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Cobertura vacinal de gestantes no RS está abaixo da meta – e não é de hoje

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Cobertura vacinal de gestantes no RS está abaixo da meta – e não é de hoje Gestantes devem receber, além da dupla adulta e da tríplice acelular, doses contra hepatite B, gripe e covid-19 (Foto: Cristine Rochol/PMPA)

Índices são baixos desde antes da pandemia e acompanham cenário nacional

Essenciais para melhorar a saúde pré-natal, as vacinas em gestantes têm uma cobertura bem aquém do esperado pelo Ministério da Saúde. Embora a meta seja de 95%, em 2022 apenas 12% das gestantes brasileiras estão imunizadas com a “dupla adulta”, que previne difteria e tétano, enquanto 30% receberam a chamada “tríplice acelular gestante (dTpa)”, que previne difteria, tétano e coqueluche acelular. Essas são vacinas recomendadas pela Sociedade Brasileira de Imunização (SBIm).

A cobertura vacinal, entretanto, há pelo menos dez anos não passa nem perto da meta: as maiores coberturas aconteceram em 2013 para a chamada “dupla adulta” (50%), enquanto o melhor índice de imunização para a dTpa aconteceu em 2019, com 63%. No Rio Grande do Sul, as taxas de cobertura vacinal de mulheres gestantes são parecidas com os números nacionais. Em 2022, 29% delas receberam a vacina dTpa gestante, enquanto apenas 11% foram imunizadas com ambas as vacinas.

De acordo com a assessoria de imprensa da Secretaria Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul, os planos e ações de vacinação são definidos a nível municipal, considerando a realidade de cada cidade. “Cada município desenvolve suas estratégias diante das necessidades e da estrutura disponível. Tem municípios com índices de vacinação acima de 100%, outros bem abaixo das metas. São os serviços municipais de saúde que avaliam seu desempenho e definem suas estratégias”, informa a assessoria. No site da SES, há a publicação de um plano de vacinação para a covid-19 e o acompanhamento das ações deste tipo de imunização a nível estadual, mas não há plano estadual de vacinação para outros tipos de imunizantes.

A proteção e os desafios da desinformação

De acordo com o calendário de vacinação da gestante da SBIm, além da dupla adulta e da tríplice acelular, as gestantes precisam ser imunizadas contra hepatite B, gripe (influenza) e covid-19. O médico obstetra Rodolfo Pacagnella, presidente da Comissão Nacional Especializada de Mortalidade Materna da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia), observa que a vacinação serve para proteger as gestantes de doenças graves e proporcionar anticorpos para os fetos. “Uma gestante morrer de uma doença infecciosa que pode ser evitada pela vacina é algo inadmissível nos dias de hoje”, afirma. É importante, aponta Pacagnella, que a vacinação seja feita durante a gestação para que o sistema imunológico possa produzir anticorpos específicos, que são somados àqueles proporcionados pelos imunizantes aplicados no primeiro ano de vida — pólio, pneumocócicas e meningocócicas conjugadas, BCG, influenza, rotavírus, hepatite B e a dTpa. Para saber mais sobre a vacinação infantil, acesse os calendários de vacinação da SBIm.

O médico observa, porém, que o crescimento da desinformação sobre saúde com a pandemia dificulta o cumprimento das metas. “Tem havido uma onda de contestação de vacinas, geralmente infundada, desde antes da pandemia. Essa desinformação gera como consequência uma hesitação por parte de mulheres e de famílias em se vacinar e em imunizar os filhos por achar que não é importante ou que pode fazer mal”, declara.

Para a pesquisadora Taís Seibt, professora na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e pesquisadora da desinformação, fact-checking e educação midiática, no caso das vacinas, o impacto da desinformação é concreto. “Já era uma preocupação da OMS desde antes da pandemia, a relutância à vacinação era uma das ameaças listadas pela organização a ser combatida em 2019”, lembra. Algumas das mentiras associam os imunizantes a efeitos adversos graves e teorias conspiratórias sobre a indústria farmacêutica. “A desinformação lida com forte apelo emocional, mexe com instintos, portanto o apelo do medo, do risco à sobrevivência está presente em muitas dessas mensagens”, explica.

A falta de campanhas de divulgação em massa durante o governo Jair Bolsonaro (PL) também contribui para o problema, segundo Juliana Ramalho, especialista em Saúde da Família e Comunidade pela Escola Superior de Ciências da Saúde (ESCS) e coordenadora de projetos e Saúde Pública na ImpulsoGov. Isso faz com que prevaleça o medo de afetar a saúde do bebê e seja criada uma confusão com  os imunizantes contra indicados. Um exemplo é a confusão entre a tríplice viral (sarampo, caxumba e rubéola) – que não deve ser aplicada na gestação – e a tríplice bacteriana acelular do tipo adulto, a dTpa (difteria, tétano e coqueluche) – que é indicada para vacinação em gestantes. “Elas são muito parecidas. Se você não lembra o que o médico particular disse para tomar e vai pesquisar, tem duas tríplices, e o que você faz? Não toma nenhuma porque não sabe qual é”, exemplifica Ramalho. 

