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O que a demagogia não responde sobre a volta às aulas

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O que a demagogia não responde sobre a volta às aulas

“É muito importante a escola, ela não é um item supérfluo”, defendeu o governador Eduardo Leite em live ontem. Disse ainda que a educação é “muito mais importante do que qualquer outra atividade”. 

Fiquei me perguntando: por que, então, o Estado priorizou o retorno de outras atividades na pandemia?

Aliás, essa é uma das críticas da Priscila Cruz, cofundadora e presidente-executiva do Todos Pela Educação, mais gabaritada do que eu no tema da educação. Eu lecionei por apenas quatro anos numa faculdade de jornalismo, pouco para me considerar uma professora experiente mas o suficiente para saber o quão solitária e pesada essa atividade pode ser. Por isso não posso deixar de me solidarizar com os docentes que terão de dar três vezes a mesma aula. Isso porque, com o limite de 50% da capacidade das salas e o distanciamento mínimo de 1,5m entre as classes – protocolos que me parecem adequados –, o Estado sugere que as turmas sejam divididas e que os grupos alternem-se em dias diferentes. Uma terceira versão da mesma aula deve ser disponibilizada remotamente, já que o EAD seguirá como opção para as famílias que não se sentirem seguras para levar seus filhos de volta à escola. Além da sobrecarga, velha conhecida dos professores, o coronavírus, vale lembrar, ainda está por aí.

Aliás, Leite falou também na importância dos protocolos sanitários. O mínimo que se espera é que haja segurança nessa retomada. Mas também me perguntei: como ficam as escolas em que faltam sabonete e papel higiênico nos banheiros? Sem falar naquelas em que faltam professores para “formar os cidadãos do futuro”, para usar mais uma expressão tão bonita dita pelo governador ontem.

Recuperar o tempo perdido para “transferir conhecimento” aos jovens e crianças é outra preocupação de Leite. Mas, ao mencionar a importância de “desenvolver a capacidade cognitiva” do estudantes, esqueceu de algo que ele mesmo citou em outro momento de sua fala: a saúde mental dessas crianças e jovens, o que, para muitos especialistas em educação, deveria ser a prioridade na acolhida da gurizada que retornar à sala de aula em meio a uma pandemia. Professores sobrecarregados estarão aptos para lidar com esses estudantes?

Eu não sou contrária à reabertura das escolas, que fique claro. Assim como me solidarizo com professores, sou solidária a pais e mães que já não sabem mais como administrar o trabalho com as crianças em casa. Conheço um casal que passa a semana longe da filha porque os dois tiveram de voltar ao trabalho presencial e a solução foi deixar a pequena com os avós no interior. Outro caso: sem poder contar com ajuda de parentes, pai e mãe deixam o filho de seis anos sozinho em casa, sob a supervisão eventual de uma vizinha – que também cuida do seu filho de mesma idade. Muitos casos: mães em home office sobrecarregadas recorrendo à medicação para lidar com a ansiedade e estresse. São inúmeras as histórias próximas, além de questões apontadas por autoridades competentes: fora da escola, há crianças sem ter o que comer, submetidas à violência doméstica, expostas ao vírus e expondo adultos cuidadores. Sem contar os impactos ainda desconhecidos que o longo período longe da escola pode causar nas crianças, conforme alertou recentemente a OMS.

Apesar de eu mesma ser uma dessas mães exaustas – mesmo dividindo as responsabilidades em relação ao meu filho de três anos com meu marido e, eventualmente, com os avós –, não pretendo levá-lo à escola tão cedo. Não me sinto segura, mesmo sabendo que não há risco zero, ainda mais quando se tratam de crianças ansiosas para brincar com os coleguinhas. 

Mas, repito, não sou contra a retomada. Entendo que cada pai e mãe deve estar ciente dos riscos envolvidos para a saúde da sua família e dos outros. Contudo me parece que ainda há questões importantes em aberto para que esse retorno seja o mais seguro possível para todos dentro das condições das escolas gaúchas. Há pouco diálogo e gente com certezas demais. E quem está muito seguro hoje está, no mínimo, mal informado.

Marcela Donini
Editora-chefe do Grupo Matinal
[email protected]

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