Eleições 2020

Mapas eleitorais revelam que bairros ricos comandam viradas no poder em Porto Alegre

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Mapas eleitorais revelam que bairros ricos comandam viradas no poder em Porto Alegre Tendência de mudança na Capital é antecipada no 1º turno em bairros centrais como Moinhos de Vento. Foto: Jefferson Bernardes/PMPA.

Resultados das últimas seis eleições mostram que mudança no comando da prefeitura começa pelo voto da região central. No ano em que a Capital realiza seu 10º pleito desde a redemocratização, Matinal mergulha em dados e detalha em gráficos o comportamento histórico do eleitor de Porto Alegre.

Aconteceu duas vezes em eleições à prefeitura de Porto Alegre: em 2016 e em 2004, a cidade rechaçou a gestão que vinha reelegendo, e mudou o projeto político à frente do Paço Municipal. 

Primeiro foi José Fogaça, então no PPS, que acabou com os 16 anos do PT no comando do Executivo da Capital. Depois, o atual prefeito Nelson Marchezan Júnior (PSDB) encerrou o ciclo de três mandatos consecutivos encabeçados pela dupla Fogaça/Fortunati – que embora não fossem colegas de sigla, representavam a continuidade da gestão iniciada após o rompimento da hegemonia da esquerda.

Em comum, além de encerrarem períodos longevos de continuidade administrativa, as duas viradas começaram nos bairros centrais e mais ricos da cidade. 

No ano em que celebramos a 10ª eleição da nova era democrática, e 35 anos desde que voltamos às urnas, Matinal mergulha nos dados do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul (TRE-RS) e apresenta em mapas e gráficos um panorama da preferência do eleitor e do perfil dos políticos que protagonizaram esse tempo.

O que dados e mapas das eleições em Porto Alegre mostram também é a tendência do eleitor em dar continuidade a projetos políticos ao longo de sucessivas gestões.

Seja em eleições com grande número de candidatos (12, em 1996; 10 em 1992 e 2000) ou nas que houve menor número de concorrentes (7, em 2012), o fato é que já no primeiro turno a cidade divide seu apoio para apenas duas chapas – isso quando não abraça uma das candidaturas de forma unânime, como aconteceu em três das seis eleições em que foi possível consultar o registro das urnas por seção eleitoral.

“Porto Alegre tem particularidades no eleitorado quando se olha a longo e médio prazo. É o que na ciência política se chama de um clássico, porque fatores como a renda e a infraestrutura instalada são bons balizadores para analisar o voto”, observa a cientista política Maria Izabel Noll, professora da Pós-Graduação em Políticas Públicas da Ufrgs e estudiosa dos pleitos locais.

Mas a corrida ao Paço Municipal em 2020 não tem nada de óbvio. A chegada do coronavírus, a crise econômica que decorreu das medidas sanitárias impostas à população e a incerteza sobre a influência de Jair Bolsonaro na escolha política local são fatores que podem alterar completamente essa trajetória mais ou menos tradicional do eleitorado porto-alegrense. “O grau de imprevisibilidade em 2020 vai muito além do que normalmente se tinha. É uma eleição em que vamos ter que observar muitas questões externas à política partidária”, alerta.

Outro ingrediente que torna o cenário ainda mais imprevisível é o recorde de candidatos. São 13 nomes na disputa, algo inédito e só explicado pelas novas normas eleitorais, que proíbem coligações para o Legislativo. Para dar visibilidade aos candidatos a vereador e assim garantir bancadas na Câmara, os partidos decidiram lançar cabeças de chapa na disputa pelo poder Executivo, limitando alianças também na majoritária.

Uma cidade dividida

Em 2016, na soma de votos total, Marchezan venceu o primeiro turno contra Sebastião Melo (MDB) por uma margem pequena (25,1% contra 21,8%) – em número de bairros, os candidatos também dividiram Porto Alegre: 44 bairros escolheram Marchezan e 43 escolheram Melo. Mas a divisão não foi uniforme: observando os mapas, é notável que Melo conquistou a maior área da cidade, formada pela periferia, enquanto o atual prefeito concentrou seus votos na área central da cidade e em alguns pontos à margem do Guaíba.

