Juremir Machado da Silva

Zizek, Morin, McEwan, Harari, Boaventura

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Zizek, Morin, McEwan, Harari, Boaventura Protesto em Lyon, França (Foto: ev / Unsplash)

Larguei na frente e detonei a invasão da Ucrânia pela Rússia. Se não tem bandido nem mocinhos, como dizem alguns passadores de pano, tem agressor e agredido. Esse tipo de situação ajuda a revelar o que as pessoas, de fato pensam. Muitos que me chamavam de gênio passaram a me rotular de ignorante. Sem bala na agulha, reduzido à minha nulidade, tenho respondido com pontos de vista de gente grande. Nem assim alguns baixam as armas. A minha lógica é simples: certo, posso ser um imbecil, mas como se explica que pensadores tão importantes posicionem-se, no geral, como eu?

Cada qual com seus gostos intelectuais. Mas chama atenção que cinco grandes nomes da cultura mundial, um filósofo esloveno, um centenário pensador francês, um escritor inglês, um historiador israelense e um professor português estejam de acordo num ponto: a responsabilidade de Vladimir Putin como agressor na tragédia que se abateu sobre a Ucrânia.

Zizek, castrar Putin

“Todos nós, de países que têm de testemunhar o triste caso da violação da Ucrânia, devemos estar cientes de que só uma verdadeira castração previne a violação. Portanto, devemos recomendar que a comunidade internacional realize uma operação castradora sobre a Rússia – ignorando-a e marginalizando-a o máximo possível, certificando-se de que, depois, nada mais crescerá de sua autoridade global”.

Edgar Morin, calcanhar de ferro

“Nós não iremos para a guerra”, essa frase importante de Biden está envolta em palavras intransigentes. É difícil reconhecer abertamente o abandono da Ucrânia. Mas seria imprudente travar uma guerra de consequências incalculáveis”.

“A patologia da ideia está no idealismo no qual a ideia se toma pelo real. A doença da teoria está no doutrinarismo que a petrifica. A patologia da razão é a racionalização que encerra o real em um sistema coerente de ideias, mas a partir de um erro”.

“O calcanhar de ferro continua a esmagar a Ucrânia e o impasse Leste–Oeste se endurece”.

Yuval Harari, a derrota de Putin

“Ele pode ganhar todas as batalhas, mas ainda assim perder a guerra. O sonho de Putin de reconstruir o império russo sempre se baseou na mentira de que a Ucrânia não é uma nação real, que os ucranianos não são um povo real e que os habitantes de Kiev, Kharkiv e Lviv anseiam pelo governo de Moscou. Isso é uma mentira completa – a Ucrânia é uma nação com mais de mil anos de história, e Kiev já era uma grande metrópole quando Moscou ainda não era uma vila. Mas o déspota russo contou sua mentira tantas vezes que aparentemente ele mesmo acredita nela”.

        […]

“Cada tanque russo destruído e cada soldado russo morto aumenta a coragem dos ucranianos para resistir. E cada ucraniano morto aprofunda o ódio dos ucranianos pelos invasores. O ódio é a mais feia das emoções. Mas para as nações oprimidas, o ódio é um tesouro escondido. Enterrado no fundo do coração, pode sustentar a resistência por gerações. Para restabelecer o império russo, Putin precisava de uma vitória relativamente sem derramamento de sangue, que levasse a uma ocupação relativamente sem ódio. Ao derramar cada vez mais sangue ucraniano, Putin garante que seu sonho nunca será realizado.

        […]

“O déspota russo deveria saber disso tão bem quanto qualquer um. Quando criança, ele cresceu com uma dieta de histórias sobre as atrocidades alemãs e a bravura russa no cerco de Leningrado. Ele agora está produzindo histórias semelhantes, mas se colocando no papel de Hitler”.

(THE GUARDIAN)

Ian McEwan: Somos assombrados por fantasma – e os sonhos doentios de Vladimir Putin

“A catástrofe se aproxima na Ucrânia e não podemos ser apenas espectadores. Se não tentarmos de tudo para acabar com as hostilidades, nunca nos perdoaremos. Aqui estamos, em nossos assentos ao lado do ringue em um circo sangrento, assistindo na TV e no Twitter, presos entre piedade infinita e interesse próprio racional”.

        […]

“O que restringe o Ocidente é o medo de uma guerra nuclear, e Vladimir Putin, elevado a um adversário perturbado e imprevisível, jogou bem conosco. Assim, estamos presos a um blefe que não ousamos denominar, observadores experientes com cliques de mouse e movimentos de tela, e em nossa angústia comum, incapazes de ir muito além de sanções e doações de armas, doações e imprecações”.

        […]

“Porém, há fantasmas mais jovens no ringue na forma de Grozny, Aleppo e Idlib. Lá o cálculo russo era destruir desde os hospitais, clínicas de triagem, blocos residenciais e escolas para desmoralizar a população. Na Ucrânia, à medida que os movimentos das tropas russas vacilam, as mesmas táticas cruéis começam a se repetir”.

