Carta da Editora

Cotidiano

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Cotidiano Foto: Reprodução de vídeo gravado por testemunhas

O final de semana mal terminou e eu já imaginei que hoje escreveria sobre como foi a Noite dos Museus no último sábado. Como foi bonito reencontrar a rua de noite e as pessoas nas ruas, num fim de semana que teve ainda o festival de fanfarras Honk!POA, que me levou para o meio da Vila Planetário, onde eu lembrei do excelente romance de José Falero, Os Supridores. Fiquei pensando em como é bom poder dedicar um espaço generoso para a cultura e os artistas de Porto Alegre no site do Roger e na Parêntese.

Já na segunda decidi que era o caso de tratar de uma das principais discussões que estão rolando na cidade e no País, o avanço do homeschooling. Só que mal amanheceu a terça e 25 pessoas foram mortas em uma operação policial no Rio de Janeiro. 

Acompanhei a repercussão da chacina e me voltei ao tema da educação no dia seguinte. Na manhã de quarta, fui à Fiergs para o anúncio de um investimento de 300 milhões de reais para novas escolas de ensino médio e um instituto de formação de professores. Até que ontem minha atenção foi totalmente sequestrada pelos policiais da PRF de Sergipe que mataram um homem no camburão da viatura em uma câmera de gás improvisada.

A Folha de S. Paulo chamou assim: “Cotidiano: Homem morre asfixiado em viatura da Polícia Rodoviária Federal em SE”. Não faltou gente para criticar a manchete, que escondeu o sujeito na frase, embora qualquer um possa ver o que aconteceu durante a ação nos vídeos gravados por testemunhas. Mais tarde, especialistas apontaram à mesma Folha os erros dos policiais.

A cartola que antecede o título da reportagem ficou martelando na minha cabeça. “Cotidiano”. O Brasil é isso aí, é essa violência cotidiana. Aqui a gente morre pelas mãos da polícia, morre porque é preto, porque é trans, morre de fome. Fome. Em 2022.

Nosso foco aqui no Matinal, vocês sabem, é local, é jogar luz nos fatos e debates mais relevantes da cidade e do Estado. Já não é uma tarefa fácil selecionar quais histórias vamos cobrir e quais ficarão para trás. Mas ela se torna ainda mais complicada quando vivemos num País afundado na violência, de toda natureza possível. Fica difícil elencar quais dos tantos problemas crônicos que nos atropelam vão receber mais atenção.

Por isso hoje essa carta acabou tomando esse rumo, duro e desanimado. E sabem o que é pior? Vai acontecer de novo. Vai ter uma nova chacina no Rio. Vão matar mais gente nas periferias, mais um ou vários homens pretos em frente às câmeras. Foi assim com o Beto Freitas, foi assim com o Genivaldo de Jesus. E vou eu escrever mais uma carta como essa? Não sei, mas hoje não deu para escapar.

Veto

Não pude evitar também de falar no presidente. No dia em que policiais mataram Genivaldo, um homem com esquizofrenia e que portava no bolso seus medicamentos, Jair Bolsonaro vetou homenagem à psiquiatra Nise da Silveira, alagoana que revolucionou o tratamento mental no Brasil.

Mas e o homeschooling hein?

Na quarta-feira, como eu mencionei, fui à Fiergs, onde foi anunciado um investimento de 300 milhões que vai, em cinco anos, viabilizar a construção de seis escolas de Ensino Médio no Estado e um Instituto de Formação de Professores na Capital, dedicado à capacitação de educadores das redes pública e privada e a pesquisas na área da educação. 

Abertas à comunidade, as escolas de Ensino Médio do Sesi-RS são voltadas principalmente a filhos de trabalhadores da indústria e atendem hoje 1.423 alunos, dos quais 60% são bolsistas. Na ocasião do anúncio, o superintendente do Sesi-RS, Juliano Colombo, destacou a inovação pedagógica das instituições, premiadas em competições de robótica entre outras distinções, e o propósito de permitir que crianças e adolescentes “mudem o patamar de seus sonhos”, como ele ouviu de uma menina que se formou em Pelotas.

Toda a apresentação reforçava a importância do papel da escola no desenvolvimento de habilidades dos estudantes, das técnicas às emocionais. Comentei isso com Colombo e perguntei o que ele achava da proposta de homeschooling. “O projeto quer dar uma opção para os pais”, respondeu, e completou: “Eu, como pai, nunca escolheria não mandar meus filhos para a escola. Os papéis da família e da escola não podem se confundir. A escola é espaço de socialização”.

A gerente de educação do Sesi-RS, Sônia Bier, foi mais enfática: “Homeschooling não é solução para o Brasil, não considera a realidade brasileira de desigualdades”. Com 30 anos de experiência entre sala de aula e gestão escolar, a professora defende a importância da escola na formação cidadã: “É na escola que a criança aprende a viver no mundo, a entender de gente, a conviver com a diversidade. Como vou conhecer o roxo se só me apresentam o amarelo?”. Bier chamou a atenção para outro efeito colateral da modalidade: “O ensino em casa deixa as crianças desprotegidas. E se existe um pai abusador?”

Filosofia e bergamotas

Com 50% do currículo voltado a matemática e ciências da natureza, as escolas do Sesi-RS têm um ensino formatado por projetos e centrado no estudante. Bier destaca que as instituições buscam espaços mais flexíveis de aula, como momentos de “filosofar comendo bergamotas embaixo de uma árvore”, disse, em referência a uma atividade que costuma acontecer em Montenegro. O professor, visto como um mentor e não o protagonista na relação com o aluno, acaba recebendo mais reconhecimento, diz a gerente. Tanto que, na contramão de uma tendência estadual, muitos estudantes têm saído do Ensino Médio em busca da carreira docente. Quer maior valorização que essa?

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