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É preciso ser antimachista

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É preciso ser antimachista

Há mais de um mês, eu venho pensando em escrever sobre uma notícia que ocupou pouco espaço em meio a tantas manchetes sobre a Covid-19. O estupro de mulher de 39 anos no bairro Bela Vista, em Porto Alegre. Aconteceu em 5 de julho, mas só na semana passada o suspeito foi considerado foragido e por isso o caso voltou ao noticiário.

Antes que eu escrevesse qualquer coisa sobre o desespero que uma notícia dessas me causa, fui nocauteada pela história da menina de 10 anos do Espírito Santo, grávida do tio, que a estuprava havia quatro anos. Teve de voar até o Recife para garantir o acesso a um aborto legal, um direito resguardado por lei.

O empresário Felipe Neto e o comediante Whindersson Nunes se prontificaram a custear os estudos e uma assistência psicológica para a menina. Muito nobre da parte deles e, com certeza, fará uma diferença enorme na vida dela. Acontece que não há celebridade generosa o suficiente no Brasil para bancar ajuda a todas as vítimas de estupro do País. 

A mulher da Bela Vista é uma das 9 vítimas de estupro na Capital que reportaram o crime à polícia em julho. Em todo o Estado, foram 920 registros desde o início do ano. Já no Brasil, o mais recente Anuário Brasileiro de Segurança Pública diz que somaram 66 mil as vítimas de estupro ao longo de 2018. Mais de 80% eram do sexo feminino, pouco mais da metade tinham até 13 anos.

Somos o Outro

A violação dos nossos corpos são exemplos brutais da invisibilidade da mulher como sujeito. Não nos veem como um ser autônomo, mas como um objeto, o Outro cuja existência é definida em relação ao homem, já nos dizia Simone de Beauvoir lá em 1949. Sem esquecer do “outro do outro”, a mulher negra segundo Grada Kilomba – justamente as maiores vítimas da violência de gênero.

Casos como o estupro da Bela Vista não são “coisa de gente doente”. Tampouco o episódio da menina do Espírito Santo é apenas um “retrato de uma família desestruturada”. Ambas foram vítimas do machismo estrutural, esse é o nome certo. E se não nomeamos as barbaridades desse mundo não temos como combatê-las. Para além do terror causado pela brutalidade desses casos, sabem o que me dá mais desespero? É que não vão parar de nos violentar tão cedo, seja violando nossos corpos ou nos negando o direito de decidir sobre eles.

Porque a luta antimachista é longa. E eu ainda não tenho resposta sobre o que o Estado vai fazer para nos proteger e não apenas o que ele vem fazendo para nos socorrer depois que o crime acontece.

Quero saber também o que vocês homens vão fazer. Não esperem que a gente vá mudar esse cenário sozinhas. Estamos cansadas, violentadas – ou mortas. Não se trata de guerra dos sexos. É guerra contra o machismo estrutural. E se são os homens os autores dessa violência e a maioria entre aqueles que decidem os rumos do País, precisamos que vocês debatam o seu papel nessa luta.

Uma dica: comecem refletindo sobre que tipo de homem querem ser, que tipo de homem querem que seus filhos, irmãos, sobrinhos sejam. Aproveitem o fim de semana e assistam ao documentário O Silêncio dos Homens, disponível de graça no YouTube. Falem com seus amigos sobre a masculinidade tóxica – mais uma expressão nova para um problema antigo –, esse comportamento típico que está por trás da violência doméstica, do assédio, da ausência de mulheres em posições de poder, mas também ajuda a explicar as altas taxas de suicídio entre homens e a menor expectativa de vida em relação às mulheres entre outros índices tristes. Mudar essa realidade depende de vocês.

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