        […]

Sempre houve uma dispensa especial para unidades de artilharia negadas à “pobre e sangrenta infantaria”. Enquanto lançam seus projéteis pela paisagem com grande consideração pela matemática das curvas parabólicas, os soldados de artilharia nunca precisam olhar nos olhos de uma criança moribunda. O mesmo vale para mísseis guiados e para bombas “apontadas” de aviões militares.

Assassinato à distância é um crime mais simples e abstrato.

        […]

        “Entre a “expansão da Otan para o leste” e o “direito de um Estado soberano de decidir seus arranjos” pode parecer não haver compromisso. Mas todas as mediações de hostilidades começam com tais irreconciliáveis. Uma cultura diplomática sofisticada, mas não sofista, que inclui a China, deve buscar como um primeiro passo mínimo, com toda a engenhosidade e compaixão que puder reunir, os termos de um cessar-fogo. Sem essa tentativa, seremos condenados a assistir de perto a morte em massa – e nunca nos perdoaremos”.

(The Guardian)

Zizek, radicalização russa

“É verdade que a linguagem usada por Putin diz tudo. Em 25 de fevereiro de 2022, Putin exortou os militares ucranianos a tomar o poder em seu país e derrubar o presidente Zelensky, dizendo que seria “mais fácil para nós fazer um acordo com vocês” do que com “aquele bando de viciados em drogas” e neonazistas” (o governo ucraniano) que “mantiveram todo o povo ucraniano refém”. Observe também como a Rússia imediatamente arma todas as sanções: quando os estados ocidentais consideraram excluir a Rússia da SWIFT (o intermediário para transações financeiras), a Rússia respondeu que isso equivalia a um ato de guerra – como se a Rússia já não tivesse iniciado uma guerra em grande escala!

Outro exemplo arrepiante é quando em 24 de fevereiro, dia da invasão da Ucrânia, Putin advertiu: “quem tentar, de fora, interferir devem saber que a resposta da Rússia será imediata e levará a consequências nunca antes vistas na história”. Vamos tentar levar a sério esta afirmação por um momento: “interferir de fora” pode significar muitas coisas, incluindo o envio habitual de equipamentos militares defensivos para a Ucrânia; “consequências nunca antes vistas na história”? Os países europeus enfrentaram duas guerras mundiais com milhões de mortes, então uma consequência “maior” só pode ser a destruição nuclear. É essa radicalização (não apenas a retórica) que deve nos preocupar: a maioria de nós esperava que a Rússia ocupasse as duas “repúblicas” controladas pelos separatistas russos ou, na pior das hipóteses, toda a região de Donbass, ninguém esperava realmente a invasão total da Ucrânia”.

(Nouvel Obs)

Zizek, não houve golpe na Ucrânia em 2014

“Os protestos que derrubaram Yanukovich e sua gangue foram desencadeados pela opção do governo por priorizar sua relação com a Rússia sobre a integração com a União Européia. Como era de se esperar, muitos esquerdistas reagiram à noticia dos protestos massivos com seu habitual tratamento paternalista e racista dos pobres ucranianos: o quão iludidos estão, ainda idealizando a Europa, incapazes de ver que ela está em declínio”.

Boaventura de Sousa Santos, seguidores primários

“Putin também tem seguidores igualmente primários. Alguns sectores da esquerda (por exemplo, no Brasil e em Portugal) recusaram-se a condenar a invasão da Ucrânia. Talvez por pensarem que Putin é um legítimo herdeiro da União Soviética? Não se terão dado conta de que Putin é um líder conservador próximo da extrema-direita europeia crítico de Lenine e com contactos privilegiados com Marine Le Pen e Donald Trump?”

[…]

“Porque não agir em vez de pensar? Porque não orientar as energias da indignação para manifestações massivas em todo o mundo contra a invasão criminosa da Ucrânia? O que nos separa de 2003, quando 15 milhões de cidadãos de todo o mundo vieram para a rua manifestar-se contra a invasão igualmente criminosa do Iraque, da qual haveria de resultar mais de um milhão de mortos?”

Cientistas e jornalistas russo: “Os nossos pais, avós e bisavós lutaram juntos contra o nazismo. O desencadear da guerra pelas ambições geopolíticas da liderança da Federação Russa, impulsionada por fantasias histórico-filosóficas duvidosas, é uma traição cínica à sua memória”.

Contraponto da extrema direita na França

Le Monde: Éric Zemmour “persiste em responsabilizar a OTAN” e “opõe-se às sanções e ao fornecimento de armas aos ucranianos, propõe a saída do comando integrado da OTAN e a assinatura de um tratado que exclua qualquer entrada da Ucrânia na Aliança”.

 
 
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