O caso de Fogaça em 2004 é ainda mais representativo: perdeu no primeiro turno para Raul Pont (PT), mas a preferência do eleitorado num pequeno enclave na área radiocêntrica da cidade se impôs, e ele acabou superando o adversário na reta final, alcançando 51% dos votos. 

Comparando os dados de votação a cada eleição com o mapa de renda por bairros em Porto Alegre do IBGE, percebe-se que o que une os bairros onde começaram essas viradas é o poder aquisitivo elevado. Tanto é assim que na Pedra Redonda, onde está localizada uma das maiores rendas da Capital, Marchezan obteve um apoio quase tão elevado quanto nos bairros Bela Vista e Três Figueiras – justamente as localidades que também apoiaram mais maciçamente Fogaça em 2004. 

Na outra ponta da renda, os bairros mais populosos da Capital, porém pobres – Lomba do Pinheiro, Restinga e Sarandi – votaram em Melo em 2016 e em Raul Pont em 2004. É nas extremidades de Porto Alegre, onde o poder aquisitivo é menor, que o Partido dos Trabalhadores pintou o mapa com os vermelhos mais intensos, sinalizando maior apoio do que nos bairros centrais e ricos.

Poder aquisitivo e voto no 1º turno em POA (1996-2016)
Role para a direita para comparar o mapa de renda com os resultados eleitorais na última década

PT e MDB são campeões de candidaturas

Não é apenas entre centro e periferia, ou entre ricos e pobres que os mapas eleitorais de Porto Alegre se dividem. Na visão da cientista política Maria Izabel Noll, há uma polarização na disputa pelo eleitorado porto-alegrense. “Os mapas mostram muito bem que, ao longo dessas eleições, os resultados de primeiro turno acabavam sendo sempre PT x MDB como os grandes opositores, à exceção da disputa do ano 2000, entre Tarso e Collares”, comenta Noll.

Ela coloca na conta a eleição de José Fogaça em 2004, para a qual se apresentou pelo PPS, embora sua trajetória no MDB fosse notória desde a Constituinte. Tanto é assim que a reeleição, em 2008, já foi pela sigla histórica e acompanhado na chapa pelo futuro sucessor, José Fortunati  (então PDT, hoje PTB).

MDB e PT são os campeões de candidatura. Em 10 eleições ocorridas no período democrático, eles concorreram com a cabeça de chapa em nove ocasiões, cada um. Os segundos turnos também foram dominados por estes partidos. Desde que foi implantado esse modelo nas eleições locais, em 1992, nas cinco ocasiões em que houve enfrentamento direto entre dois candidatos, em três os protagonistas tinham relação com esses partidos (em 2004 Fogaça concorreu pelo PPS, mas sua carreira já estava marcada no MDB, para o qual voltaria em seguida).

Em 2020, o PT pela primeira vez abriu mão da cabeça de chapa e apoia Manuela D’Ávila (PCdoB). O MDB se lança novamente, com Sebastião Melo voltando à disputa depois de ter terminado a corrida eleitoral em 2016 em segundo lugar.

Esquerda não faz um terço dos votos desde 2008

O pleito de novembro reeditará as disputas entre os dois melhores colocados das corridas eleitorais imediatamente anteriores: Nelson Marchezan Júnior e Sebastião Melo (2016), e José Fortunati e Manuela D’Ávila (2012), apesar de a segunda colocada naquela ocasião ter somado apenas 16% dos votos – a decisão se deu em primeiro turno.

A baixa votação de Manuela em 2012 segue um padrão anterior de derrocada da esquerda em Porto Alegre. A última grande votação ocorreu em 2008, quando Maria do Rosário (PT) ficou em segundo lugar. Naquele ano, Lomba do Pinheiro, Cascata e Mario Quintana foram os últimos redutos nos quais o partido venceu as eleições em Porto Alegre.

