Juremir Machado da Silva

Viagens e teorias

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Viagens e teorias Ah, o Rio... | Foto: Alexandre Macieira / Riotur
Houve uma época em que eu fazia as minhas investigações antropológicas e turísticas sobre as identidades culturais em lugares muitos especiais. Ia de uma uma visita `à aldeia a um coquetel na Zona Sul do Rio de Janeiro. Numa mesa do bar “Conversa Fiada”, no Leblon, um grupo interdisciplinar de especialistas, formado por bebedores de chope do Rio de Janeiro e do Rio Grande do Sul, debatia as seguintes questões: o que é um carioca? O que é um gaúcho? Ou, na formulação de um dos nossos estudiosos do tema: existe o gaúcho? Existe o carioca? Em princípio, não. Tanto que o Rio de Janeiro tinha a Secretaria das Culturas. No plural. Falando nisso, o plural está ameaçado? Que tem isso a ver? O plural desmonta a noção moderna de identidade fixa. Existem cariocas, uns diferentes dos outros, e gaúchos, uns parecidos com os outros. Curiosamente, enquanto no Rio Grande do Sul, considerado muito bairrista, se diz “os gaúchos pensam isso” ou “os gaúchos são assim”, no Rio de Janeiro, pretensamente mais cosmopolita e pluralista, diz-se “o carioca é, “o carioca pensa”, “o carioca não gosta disto ou daquilo”. Esse singular, contraditório e sonoro, soa com uma ato falho. Apesar de se apresentar como múltiplo, “o carioca” gosta de se ver como único, como portador de uma série de atributos homogêneos e definidores de uma identidade clara, límpida e orgulhosamente defendida. Que saudades do Rio de Janeiro! Ai, ai. Cada cultura faz uma representação de si mesma sempre de maneira e ficar bem na fita. Nós, os gaúchos, gostamos de nos ver como cultos, politizados, pontuais, mais honestos em política que o resto do Brasil e objetivos. Além disso, adoramos pensar que temos as mulheres mais bonitas do país. “O carioca” gosta de se ver como descontraído, inteligente, livre, bem-humorado e sem frescuras. Além de garantir que no Rio de Janeiros tudo se mistura, asfalto e morro, pobres e ricos, cães e donos, chiques e bregas, etc. Afinal, tudo acabaria em chope, pizza, praia, funk, pagode, samba e futebol. Saudades dessas teses. As diferenças, porém, sempre acabam aparecendo como penetras na festa. A mais clássica é entre subúrbio e Zona Sul. Um dos maiores insultos ainda dito contra alguém é “suburbano”. Os franceses do interior costumam dizer, com ar de desdém, aos visitantes deslumbrados com a chamada cidade-luz, que “Paris não é a França”. Leia-se a verdadeira França, a França autêntica, a França profunda e genuína. Esse fenômeno se reproduz no Rio, onde alguns cariocas afirmam sem hesitar: “O Rio não é Copacabana, Ipanema e Leblon.” Leia-se o verdadeiro Rio, o Rio autêntico, o Rio berço do samba e da cultura popular, do mundo real, das pessoas alguma coisa. Claro que sempre se pode fazer um programa no Morro da Mangueira ou na Tijuca. Um dos nossos debatedores cariocas lançou uma tese bastante polêmica: “A Zona Sul sonha em ser Zona Norte”. O contra-argumento de que a Zona Norte sonha em ser Zona Sul foi refutado como preconceituoso. A verdade […]

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