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Neila Prestes Araújo: Qual a sensação de ver a tua casa fora do lugar?

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Neila Prestes Araújo: Qual a sensação de ver a tua casa fora do lugar?
A história é contada a certa distância dos acontecimentos, enquanto a memória contém o sabor da vida. Para falar da origem do bairro Restinga, em Porto Alegre, vale muito um mergulho na memória dos moradores protagonistas deste momento, para ter uma versão a quente dos acontecimentos inciados em fevereiro de 1967. Para além dos registros oficiais, duros e discriminatórios, a oralidade nos leva a possibilidades narrativas mais fortes, apresentando trilhas de saberes ainda não desvelados.  Em 1966, o poder público definiu-se pela remoção completa dessa população de “maloqueiros” das zonas centrais e arredores empregando uma seleção: os que não tinham para onde ir foram levados compulsoriamente para um espaço distante do centro da cidade, em meio à área rural, a mais de 20 quilômetros do Centro – o que resultou na formação do bairro Restinga. Um dos aglomerados mais atingidos foi o que se chamava de Ilhota, área alagadiça entre a atual Ipiranga, a Venâncio Aires e Aureliano de Figueiredo Pinto, na altura da avenida Erico Verissimo. Ali nasceram Lupicínio Rodrigues e o grande craque de futebol Tesourinha, nascido Osmar Fortes Barcellos. Os dois hoje dão nome a instituições públicas ali construídas – o Centro Municipal de Cultura Lupicínio Rodrigues e o Ginásio Osmar Fortes Barcellos.  O trabalho foi feito com muita escuta, nos marcos do que se chama de História Oral.  O registro da memória, então, resultou num ato de resistência para a comunidade, e os depoentes acolheram a ideia e depositaram confiança na pesquisa. O que aqui se reproduz é parte do trabalho, uma pequena amostra, na companhia do Seu Antônio Miguel.  Antônio Miguel Rodrigues de Almeida foi entrevistado em 2017. No encontro,  ele relatou a vida na Ilhota, as alegrias do cotidiano próximo de tudo, a remoção traumática, a reorganização da vida no espaço de destino, longe de tudo. Seu Antônio veio para Porto Alegre ainda pequeno, cresceu com a mãe e irmãs, passou pela Vila Dique e pela Ilhota. Já no bairro de destino participou do processo de integração social e resistência cotidiana. Tem memória das alegrias e das tristezas de morar num território condenado simbolicamente. Fotografia 27. Sr. Antônio | Entrevista em 18.05.2017 Era uma criança de oito quando migrou compulsoriamente da Ilhota para a Restinga. Suas lembranças foram como um passeio narrativo por Porto Alegre da década de 60. A Ilhota e seus becos estavam vivos em sua conversa; a vida transbordou em seu relato, auxiliado por um amigo, Seu Farias. A vida na Ilhota voltou à lembrança, pelos olhos do menino, ao lembrar as praças, as ruas e os clubes de negros da Cidade Baixa.  Farias – Os casarão antigo!Antônio – Os casarão eram antigo, mas tudo de material, né?Farias – Até tinha ali a sociedade mais antiga de preto.Antônio – Floresta Aurora …Farias – Não, Floresta Aurora não! Prontidão. Antônio – Prontidão.Farias – Prontidão! Era, era, Barão do Gravataí quase esquina com Getúlio Vargas, sabe? Era uma esquina com um bequinho que tinha assim… era um casarão que tinha ali naquela área.Antônio – […]

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