fim. Cultura não designa mais um patamar de realização, mas todas as práticas humanas, de forma que qualquer hierarquização aparece como um elitismo, tentativa anacrônica de classificação de gostos, último grito de um modo de estar no mundo que se tornou irreal.
  3. Ainda se falará de cultura por algum tempo, no sentido artístico ou civilizatório do termo, mas secretamente, em subterrâneos, catacumbas, matas fechadas, esconderijos, lugares de difícil acesso, como atividade proibida, vestígio de uma época em que se via a educação como elevador social e cultural, capaz de levar do menos ao mais exigente em se tratando de realização humana com potencial de produção do sublime ou, ao contrário, de exposição da complexidade do absurdo e grotesco da existência.
  4. A simples menção à palavra cultura como algo a ser alcançado já é uma confissão de pretensão à hierarquia, uma ofensa aos gostos diferentes, às possibilidades diversas de cada um, igualadas pelo consumo, que não pode mais ser alvo de crítica. Toda distinção passa a ser uma marca de nostalgia e conservadorismo.
  5. Nada, como disse Walter Benjamin, pode ser descartado pela história, dado que aconteceu. O iluminismo concebeu um universalismo abstrato, que foi denunciado como europeísmo, etnocentrismo e colonialismo. Sobre os seus destroços só se pode colocar a universalidade do mesmo, sendo toda diferença ainda existente um traço fadado ao desaparecimento ou à coleção.
  6. Em algum momento a cultura enfatizou a superioridade de um saber fazer sobre outros tantos. Essa hierarquia é que não pode mais ser sustentada nem fundamentada. Todo aquele que insistir em dizer que isto é melhor do que aquilo será condenado por tentativa de imposição cultural.
  7. Se o primado da “alma” oprimiu as vontades dos “corpos”, a revanche da “matéria” sobre o “espírito” punirá todos os que se colocaram acima dos demais com base numa suposta “inteligência”.
  8. No mundo em que tudo é cultura e todos os gostos se equivalem, as escolhas serão feitas por convencimento e consequência. Dado que ninguém é detentor de verdades sociais e artísticas, deixar-se convencer por tal gosto ou narrativa, sem que realmente se saiba a razão, certamente por não existirem razões identificáveis, terá como consequência viver desta ou daquela maneira. E isso fará toda a diferença. O resto será abuso de gosto, imposição de hierarquia, manipulação de mentes frágeis.
  9. A filosofia, quando tudo é cultura, não passa de um jogo de narrativas e de erudição. Vence quem tiver mais lembranças de passagens de obras ou mais rapidez de acesso a conteúdos. Cada jogador está ali por convencimento e isso tem consequência sobre o tipo de vida que cada um leva. A cultura filosófica, como toda cultura intelectual ou artística, torna-se refúgio e morada.
  10. Toda crítica à morte da cultura como acesso ao supremo será criticada. Na verdade, é a morte da crítica. Aquele que critica confessa sua pretensão a um saber hierquizador sobre o bem, o belo, o verdadeiro, o melhor, o mais profundo, o genial.
  11. A hierarquia cultural, porém, restará como eco daquilo que disse Walter Benjamin e, mais ainda, do que assegurou Guy Debord: “O espetáculo não diz nada além de, o que é bom aparece, o que aparece é bom”. Bom é o que as pessoas gostam, o que as pessoas gostam é bom. Bom é o que vende, o que vende é bom. O novo conceito de bom passa a ser o que alguém compra, no sentido de adquirir, adotar, defender, acumular, etc.
  12. Na cultura tantas vezes denunciada do rápido, engraçado e fácil, o crítico era, em certo momento, progressista, como Benjamin e Debord, depois, cada vez mais, conservador, como Mario Vargas Llosa, Allan Bloom ou Roger Scruton, tendo Alain Finkielkraut como um elemento cinza, oscilante, incerto.
  13. Restará quem sabe o esporte como espaço da hierarquia de qualidade, mesmo assim com a prevalência do quantitativo, aquele que marca mais gols no futebol, faz mais cestas no basquete…
  14. Toda hierarquia do tipo Beethoven é melhor do que X ou Y, dentro da sua categoria ou no grande guarda-chuva da música, só poderá ser enunciada aos sussurros, em reuniões secretas. A exposição pública, de qualquer modo, terminará com um “e daí?”.
  15. A história pretendia dizer alguma verdade; essa era a sua ambição e o seu orgulho, seu rigor; a literatura fazia ficção. No pós-cultura, a história é uma ficção; a literatura, uma verdade que só a arte pode alcançar sobre narrativas históricas.
  16. Trapacear era um termo possível de ser usado no tempo em que hierarquizar era possível. Quem quisesse triunfar pelo espírito, não podia usar o corpo e vice-versa. Nada mais é limitado.
  17. Só podem restar teses sobre a ironia da história, essa recuperação do passado com as tintas do presente, eterna reconstrução do inatingível, filosofia das grandes ilusões.
  18. Tudo que era transcendência se torna ocupação. Eis a história. Nada se perde. Tudo se aproveita como derradeira citação.

PT e PSOL se unem, PV sobra

Foto: Divulgação

A desejada, por muitos, aliança entre PT e PSOL no Rio Grande do Sul saltou para a realidade. A chapa costurada com muitas idas e vindas deverá ou poderá ter para governador Edegar Pretto (PT); vice-governador, Pedro Ruas (PSOL); Senado: Olívio Dutra (PT), tendo como suplentes Roberto Robaina (PSOL) e Daiana Santos (PCdoB). O sim do PSOL teve um custo: dois lugares à mesa. Sobrou para o Partido Verde, que sonhava emplacar Marcelo Sgarbossa na primeira suplência de Olívio. Sgarbossa saiu do PT depois de um embate com Miguel Rossetto para a definição do candidato a vice da esquerda na última eleição municipal. Há pouco tempo, em 19 de julho, Sgarbossa visitou Olívio Dutra (ver foto) em busca de apoio para um lugar num mandato coletivo da Federação PT-PV ao senado. O ex-vereador defende também a criação de um Conselho Político para assessorar governador e vice-governador nos grandes temas de gestão. Em mesa pequena, claro, falta lugar para todos. Quem sobra talvez pergunte: não seria melhor para atingir o fim proposto ampliar o cardápio? Quem entra talvez diga: a cada um conforme a sua contribuição para a meta. A vida é dura.

***

Ontem, publiquei uma crônica com o título Vitor Ramil em Palomas. Na emoção provocada por uma foto feita pelo cantor e compositor do Cerro de Palomas, arrisquei uns versos. Júnior Gulart, de pronto, transformou o poema em letra e musicou a composição, que ele mesmo interpreta. De quebra, fez um vídeo. Claro que me tocou o coração.

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