Reportagem

Entenda a polêmica sobre o Código de Ética da Prefeitura de Porto Alegre

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Entenda a polêmica sobre o Código de Ética da Prefeitura de Porto Alegre Gestão Melo propôs atualização do Código de Ética | Foto: Mateus Raugust/PMPA

Chamado de “decreto da mordaça” pelo Simpa, documento deverá ter prazo postergado para assinatura de servidores. Secretário afirma que se trata apenas de uma atualização do estatuto do servidor

[Correção: a reportagem foi alterada no dia 21 de setembro para corrigir informações sobre a ação movida pela Astec]

Documento que vem causando controvérsia entre a Prefeitura de Porto Alegre e seus funcionários, o novo código de ética apresentado aos servidores públicos da Capital deve gerar mais discussão nesta semana, quando originalmente venceria o prazo para que os servidores o assinassem. Porém, após protestos de entidades trabalhistas, a nova data limite deve ser estendida por mais 30 dias, segundo antecipou à reportagem do Matinal Gustavo Ferenci, secretário municipal de Transparência e Controladoria (SMTC).

Apresentado em junho aos trabalhadores do município por meio do Decreto 21.071/21, o Código de Ética, de Conduta e de Integridade dos Agentes Públicos e da Alta Administração do Município de Porto Alegre vem causando polêmica por um trecho sobre postagens em redes sociais, no capítulo em que trata das “condutas éticas” dos agentes públicos. No início do mês, reportagem do Sul21 mostrou que o Simpa orientou a categoria a não assinar o termo de adesão ao código, que chamou de “decreto da mordaça”.

A polêmica se dá, em grande parte, por dois motivos. O primeiro é que os servidores públicos de Porto Alegre já respondem ao Estatuto dos Funcionários Públicos do Município de Porto Alegre, definido pela Lei Complementar nº 133, de 1985 – quando, vale lembrar, não existia o conceito de redes sociais. O segundo, mais específico, diz respeito a um inciso que diz que o servidor deve “zelar para que a publicação de opinião pessoal nas redes sociais e em mídias alternativas não resultem em prejuízos à imagem institucional do Município, bem como a de seus agentes públicos”.

Os trabalhadores tiveram acesso a este documento no sistema de RH e, em alguns casos, receberam o texto impresso. Um Termo de Adesão e Compromisso anexado ao documento indicava o prazo de 15 de setembro para assinatura – se o documento não é assinado, o servidor terá seu caso enviado à Corregedoria-Geral do Município. Até a semana passada, segundo registros do Simpa, o termo impresso havia sido entregue a servidores da Saúde, do DMAE, da rede de ensino e da Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc). 

De acordo com Ferenci, uma reunião com o procurador-geral do município, Roberto Silva da Rocha, definiu que o prazo deve ser prorrogado para que o debate possa ser aprofundado com a classe trabalhadora, mas o Simpa afirma não ter recebido contato da pasta. O secretário acredita que a polêmica é injustificada, argumenta que a intenção não é cercear o direito de expressão dos servidores e abre possibilidade de mudar o texto do código:

“Identificou-se uma necessidade de atualização do código de 1985, porque naquela época não existiam redes sociais. É uma questão muito óbvia, é só um ajuste. Não significa que o servidor não pode criticar o prefeito, mas que não pode atacar a instituição. Talvez tenha faltado oportunidade de explicar melhor o código, não precisava de toda essa polêmica. O mea-culpa que faço é que a gente poderia ter divulgado melhor. Vou sentar com o Simpa e conversar. Não vi nada que me convencesse de que é uma ‘lei da mordaça’. Se me convencerem, não vejo por que não mudar”, avalia o secretário.

Um dos argumentos dos servidores é que o Estatuto dos Funcionários Públicos de Porto Alegre já trata sobre os deveres deste tipo de trabalhador. Neste documento, consta, por exemplo, que é dever do funcionário “tratar com urbanidade as partes, (…) sem preferências pessoais”, “ser leal às instituições (…) a que servir” e “respeitar seus superiores hierárquicos e acatar suas ordens, exceto quando manifestamente ilegais”, além de proibir “referir-se de modo depreciativo, em informação, parecer ou despacho, às autoridades (…) da administração pública municipal, podendo porém, em trabalho assinado, criticá-los do ponto de vista doutrinário ou da organização do serviço”. O secretário diz que se chegou à conclusão de que não era necessário fazer os ajustes via lei, mas que, se a Justiça entender assim, um projeto de lei pode ser enviado à Câmara de Vereadores. Para o Simpa, o texto do Estatuto já regula o serviço público de forma satisfatória.

“É inconstitucional, isso que o prefeito Sebastião Melo está impondo aos servidores, que é, no mínimo, o cerceamento à liberdade de expressão. É claro que não posso me dirigir ao prefeito diretamente de forma desrespeitosa, caluniosa, mentirosa, isso está escrito no Estatuto do Funcionário Público. Mas eu posso dizer o que eu acho do Melo agora, à vontade, e duvido que alguém consiga me enquadrar em algum código por conta disso”, avalia a diretora de comunicação do Simpa, Cindi Regina Sandri.

Legalmente, a questão também é discutida. De acordo com a SMTC, não há punição prevista ao servidor que não assinar o Termo de Adesão, apenas as punições previstas em relação às ações contidas no Código de Conduta e Ética. Para o advogado Felipe Carmona, presidente da Associação Gaúcha dos Advogados Trabalhistas (Agetra), o decreto é uma prerrogativa do prefeito, mas a atualização pode ser entendida como uma mudança de contrato durante a sua vigência. Além disso, argumenta que o texto do código não deixa claro o que é uma “publicação de opinião pessoal nas redes sociais”.

“Juridicamente falando, é absurdo. Se existe um contrato, ele tem que ser bilateral. O prefeito determinou um decreto e disse que os servidores devem assinar. Do ponto de vista legal, não pode. Com relação à conduta ética dos servidores, isso deve ser observado no dever dele, e não na questão pessoal. O texto pode trazer uma subjetividade na interpretação de quem vai aplicar essas censuras”, diz o jurista.

Levado à Justiça, caso foi vencido pela Prefeitura

Em agosto, a Associação dos Técnicos de Nível Superior do Município de Porto Alegre (Astec) entrou com uma ação civil pública pedindo a nulidade do decreto e a suspensão, em caráter liminar, da exigência de assinatura ao termo de adesão. A liminar foi negada pela juíza Marilei Lacerda Mensa, da 7ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre, mas a Astec entrou com recurso. O processo segue em curso. 

Na ação, a Astec alega que o Estatuto dos Funcionários Públicos já dispõe sobre os deveres dos servidores, que o decreto afronta a liberdade de expressão e que não há nenhuma lei dispondo sobre as possíveis penalidades para quem não assinar o termo, além de outros argumentos. 

Na decisão acerca do termo de adesão, a magistrada argumentou que “não é dado aos servidores a recusa de observar e seguir atos exarados pela Administração Pública, ante supremacia do interesse público pelo privado” e que não há ilegalidade na exigência de assinatura de um termo de adesão, “uma demonstração formal da cientificação dos servidores públicos quanto aos termos do Código de Ética”.

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