“A gestante está gerando uma nova vida, ela está desenvolvendo um ser, ela precisa estar muito informada. Nós não temos a cultura de explicar para a gestante o que é uma vacina de vírus atenuado, quais os diferentes tipos de vacinas e o que vai causar de reação”, observa. Bombardeadas por mentiras sobre vacinas, as gestantes acabam por hesitar. “Quando você tem pouca informação, abre um leque muito grande para as pessoas tomarem decisões com base no que acreditam e pesquisam na internet, e em uma era de fake news, a internet está bombardeada delas”, frisa a especialista.  

O gargalo da vacinação de gestantes

Embora a adesão à vacinação seja baixa, a cobertura de pré-natal brasileira é alta: “Ela [a gestante] tem que ir para uma unidade de saúde pelo menos uma vez por mês, e hoje, cerca de 95% das mulheres que dão à luz no Brasil fazem pré-natal com mais de quatro consultas”, afirma Pacagnella. O docente destaca que o Brasil tem uma estrutura de vacinação exemplar, mas que parte dos profissionais de saúde precisam estar mais atentos à qualidade do pré-natal que fazem. 

Ramalho enfatiza que, apesar da boa adesão ao pré-natal na adesão primária, muitas gestantes optam por realizar o acompanhamento em clínicas particulares. “Muitas delas não estão na atenção primária, e eu vejo pela minha experiência que é ali que se consegue fazer com que as gestantes cumpram o calendário vacinal de forma mais efetiva”, explica. Além disso, há as questões de fluxo de acompanhamento e de logística: quando o pré-natal é feito em médicos particulares ou de planos, é preciso se deslocar para as consultas, os exames e a vacinação, enquanto nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) essas atividades são realizadas no mesmo lugar e no mesmo momento.

A estrutura descentralizada também contribui para o gargalo, segundo a especialista. O acompanhamento pré-natal passa muito pela atuação da medicina e enfermagem. Já a vacinação requer uma estrutura de salas de vacinas equipadas com câmaras frias e central de distribuição dos imunizantes. Em municípios menores e em periferias, nem sempre essa estrutura está presente. “Temos capitais e centros mais desenvolvidos em que as unidades são equipadas com consultórios, equipes de saúde, salas de vacinação, consultório odontológico. Mas também temos unidades que não têm sala de vacina e que a população tem que fazer esse movimento em busca dos atendimentos”, ilustra Ramalho. 

Esse problema está relacionado ao subfinanciamento do sistema de saúde pela União. De acordo com o Boletim de Monitoramento do Orçamento da Saúde, do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) e da Umane, que analisa os orçamentos em saúde do Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) 2022 e 2023, o investimento em saúde para estes períodos, no Brasil, tem uma queda de 32%. 

“O município vai usar o financiamento em questões prioritárias. Ao invés de construir uma sala de vacina, se ele sabe que tem um município ao lado que tem, ele vai investir em contratar um médico, em construir um consultório para receber mais um médico”, aponta Ramalho. Ela evidencia que ampliar o financiamento e os repasses federais para a atenção básica são caminhos para a resolução desse gargalo, além do aumento de campanhas informativas sobre vacinação.

Quais vacinas as gestantes devem tomar e quais doenças previnem?

Hepatite B: deve ser administrada em gestantes que não foram anteriormente vacinadas contra a hepatite B. Precisam tomar três doses: duas logo no início da gestação (zero e um mês) e a terceira no sexto mês de gravidez. Esta vacina é gratuita e está disponível em toda a rede pública de saúde, mas não nas clínicas privadas. A hepatite B é uma doença infecciosa que compromete o fígado por meio de inflamações, e pode ser letal. A fase crônica da doença ocorre em menos de 5%, mas o número sobe para 90% quando há transmissão para recém-nascidos no parto.

Tríplice Bacteriana Acelular do tipo Adulta (dTpa): deve ser administrada a partir da 20ª semana de gestação, e tem como público-alvo tanto gestantes que já foram vacinadas com três doses ou aquelas que não foram vacinadas ou têm esquema incompleto. É recomendada porque, além de proteger a gestante, evita transmissão ao feto. Como são acelulares 0151 ou seja, são desenvolvidas por meio de partes dos vírus ou bactérias — têm menos reações adversas. Estão disponíveis nas redes pública e privada.

A vacina previne infecções contagiosas como coqueluche, cujos sintomas são crises de tosse seca intercaladas com inalação de ar, e que é a quinta doença que mais mata crianças no Brasil, segundo dados da Febrasgo; difteria, que causa placas na garganta e dificuldades de respiração; e tétano, que provoca espasmos musculares e é causada por contato com objetos contaminados.

Influenza: é administrada uma vez por ano, e o público alvo é geral. Em situações epidemiológicas de risco, como a pandemia de covid-19, pode ser aplicada uma segunda dose três vezes após a dose anual. A gripe aumenta o risco de prematuridade e alguns tipos de influenza, como a H1N1, podem levar ao óbito.

Covid-19: doença respiratória altamente contagiosa provocada pelo coronavírus. Gestantes e puérperas são grupo prioritário na imunização. A administração é feita em duas doses e pelo menos uma de reforço, dependendo da faixa etária da gestante. 

* Sob orientação de Luís Felipe dos Santos, mentor no curso InfoVacina da Agência Bori.

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