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Portaria da Fepam abre brecha para construção de ponte Imbé-Tramandaí sem considerar botos em extinção

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Portaria da Fepam abre brecha para construção de ponte Imbé-Tramandaí sem considerar botos em extinção

Publicada no governo Leite, norma não protege a vida animal. Fepam admite a possibilidade de dispensa de estudo de impacto ambiental para a nova ponte no litoral gaúcho

[atualização: às 14h30 de 18/01, uma frase do texto sugeria que a Fepam já fez uma avaliação preliminar do projeto da ponte, o que é impreciso. A informação foi ajustada]

Prevista para ser edificada em cima de um ecossistema que abriga botos em extinção, a nova ponte binária Imbé-Tramandaí anunciada pelo governo gaúcho em parceria com as prefeituras pode ser construída com dispensa de estudos e relatórios que avaliem seus impactos no meio ambiente, o EIA/Rima. 

A confirmação foi feita pela própria Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), responsável pelo licenciamento deste tipo de obra, ao Matinal. Questionada sobre a ameaça ambiental da obra, a Fepam admitiu a possibilidade de dispensar o projeto destas análises, conforme havia antecipado o prefeito Ique Vedovato (MDB). O objetivo é agilizar o início das obras, que terão financiamento de até R$ 40 milhões por meio de um convênio com o Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem (Daer). Com isso, o licenciamento ambiental da ponte sairia em quatro meses, no lugar dos cerca de dois anos habituais para a elaboração de um EIA/Rima.

O risco existe por conta de uma norma de 2019 da Fepam, que abre brecha para a construção de pontes sem que se considere a vida animal. Assinada pela presidente da Fundação, Marjorie Kauffmann, que é engenheira florestal, a portaria 121/2019 prevê EIA/Rima apenas para construções que interfiram na vegetação da Mata Atlântica. De acordo com o texto, o objetivo é “simplificar o licenciamento de obras de infraestrutura em estradas que não possuem licença de operação ou que estejam localizadas na divisa de municípios interligando estradas municipais”.

“Conforme a chefe de Divisão de Saneamento Ambiental da Fepam, Clarice Glufke, a portaria determina que será feito EIA nos casos de relocação, desapropriação ou supressão da Mata Atlântica em estágio avançado de regeneração. Porém, a portaria não estabelece que esses são os únicos motivos, ou seja, na avaliação técnica do empreendimento poderão ser identificados outros elementos que levem a determinação de realização de EIA/RIMA”, afirma a Fepam, em nota enviada ao Matinal.

A regra estipula que o licenciamento ambiental de pontes no estado do Rio Grande do Sul deve se dar por meio da Licença Única (LU), uma modalidade criada pelo Código Ambiental do RS aprovado em 2020. A LU abole o licenciamento ambiental tradicional, que é trifásico e compreende três licenças: prévia, de instalação e de operação, em que condicionantes ambientais são medidos a cada etapa. “A Licença Única praticamente dá um cheque em branco para que se tenha tudo na mão sem cumprir essas fases”, considera o biólogo Paulo Brack, professor da UFRGS e coordenador do Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (InGá).

Questionada por ambientalistas, a LU do código ambiental é alvo de uma Ação Direita de Inconstitucionalidade (ADI) interposta pelo Ministério Público em dezembro de 2020, que aguarda julgamento do ministro Ricardo Lewandowski no Supremo Tribunal Federal. O MP diz que a Licença Única suprime etapas importantes do licenciamento ambiental e fragiliza a proteção ao meio ambiente. A ação também mira outras três formas de licenciamento criadas pelo código sancionado por Eduardo Leite com o argumento de que nenhuma delas está prevista na legislação ambiental federal. Por lei, normas estaduais não podem ser mais flexíveis ou muito diferentes das federais. “A Licença Única é uma ‘inovação’ para agilizar empreendimentos, mas sabemos que a natureza está em uma situação cada vez mais dramática. Do ponto de vista da proteção da biodiversidade isso é preocupante. Não dá para retirar etapas desse processo”, diz Brack.

Oficialmente, a Fepam diz que irá avaliar a possibilidade de dispensa somente após a prefeitura de Imbé dar entrada no pedido de licenciamento, o que ainda não ocorreu. Ao Matinal, o prefeito de Imbé, Ique Vedovato (MDB), disse que uma consulta informal à entidade garantiu a dispensa do EIA/Rima – o município já sinalizou que em breve deve abrir uma licitação para que uma empresa seja a responsável pelos trâmites. O próprio estudo ambiental do plano funcional já realizado para as pontes, no entanto, destaca que a obra na barra de Imbé traz inúmeros riscos a espécies ameaçadas. “Quanto à fauna, o projeto Binário possui grande proximidade com a desembocadura do Rio Tramandaí. Trata-se de um local sensível para a fauna e de extrema importância ecológica. Conforme estudos, na desembocadura do Rio Tramandaí são registradas sete espécies da fauna brasileira ameaçadas de extinção: duas de peixes (Genidens barbus e Pogonias courbina), três de aves (Sterna hirundinacea, Thalasseus acuflavidus e Thalasseus maximus) e duas de mamíferos (Tursiops gephyreus [o boto-de-Lahille] e Ctenomys flamarioni)”, destaca o documento.

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