Carta da Editora

Depois da tempestade

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Depois da tempestade Ricardo Zimerman defende o tratamento precoce na CPI da Pandemia a convite do senador Luís Carlos Heinze. Foto: Jefferson Rudy/Agência Senado

Uma pandemia justo durante um governo negacionista – para ficar só no tema da saúde pública – tem sido demais para os brasileiros. Por isso, as pesquisas que hoje apontam para quatro anos sem Jair Bolsonaro são um alento, ainda que faltem três meses para as eleições, tempo suficiente para sabe-se deus o quê pode acontecer no Brasil.

Se confirmada a sua derrota nas urnas, já tem até a canção para embalar a festa em outubro. A nova música com que Chico Buarque nos presenteou no mês passado fala de um tempo de esperança, é como uma mão amiga que te puxa pra frente, pra gente que andava esquecendo “da força da arte, da agregação, da solidariedade”, como bem destacou o Fischer no editorial da Parêntese #131.

Só que a gente tem sido tão maltratado nos últimos quatro anos que é difícil se entregar por completo ao novo samba de Chico. Como me disse o querido colega Tiago Medina, editor da Matinal News, escutemos Chico mas sem esquecer de outros dois gênios da música brasileira, Caetano e Gil: É preciso estar atento e forte.

Isso porque o bolsonarismo é maior do que o próprio Bolsonaro. Essa tese não é minha, é da antropóloga Rosana Pinheiro Machado, que se dedica a estudar o fenômeno do hiper conservadorismo desde pelo menos 2016, quando, ao lado da colega Lúcia Scalco, começou a tentar entender as motivações de possíveis eleitores de Bolsonaro em uma região periférica de Porto Alegre.

Aqui e acolá pipocam casos que reforçam essa tese – em especial no Rio Grande do Sul, estado onde Bolsonaro lidera as intenções de voto segundo já mostraram algumas pesquisas, como esta da EXAME/IDEIA realizada em junho. Um desses exemplos contamos no Matinal na semana passada. Ex-consultor do “gabinete paralelo” do Ministério da Saúde e investigado por experimentos clandestinos, Ricardo Zimerman e outros dois médicos que defendem supostos tratamentos sem eficácia contra a covid-19 são cotados para câmara de infectologia do Conselho Regional de Medicina do RS (Cremers). É o negacionismo ganhando terreno em um órgão que deveria pautar-se pela ciência.

Também é aqui no Estado que têm se repetido episódios de intolerância que já levaram três ministros do Supremo Tribunal Federal a cancelarem participações presenciais em eventos. Os casos ocorreram na Serra Gaúcha, e já se tornaram uma baita dor de cabeça para o mercado de congressos e eventos corporativos. E vocês sabem bem quem promove ataques aos ministros do STF desde o início da sua gestão.

É difícil calcular quanto tempo precisaremos para remediar o estrago depois de tanta cascata, tanta derrota e tanta demência, como canta Chico. Mas uma coisa posso garantir pra vocês: nós aqui na redação seguiremos atentos – e contamos com vocês, leitores, para que continuemos também firmes e fortes.

De novo, Chico 

Essa intolerância ao pensamento do outro – que é a cara da gestão de Bolsonaro, responsável sozinho por 20% dos ataques à imprensa mapeados pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo –, tem levado políticos a processarem cidadãos por publicações irrelevantes em redes sociais. Esta matéria da Folha de S.Paulo conta alguns casos e destaca o que escreveu o juiz Pedro Henrique Antunes Motta Gomes ao negar pedido da Prefeitura de Olímpia (SP) para condenar um morador por difamação após uma live no Facebook. “O mais importante é perceber que a manifestação do pensamento não deve ser protegida somente quando polida, sutil, delicada e bem construída. Não é razoável esperar que o cidadão comum formule suas críticas com a mesma sagacidade de Chico Buarque em Cálice“.


Marcela Donini é editora-chefe do Matinal Jornalismo.

Contato: [email protected]

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