Diálogos Matinais

O que Porto Alegre precisa para avançar na Economia Criativa

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O que Porto Alegre precisa para avançar na Economia Criativa

Minha aproximação com o tema da Economia Criativa se deu em 2013, quando criei o Polo Distrito Criativo de Porto Alegre. Trata-se de um projeto de longa duração, que envolve mais de 80 locais participantes, nos bairros Floresta, São Geraldo, no 4º Distrito, mas também partes dos bairros Moinhos de Ventos e Independência. É um projeto transbairro, que reúne empreendedores de Economia Criativa, Economia do Conhecimento e Economia da Experiência.

É, antes de tudo, um projeto de desenvolvimento territorial de uma parte esquecida da cidade, desde os anos 70, mas diferentemente de projetos públicos anteriores, é baseado no empreendedorismo da Economia Criativa e botton-up, ou seja, a partir das pessoas, construído de baixo para cima. É claro que para isso eu precisava de uma definição, ao menos operacional, do que é Economia Criativa. E me deparei com uma grande confusão. Até mesmo textos acadêmicos eram pouco claros, esquivos, utilizando conceitos como “intangíveis”, “talento”, “cultura”, “criatividade”, “conhecimento”, “capital intelectual”, etc. Não que eles não tenham sua importância individualmente, mas, segundo a minha experiência, não revelavam o essencial desse setor econômico, com o qual eu trabalhava todos os dias. 


Seria muito difícil expor, aqui, em detalhes, a definição que utilizo, devido ao pouco espaço disponível e ao risco de gerar interpretações errôneas. Mas, em minha opinião, o que impede a visão clara da Economia Criativa é a sua confusão com dois conceitos muito próximos, também muito importantes, mas diferentes: a Economia do Conhecimento e a Economia baseada na Criatividade (creative-based economy). Economia Criativa e Economia do Conhecimento são, de fato, parecidas, ambas oferecem produtos e serviços simbólicos, ambas se utilizam dos mesmos suportes e muitas vezes são comercializadas nos mesmos locais, mas o papel do símbolo em cada uma delas é diferente. 

Algo parecido se pode dizer sobre a diferença com a Economia da Experiência, muitas vezes também incluída na Economia Criativa, o que acaba deixando o conceito tão amplo, que se esvazia e deixa de ser útil. Por outro lado, criatividade é uma faculdade da espécie humana, não é o patrimônio de um único setor econômico. Tampouco podemos estabelecer uma graduação artificial das atividades econômicas, afirmando que umas são mais e outras menos criativas, como alguns tentaram.  

O Distrito Criativo de Porto Alegre é “criativo” no nome por ser mais de 50% Economia Criativa, o que inclui artistas (pintores, escultores, poetas, atores, dançarinos, bonequeiros, etc.), galerias de arte, antiquários, escritórios de design, de arquitetura, moda, lojas de decoração, brechós, etc. Mas é um mix de atividades, é também Economia do Conhecimento, com escolas de dança, artes visuais, decoração, teatro, cursos, consultorias, produtores de conteúdo, etc. E é também Economia da Experiência, especialmente nos segmentos Gastronomia (restaurantes, bares, cafeterias, confeitarias, etc.) e Turismo (hotéis e hostels). Essas são definições de lista, insuficientes, mas em breve, vou lançar um vídeo longo em meu canal do YouTube com as definições operacionais que utilizo, para quem se interessar em aprofundar.

A grande confusão sobre o que é ou o que não é Economia Criativa se deve, em minha opinião, a sua origem, enquanto proposta de uma política pública de desenvolvimento, durante o Governo Blair, a partir de 1998, na Grã-Bretanha. Tomando como ponto de partida apenas uma lista de atividades heterogêneas, conceitualmente vaga, tentando dar uma cara modernizante a sua administração e enfatizando demasiadamente o aspecto econômico da sua participação total no PIB, influenciou muito as políticas posteriores em outros países. 

Economia Criativa tornou-se um conceito tão amplo e difícil de definir justamente porque não se quer definir, se quer deixar o mais aberto possível, porque isso gera mais dividendos políticos. Falar de Economia Criativa e defendê-la é falar desde o artista até o programador, o engenheiro ambiental, tecnologia, inovação, mobilidade, e um longo etc., todo um “admirável mundo novo”, que os governos gostam de apresentar a seus eleitores. A falta de limites da noção permite que qualquer governo crie qualquer política pública e consiga associá-la de alguma maneira à etiqueta “Economia Criativa”, e assim se apresentar como modernizante, atualizado, “inovador”, para utilizar outro slogan.