Os últimos redutos do PT em Porto Alegre

A cidade que ficou famosa pelas sucessivas gestões do Partido dos Trabalhadores, entre o fim dos anos 1980 e início dos anos 2000, não consegue mais dar às siglas desse espectro político nem um terço de votos. Em 2008, PT, PCdoB e PSOL somaram 43% da preferência, percentual que caiu para 28%  em 2012. No pleito mais recente, sem os comunistas, PT e PSOL angariaram quase 24% dos votos totais.

Talvez o dado que melhor traduza a desidratação do PT em Porto Alegre seja a diferença de votação de Raul Pont em duas décadas. O ex-prefeito arrebatou 52% dos votos em 1996, quando se elegeu em primeiro turno, e apenas 14% em 2016. Na eleição anterior, lançando Adão Villaverde, o PT amargou seu pior resultado, 8,73%.

Mas se os dados revelam a perda de força da esquerda, Maria Izabel Noll lembra que o centro, na Capital, muitas vezes pendeu para esse lado. “O Fogaça tinha uma tradição de esquerda bastante marcada, depois o Fortunati se elegeu pelo PDT, mas sua origem é petista. O eleitorado daqui se move dentro de uma perspectiva de centro que caminha mais para a esquerda. O Marchezan é o exemplo de maior aproximação com a direita, e mesmo o pai dele, que foi da Arena, nunca foi considerado um radical”, avalia a estudiosa.

Figurinhas repetidas

Além de ser a 10ª desde a redemocratização, a eleição de 2020 será também aquela com número recorde de candidaturas: 13 nomes se apresentaram para disputar a cadeira de prefeito – ou prefeita – da cidade. Aliás, em 35 anos de eleições democráticas, nunca houve uma mulher na chefia do Executivo – o único nome feminino a chegar ao segundo turno foi Maria do Rosário (PT), em 2008. Em compensação, Porto Alegre elegeu o negro Alceu Collares (PDT) prefeito em 1985 com 45% dos votos, quando não havia ainda segundo turno.

Entre os 13 nomes que disputam o Paço em 2020, oito já concorreram anteriormente: o nanico Julio Flores (PSTU) é o líder nesse campeonato, com quatro pleitos disputados, sempre como cabeça de chapa.

Desde 1985, 11 candidatos já concorreram mais de duas vezes ao Executivo da capital.

Empatado com Flores, Raul Pont (PT) também tem quatro candidaturas, além de mais uma como vice, de Tarso, em 1992. A conduta do ex-prefeito é regra entre os homens que governaram a Capital: quase todos se apresentaram nas eleições majoritárias mais de uma vez, à exceção de Olívio Dutra, que se lançou apenas em 1988, quando foi eleito com 34% dos votos, na última eleição sem segundo turno.

Uma curiosidade: Fortunati é o único caso de um prefeito reeleito sem ter sido cabeça de chapa na eleição anterior, porque o então pedetista assumiu a prefeitura quando Fogaça renunciou para disputar o Piratini, em 2010. Outro dado curioso é que Fortunati estava na chapa vencedora nas duas eleições que se decidiram em primeiro turno: era vice em 1996 e cabeça de chapa em 2012.

Como fizemos esse levantamento

Os dados desta reportagem foram obtidos no site do TRE-RS, que disponibiliza informações de votação separadas por seção eleitoral a partir de 1996. Para eleições anteriores, só foi possível acessar os resultados gerais da cidade.

Para localizar no mapa as seções eleitorais entre 1996 e 2016, Matinal precisou fazer cruzamentos de dados. A lista de endereços disponibilizada pela Justiça Eleitoral relaciona apenas os endereços recentes das seções, mas entre uma eleição e outra algumas podem deixar de existir ou modificar sua localização. Para localizar endereços de seções antigas foi preciso consultar duas outras listas disponibilizadas pela prefeitura de Porto Alegre (1 e 2).

Outra atualização necessária se deu em razão das mudanças nos limites dos bairros da cidade, decorrentes da Lei 12.112/2016. Neste caso, consultamos os mapas disponíveis no ObservaPOA e modificamos os bairros de 64 dos 354 endereços que servem ou já serviram como local de votação na cidade.

Com tudo isso pronto, foi possível encontrar quantos votos cada candidato somou em cada bairro e determinar o mais votado.   


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