Trem a nove euros
Gabi fez contato. Ele é de Nova Iguaçu. Mora em Berlim. Tem horror a neoliberais. Sempre que algo de muito arrebatador acontece na Alemanha ele dá o ar da graça no WhatsApp. Saltou essa de cara:
– Alemanha cria passe de nove euros para viagens ilimitadas de trem entre cidades, e até países, e de metrô. Chupa essa, nove euros!
Não sei a razão de ele falar assim comigo. No fundo, acha que eu sou neoliberal. Ou que não combato o neoliberalismo com mais garra.
– Quanto dá nove euros em reais? – perguntei para ganhar tempo.
– Você é que tem que me dizer – devolveu.
– Tá. Uns 54 reais.
Ele fez uma fila de kkkkkkk. Parecia enlouquecido.
– O futuro do transporte, meu chapa, é público e gratuito.
– Assim seja – aprovei.
Ele não se deu por satisfeito. Soltou a sua costumeira bateria de insultos contra os neoliberais brasileiros, que considera tolos:
– O transporte vai ser público no mundo e privado no Brasil. Também com essas taipas que comandam a política e a economia do país.
Tentei ponderar que o Brasil não é Alemanha, com o que ele concordou com mais uma fileira de kkkkkkkkk. Nessas alturas eu já tinha pedido socorro ao Google e podia responder com alguns dados.
– Mas isso aí é só nos meses de junho, julho e agosto.
– E daí?
– Promoção de férias subsidiada pelos cofres públicos.
– Todo cara que fala cofres públicos é bundão neoliberal.
Segurei a onda. Falei das nossas dificuldades, da inflação alta, do ano eleitoral, da pandemia, do desemprego, do trabalho em condições análogas à escravidão, do carnaval fora de época, das dificuldades do Grêmio na série B, da incapacidade de decolagem da terceira via, do sucesso de Pantanal, do especulado namoro entre Juma e Jove, quero dizer, Alanis e Jesuíta, da Copa do Mundo em novembro e do PIB.
– Vai enrolando, vai.
Ecologista, Gabi acredita numa economia limpa e sustentável. Ganhou uma bolsa para a Alemanha e não voltou. Casou com um alemão. Gay assumido desde adolescente, sente-se mais seguro na Europa. A sua linha de raciocínio sobre a mentalidade da elite brasileira é límpida.
– A elite brasileira nunca teria uma ideia como essa.
– Qual?
– Trem a nove euros.
– Por que não?
– Precisa dizer?
Nem respondo. Gabi é como aquele torcedor que some nas boas e aparece nas ruins cheio de pompa e marra. Quando pode, toca flauta sem piedade. O mais incrível é que quase sempre pode. Fala coisas assim:
– Aqui o Estado existe para o bem público.
– E no Brasil? – faço a pergunta que me cabe.
– Para o PIB.
– Aí também tem PIB, bilionário, parasita e sonegador – arrisco.
– Mas tem trem a nove euros ilimitado durante três meses.
Vou ali recarregar o TRI e já volto.
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José Falero, isto é, l’écrivain brésilien José Falerô.
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A Biblioteca Pública do Estado do Rio Grande do Sul, com a participação da sua Associação de Amigos, comandada pelos médicos e escritores Gilberto Schwartsmann e Alcides Stumpf, está ficando um joia recuperada pela restauração. A pintura da fachada e a reforma interna não mentem.
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Grupo Tholl no Teatro São Pedro Lotado.
Espetáculo “Alegra, a magia do circo”, que percorrerá 15 municípios gaúchos.
Ação do Instituto Unimed/RS, com participação do governo do RS.
Fotos e informações do amigo Salus Loch.
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