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O tamanho do apagão na ciência

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O tamanho do apagão na ciência Foto: Julia Koblitz/Unsplash

Brutal. Carolina Brito não encontra outro adjetivo para classificar o desmonte sofrido pela ciência no Brasil hoje. Ela é coordenadora do programa do Programa de Extensão Meninas na Ciência, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), um projeto que nasceu para estimular a participação feminina em pesquisa, especialmente nas áreas de exatas, e já tem uma história de quase uma década.

Nos anos de 2014 e 2015, o grupo chegou a somar cerca de 15 bolsistas. Hoje são três. Diferença brutal. “Eu nunca vi uma degradação tão grande”, diz a professora do Instituto de Física da UFRGS.

Na quarta-feira, durante a live promovida pelo Matinal para falar do contexto nacional de negligência com a produção científica a propósito do encerramento de 12 cursos de pós-graduação da Unisinos, a professora da UFRGS Márcia Barbosa, que também faz parte do Meninas na Ciência, alertou para o tempo e os investimentos que serão perdidos com os recentes cortes em pesquisa. Para ela, uma pausa na construção do conhecimento pode ser irrecuperável. “Ele envelhece rapidamente, como aqueles esqueletos de prédios que têm de ser demolidos para começar tudo de novo. E essas pessoas que estão saindo agora vão achar outras atividades, muitas delas no exterior, o que me deixa desesperada porque o país já investiu nelas”, observou.

Difícil dimensionar o prejuízo. Em uma ponta, cada vez mais cientistas protagonizam a famosa “fuga de cérebros”, a que se referiu Barbosa, comprometendo o avanço na produção científica brasileira. Na porta de entrada, tem gente que sequer se apresenta. Na Universidade Federal de Santa Maria, cerca de um terço das vagas de pós-graduação não teve interessados. Como atrair alunos sem bolsa?, questionou a pró-reitora de Pós-graduação e Pesquisa da instituição, Cristina Nogueira.

Com bolsa já é dureza, observa Brito, que tem colecionado histórias de alunos que deixam grupos de pesquisa ou mesmo abrem mão da faculdade para se dedicar a empregos que nada têm a ver com as áreas às quais se dedicavam em busca de uma remuneração um pouco melhor. Os valores para iniciação científica estão há nove anos congelados, diz. As bolsistas do Meninas na Ciência, programa de extensão, ganham 400 reais. No mestrado e doutorado, que exigem dedicação exclusiva, os valores estão em 1,5 mil e 2,4 mil reais. 

O projeto da UFRGS viabilizou-se em 2013 a partir de um edital federal que pretendia justamente ampliar a presença feminina na ciência em todo o País – programa que já não existe mais. Sem investimento de Brasília hoje, o Meninas na Ciência conta com outras fontes de receita, como investimentos privados e do exterior. Brito reconhece a importância desses apoios mas ressalta que é insustentável a longo prazo a ciência contar apenas com aportes eventuais.

Para Helena Nader, presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), é justamente a falta de vontade política que compromete o avanço da produção científica no Brasil. “A ciência brasileira é, sim, extremamente carente de recursos. Mas é carente, sobretudo, de constância e de continuidade, que só serão conquistadas quando uma política de Estado, nos moldes do que a ABC propõe em seu documento, for de fato pensada para o setor”, escreveu em carta endereçada aos presidenciáveis. No documento, ela também destacou a queda no orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), que passou da ordem de 9 bilhões de reais em 2018 para menos de 3 bilhões de reais em 2021.

E quando os recursos ficam escassos, já sabemos, os grupos mais vulneráveis são os que sentem o maior impacto. Vimos isso na pandemia. Um estudo do grupo Parent in Science feito ainda no primeiro semestre de 2020 mostrou que a produtividade científica de mulheres negras com ou sem filhos e de brancas com filhos foi mais afetada do que a de outros perfis de pesquisadores.

Dois golpes fatais na pesquisa científica e no pouco que avançamos na questão de gênero neste campo. Que azar ter entrado em uma emergência sanitária chefiados por um governo anticiência.

Brutal.


Marcela Donini é editora-chefe do Matinal Jornalismo.
Contato: [email protected]

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