A verdade da Economia Criativa real é outra. Sem dúvida, mesmo no sentido estrito que utilizo, temos segmentos muito potentes economicamente, como Publicidade e Propaganda, o setor audiovisual, moda, parte do mercado editorial, ou mesmo grandes escritórios de arquitetura. Mas se as atividades da Economia Criativa têm, além de seu valor cultural intrínseco, que nunca deve ser esquecido, um papel no desenvolvimento econômico e na diminuição das desigualdades sociais, em primeiro lugar, as políticas públicas não podem ser orientadas para os seus segmentos que apresentam um maior peso econômico. 

Sustentabilidade

Governos muitas vezes nesta área apoiam justamente quem menos precisa de apoio, exatamente como faziam antes, quando beneficiavam os latifúndios, ou a grande indústria, ou os grandes bancos, e deixavam de lado os “pequenos”. No Distrito Criativo são os pequenos e médios, inclusive autônomos, MEIs, o centro da nossa política de desenvolvimento, são eles que todos os dias travam a sua luta, pessoas extremamente talentosas, enfrentando todo o tipo de dificuldade para manter-se e algumas vezes, obrigados a desistir, mudando de cidade ou estado, ou mesmo fechando definitivamente. 

Uma Economia Criativa sustentável só pode existir numa sociedade onde uma série de problemas sérios estejam sendo resolvidos, como Saúde e Educação, onde haja emprego, onde as ruas ofereçam segurança, onde haja iluminação pública com qualidade, onde uma chuva forte de poucos minutos não provoque um alagamento que invade um antiquário e faz que um tapete persa fique todo encharcado e praticamente perdido. São essas pequenas coisas básicas que os governos precisam resolver em primeiro lugar, em toda a cidade, mas especialmente em territórios com vocação criativa.

Por último, essas atividades têm um papel essencial no que se chama de Economia baseada na Criatividade, um modo de fazer as coisas no mundo pós-revolução da Tecnologia da Informação, e que alguns confundem com Economia Criativa, que é antes um segmento específico da Economia. É justamente a irradiação a partir da Economia Criativa stricto sensu, por sua capacidade de recobrir com significados todo e qualquer produto, da máquina de lavar ao ovo, que produtos e serviços deixam de ser apenas funcionais e passam a ganhar outros valores, outros significados. Um engenheiro genial pode criar o motor perfeito de uma Ferrari, mas suas formas e cores são o resultado do trabalho de um designer, que jamais obteria esse resultado se não tivesse bebido na fonte das Artes Visuais, um dos núcleos da Economia Criativa.

Se queremos um maior desenvolvimento social em Porto Alegre e no Estado, através do fenômeno contemporâneo e global da Economia baseada na Criatividade, deve haver politicas públicas de apoio à Economia Criativa, especialmente nos seus segmentos mais precários, e mais ainda em uma sociedade, como a nossa, que tem grandes deficits educacionais. Essa é a mesma estratégia necessária de apoio governamental à pesquisa básica em Ciência, independentemente do seu retorno econômico imediato, para criar produtos com melhor tecnologia, mais seguros, mais limpos e sustentáveis, como parte da Economia baseada no Conhecimento. 

Se governos tivessem realmente esses compromissos, já ajudariam muito para que os artistas e empreendedores da Economia Criativa pudessem fazer o que eles sabem melhor, que é oferecer produtos e serviços simbólicos, que vão constituir a nossa identidade, vão dar forma aos nossos sonhos e esperanças para uma vida humana que vale a pena ser vivida.


Jorge Piqué é Professor de Língua e Literatura Grega Antiga, com graduação e mestrado pela USP. Trabalhou como professor na Universidade Mackenzie e na Universidade Federal do Paraná, de 1988 a 2007. Em 2012, fundou em Porto Alegre a UrbsNova, uma agência de design social e inovação, onde desenvolve projetos relacionados a mobilidade, patrimônio histórico, arte, cultura e ensino online. Em 2013, criou o Distrito Criativo de Porto Alegre (neste tour virtual, é possível conhecer todos os participantes.)

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