Carta da Editora

Segurança para denunciar

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Segurança para denunciar Foto: Raquel García/Unsplash

Cadê meu celular?
Eu vou ligar pro 180
Vou entregar teu nome
E explicar meu endereço
Aqui você não entra mais
Eu digo que não te conheço
E jogo água fervendo
Se você se aventurar

A polícia civil lançou nesta semana um canal exclusivo na Delegacia Online para registro de violência doméstica em todo o Estado. Funciona 24 horas por dia, sete dias por semana. É mais uma via para facilitar a notificação de qualquer sinal de agressão, assim como o número de WhatsApp (51 98444-0606), criado em 2020. 

A cada balanço estatístico divulgado pela Secretaria de Segurança Pública do Rio Grande do Sul (SSP) sobre crimes de violência contra a mulher as autoridades ressaltam a importância da denúncia. O anonimato é garantido. Ainda assim, quando olhamos os dados de feminicídio no Rio Grande do Sul, a maioria das mulheres mortas não tinha medida protetiva de urgência (MPU), decisão judicial que obriga o afastamento do agressor. Em março, das oito mulheres assassinadas no RS, apenas uma tinha MPU válida. Por que tão pouco?

Há uma série de aspectos para se considerar quando falamos de combate aos crimes contra a mulher. O primeiro deles: esse é apenas um dos dados referentes ao tema que merecem atenção. Para solicitar uma medida protetiva ao judiciário, as mulheres são orientadas a antes registrar o caso na polícia. A advogada Renata Jardim explica que as delegacias têm 48 horas para encaminharem o pedido para o judiciário, que, por sua vez, tem mais dois dias para decidir sobre ele. Segundo ela, é um fluxo que, de forma geral, funciona no Estado. “Não há dúvidas de que uma MPU válida protege a mulher na maioria dos casos”, diz Jardim – e as estatísticas confirmam. A questão que nem sempre é destacada nos anúncios da SSP e nas reportagens a respeito é a palavra “válida”. E assim não olhamos para aquelas mulheres que já haviam informado ao Estado e ao poder judiciário sobre sua vulnerabilidade, mas, no momento do crime, a MPU já havia expirado e elas já não tinham mais amparo judicial ou qualquer outro auxílio do estado.

Apesar de a maioria das vítimas de feminicídio (66,31%) não ter sequer registrado qualquer ocorrência contra o agressor, considerando os dados da SSP de 2021 no RS, há um outro contingente significativo de mulheres assassinadas que já haviam denunciado o homem que viria a ser seu assassino. Um outro levantamento, feito em 2021 pela Coordenadoria Estadual da Mulher em Situação de Violência Doméstica e Familiar (Cevid/ TJ-RS), revela que 29,4% das vítimas de feminicídio em Porto Alegre tinham MPU anteriores, apesar de apenas 11,76% estarem válidas no momento do crime.

As MPU têm sido concedidas com prazo de 120 dias, informa Renata Jardim, coordenadora da Área de Violência da Themis, ONG que trabalha pela promoção e defesa dos direitos das mulheres. O problema é que passado esse prazo a mulher não tem acompanhamento do estado, o mesmo vale para aquelas que fazem um boletim de ocorrência mas não chegam a solicitar medida protetiva. “Não basta abrir uma porta”, diz a advogada referindo-se à denúncia. “São 15 anos da Lei Maria da Penha e ainda não conseguimos estruturar uma rede de serviços e políticas públicas eficazes. É necessário um trabalho em rede para acolher essa mulher. Entender suas demandas, sejam financeiras ou referentes aos filhos, por exemplo. O estado não dá essas outras garantias”, afirma. 

A denúncia, aliás, pode ser a ação que vai colocá-la em maior perigo, ressalta a advogada. Isso porque, na maioria dos casos (83,15%), o autor do crime é o parceiro ou ex da vítima, o que significa que a mulher agredida ou ameaçada vai à delegacia denunciar e volta pra mesma casa onde seu agressor também vive ou no mínimo conhece o endereço. Que segurança ela tem para dar esse primeiro passo?  

Além disso, é preciso conhecer o ciclo de violência a que essas mulheres estão submetidas. Passada a fase de explosão da violência, muitas reatam os relacionamentos e chegam a conviver em paz com o agressor – até que a violência escale novamente. Existe uma dependência emocional. Outras tantas sequer rompem porque dependem financeiramente dos seus parceiros. Há ainda aquelas que entendem o risco do término: o maior estopim para o crime é o fim do relacionamento ou uma nova relação afetiva da vítima, motivaç˜ões presentes em 40% dos casos de violência contra a mulher analisados pelo estudo do TJ.

Um dado que nem sempre está claro nesses levantamento mas vou registrar aqui para que não reste dúvida: a maior motivação para crimes de violência contra a mulher é, em 100% dos casos, a cultura machista. Não é ciúme, vingança, muito menos amor. É achar que a mulher é um objeto que lhe pertence. E esse não é um problema que se resolve com boletim de ocorrência ou medida judicial.

De Porto Alegre a Goiânia

Na Carta da semana passada, falei sobre a reportagem que publicamos a partir de uma extensa apuração sobre a transparência das Câmaras Municipais das capitais brasileiras. Nesta semana, o jornal O Popular, de Goiânia, publicou uma matéria repercutindo nosso levantamento, destacando que a Câmara de Vereadores de lá cumpre apenas metade dos critérios de transparência considerados pela reportagem. Nos alegra ver nosso trabalho ecoando por aí. Como disse à reportagem a jornalista Naira Hofmeister, que coordenou a apuração publicada no Matinal, ficou claro que o acesso do cidadão às informações das câmaras municipais é ruim. “O levantamento é um grande alerta sobre como as câmaras, que têm o apelido de casa do povo, são fechadas”.


Marcela Donini é editora-chefe do Matinal Jornalismo.

Contato: [email protected]

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