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Problema em contrato de estagiários da UFRGS pode prejudicar plataforma de ensino à distância da universidade

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Problema em contrato de estagiários da UFRGS pode prejudicar plataforma de ensino à distância da universidade "Nós hoje sequer temos salas de aula em condições adequadas para iniciar o semestre adequadamente", disse professor da universidade. Foto: Gustavo Diehl / Divulgação)

Estudantes que trabalham com produção multimídia não tiveram seus contratos renovados; Universidade pretende resolver questão até novembro

Há dois meses, estagiários ligados à Secretaria de Educação à Distância (SEAD) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) não estão tendo seus contratos renovados pela universidade. Pelo menos 16 estudantes já pararam de cumprir suas atividades ou vão parar nos próximos dias – e estimativas dão conta de que o número total pode chegar a 40 até o fim do ano. São estagiários que atuam na produção multimídia de cursos à distância e recebem, em sua maioria, R$ 1,3 mil de salário.

A SEAD é responsável, entre outras iniciativas, pela plataforma Lúmina, que oferece cursos on-line e podcasts produzidos por professores e estudantes da UFRGS. Ativo desde 2016, o serviço possui conteúdos multimídia sobre temas ligados a ciências exatas, humanas, tecnologia, saúde e letras, entre outros, e já recebeu mais de 300 mil cadastros – não é necessário ser ligado à universidade para se inscrever, e os cursos garantem certificado da UFRGS. 

Gerido por servidores da universidade, os serviços da SEAD são postos em prática por 17 estudantes, que têm um contrato de estágio e realizam atividades como edição e captação de vídeo e áudio, roteiro, produção gráfica, entre outras funções consideradas essenciais para a produção dos conteúdos. Desses, nove já pararam. Conteúdos em fase de produção têm sua concretização ameaçada, dizem servidores consultados pela reportagem.

Os problemas começaram em julho, quando os estagiários ligados à SEAD foram informados de que teriam suas atividades paralisadas por 30 dias, “por ordem da Reitoria”, sem maiores detalhes. No dia seguinte, foram liberados para voltar ao trabalho, mas em setembro uma estudante não teve seu contrato renovado e parou de comparecer ao estágio. Outros 12 estagiários que teriam seus contratos renovados em outubro foram notificados em seguida. Caso a dificuldade persista até novembro, outros cinco estudantes podem ter seu contrato não renovado. Além do Lúmina, a SEAD é responsável pelo contrato de estagiários ligados ao Núcleo de Produção Multimídia para Educação, à Rede Multivídeos e a outros setores da universidade, como a Gráfica da UFRGS e a UFRGS TV.

De acordo com a universidade, a questão é burocrática: “Não há nenhuma relação com questões econômicas ou de reestruturação, mas sim uma questão relacionada com ajustes necessários nos fluxos e contratos”, diz Leandro Krug Wives, secretário de Educação à Distância, em respostas por e-mail ao Matinal. “Necessidade de equalizar os elementos da Lei Geral de Estágios e da Lei de Estágios em Órgãos Públicos com as Normativas Internas do CEPE em relação a estágios”, completa.

Situação gerou abaixo-assinado e manifestação do DCE, professores também protestam

A questão vem se arrastando desde então, e a universidade admite a necessidade de uma solução. “Esperamos ter resolvido a situação antes do final de novembro para podermos manter o fluxo de estágios. Estamos empenhados nisso. A plataforma é prioridade para a universidade, e certamente os estagiários são relevantes para a produção”, diz Wives.

Há duas semanas, um grupo de estagiários apresentou uma “Carta Pública Sobre os Ataques aos Estagiários da SEAD” em que afirmam que “negar o direito ao trabalho, negar a garantia do salário e da renovação dos nossos estágios é colocar mais de 40 estudantes em situação de vulnerabilidade”. “Não restam dúvidas que esta é mais uma política de destruição da educação pública, alinhada com o projeto fascista, negacionista e anti-ciência do governo Bolsonaro. Atacar nossos estágios é mais uma forma de ‘cortar’ verbas do lado mais frágil dessa instituição”, denuncia o texto. 

“Vários estagiários foram pegos de surpresa. O pessoal precisa sobreviver, eu sou aluno cotista de baixa renda e preciso muito desse salário. Não tenho como pagar aluguel, as despesas de casa, então me organizei com os estudantes para fazer essa cobrança”, explica Everaldo Oliveira Jr, aluno de Publicidade e Propaganda e estagiário de produção audiovisual na SEAD, que interrompeu suas atividades na quinta-feira, último dia útil de setembro.

Em resposta à manifestação dos estagiários, Wives enviou um e-mail ao grupo informando que a secretaria havia solicitado uma análise técnico-jurídica “devido a uma necessidade de ajuste de fluxo e de termos relacionados a estágios”. “Compreendemos que a situação desgastante em que todos se encontram, em especial nesse momento de pandemia, o qual é muito difícil, mas é necessário aguardarmos o resultado dessa análise”, finaliza a mensagem.

De acordo com a nota enviada pela UFRGS ao Matinal nesta terça, também assinada por Wives, a análise técnico-jurídica foi finalizada, o que deve gerar ajustes nos fluxos e nos termos de compromisso dos estagiários. “Não vejo nenhum risco de encerramento da plataforma”, completa.

Professor com sete cursos publicados no Lúmina, Daniel Canavese, do departamento de Saúde Coletiva, explica que a plataforma é um importante centro de criatividade e inovação da UFRGS: “É uma das maiores plataformas de ensino à distância que temos, tem um valor imensurável. Fazemos isso com o apoio dos estagiários, que estão sendo muito impactados neste momento”, diz.

Gestão do atual reitor vem causando controvérsia desde o primeiro dia

“Já é sabido que, desde que essa reitoria assumiu a gestão da UFRGS, diversos ataques foram feitos no sentido de desestruturar a nossa universidade na tentativa de sucatear o serviço público e colocá-la à disposição da iniciativa privada”, diz o texto escrito pelos alunos afetados e distribuído pelas redes do DCE (Diretório Central de Estudantes) da universidade. 

A tensão é só mais uma na gestão do reitor Carlos Bulhões à frente da UFRGS. Nomeado em setembro do ano passado, após ficar em terceiro lugar na consulta feita à comunidade acadêmica, Bulhões vem implementando mudanças internas na universidade, no que foi chamado de reforma administrativa

O caso acabou gerando um pedido de impeachment do reitor e da vice-reitora, Patrícia Pranke, que foi aprovado pelo Conselho Universitário da UFRGS em agosto. A decisão de preterir os candidatos mais votados pela comunidade acadêmica vem se tornando praxe no governo Jair Bolsonaro, que repetiu a prática em 40% das nomeações em universidades federais, segundo levantamento da Folha de S. Paulo. O pedido de impeachment precisa ser analisado pelo ministro da Educação, Milton Ribeiro, que pode aceitá-lo ou não. Não há prazo para que essa análise seja feita.

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