Reportagem

Fim dos cobradores de ônibus em Porto Alegre é aprovado

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Fim dos cobradores de ônibus em Porto Alegre é aprovado Sessão ordinária que aprovou extinção dos cobradores foi longa e tumultuada | Foto: Ederson Nunes / CMPA

Tumultuada, sessão começou com manobra do Executivo e teve de empurra-empurra a denúncia de assédio

A Câmara de Vereadores de Porto Alegre aprovou nesta quarta-feira, por 21 votos a 12, o projeto de lei da prefeitura que prevê o fim da função de cobrador nos ônibus da Capital até 2026. O debate, que começou às 14h, durou quase até meia-noite e foi marcado pelo clima de tensão entre vereadores e representantes sindicais.

O projeto aprovado prevê a extinção gradual dos cobradores, começando por profissionais que trabalham das 22h às 4h. A extinção total deve acontecer até 1º de janeiro de 2026, em paralelo a cursos de qualificação e recolocação dos profissionais no mercado. O tema não é novo e chegou a ser debatido na Câmara no ano passado. Na ocasião, proposta da gestão de Nelson Marchezan previa o fim da obrigatoriedade destes profissionais no transporte público. Acabou rejeitado. 

Com uma base mais concisa, a gestão atual conseguiu aprovar. “O programa de extinção gradativa da função de cobrador é o primeiro projeto aprovado do conjunto de medidas que propusemos para modernizar o sistema e enfrentar a crise do transporte coletivo. Não será uma medida isolada que resolverá o problema. Seguiremos defendendo as mudanças para que ganhe o cidadão usuário do transporte coletivo”, afirmou o prefeito Sebastião Melo (MDB) em suas redes sociais, logo após o fim da votação.

A sessão registrou, desde o início, conflitos. Vereadores de oposição e trabalhadores do transporte não esperavam que a matéria entrasse na ordem do dia, o que só foi possível graças a um requerimento da vereadora e vice-líder do governo Comandante Nádia (DEM). A reviravolta desagradou representantes dos rodoviários, que tentaram entrar no plenário e foram impedidos pela Guarda Municipal, que precisou usar spray de pimenta. 

Extinção ocorrerá ao longo dos próximos quatro anos

De autoria do Executivo, o projeto de lei nº 016/2021 prevê o fim gradativo da função de cobrador nos ônibus da Capital. Os argumentos da Prefeitura dão conta de que os custos das empresas com pessoal, como cobradores e motoristas, chegam a 48% – e que a disseminação do uso do TRI, em detrimento do dinheiro em espécie, diminui a necessidade do cargo de cobrador. 

Com a medida, estima-se que a passagem teria uma redução de R$ 0,75, ou 15,36%. Se valesse hoje, faria com que a passagem caísse dos atuais R$ 4,55 para R$ 3,80.

Melo, ao comemorar a aprovação, explicou que a extinção dos cobradores ocorrerá a partir da não reposição na rescisão do contrato por iniciativa do trabalhador, despedida por justa causa, aposentadoria, falecimento e interrupção ou suspensão do contrato. Ao grupo, segundo a Prefeitura, será dada a oportunidade de reinserção no mercado, a partir de uma parceria com o Ciergs para cursos no Senai.

O texto aprovado nesta quarta é parte de um debate amplo lançado por Melo em relação à mobilidade urbana, a extinção dos cobradores foi pautada ao lado dos projetos de desestatização da Carris e de redução das isenções tarifárias. 

Oito em cada dez passageiros utilizam o Cartão TRI

De acordo com a Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC), o total de usuários que utilizam o TRI para pagar o transporte é de 79,39% do total de passageiros – média que variou pouco nos últimos três anos. Entre aqueles que preferem o pagamento em espécie, a média mensal em 2021 é de 20,6%.

A diminuição no número de passageiros transportados em Porto Alegre também é uma realidade. Em agosto deste ano, a média de passageiros transportados em dias úteis foi de 420.293, enquanto a média de um dia útil típico em 2019 foi de 836.441 passageiros – uma redução, portanto, de quase metade dos usuários em dois anos. Os dados são do Observatório de Mobilidade da EPTC.

A aprovação do projeto, segundo a Prefeitura, visa a “qualificação do serviço e à modicidade tarifária (ou seja, a manutenção de um preço baixo)” e a “implementação gradual de meios eletrônicos de cobrança de tarifa”, com “ações que viabilizem a transposição dos cobradores para outros mercados de trabalho”.

O Sindicato dos Trabalhadores de Transporte Rodoviário de Porto Alegre (Stetpoa) estima que haja em Porto Alegre atualmente cerca de 2,6 mil cobradores de ônibus, que ganham, em média, um salário de R$ 1,6 mil. 

Líder da oposição, o vereador Pedro Ruas (PSOL) argumentou em plenário que o projeto “é desnecessário, cruel, e não faz a menor diferença na tarifa”: “O impacto tarifário se dá pela frota reserva fictícia, que nem existe fisicamente, e pela taxa de lucro dos empresários. Isso é o que impacta a tarifa de ônibus, e não salário de cobrador”.

Sessão foi marcada por tensão, spray de pimenta, denúncia de assédio e manobras

Rodoviários e agentes da Guarda Municipal entraram em confronto logo no início da sessão | Foto: Ederson Nunes / CMPA

Desde o primeiro momento da sessão, por volta das 14h, o ambiente na Câmara de Vereadores foi tenso. Antes de o projeto entrar na ordem do dia, trabalhadores e membros sindicais das empresas de transporte entraram em conflito com guardas municipais ao tentarem ingressar no plenário. O tumulto teve de troca de ofensas a empurrões, palavras de ordem e uso de spray de pimenta. Pelo menos um profissional ficou ferido e precisou ser encaminhado ao ambulatório da Câmara.

“Eu fui o mais atingido, não consegui ficar lá, até porque não consigo enxergar nada”, afirmou Sandro Abbáde, presidente do Stetpoa, em entrevista ao Matinal enquanto era atendido na sede do Sindicato. O presidente da Associação Única dos Rodoviários Aposentados (AURA), Sérgio Vieira, também afirmou ter sido atingido durante a confusão, em entrevista a GZH.

O protesto dos servidores gerou uma suspensão dos trabalhos por volta das 15h, mas a sessão foi retomada após alguns minutos. As demandas dos rodoviários, então, ganharam eco em discursos da oposição, que lembrou que o prefeito Sebastião Melo havia prometido, na segunda-feira da semana passada, 10 dias para que os projetos envolvendo mobilidade urbana fossem debatidos. 

O vereador Aldacir Oliboni (PT) recordou que o prazo se encerraria somente na quinta-feira. Já a vereadora Daiana Santos (PCdoB) afirmou que uma reunião entre os líderes da Câmara, na manhã antes da sessão, havia estipulado que o debate sobre o fim dos cobradores não se daria naquele dia: “É o fim daquilo que poderíamos chamar de confiança. Isso é um golpe, e um golpe muito baixo, não somente em nós vereadores, que colocamos a palavra e a confiança como parte importante desta construção, mas um golpe na população, no trabalhador e na democracia”, criticou a vereadora na tribuna.

Em conversa com o Matinal ainda durante a sessão, o vereador Idenir Cecchim (MDB), líder do governo Melo na Câmara e presidente interino da Casa, devido à licença do titular Márcio Bins Ely (PDT), rechaçou as críticas e garantiu a votação: “O que havia sido acordado era de que não entraria em votação a (desestatização da) Carris. Nem que a gente fique até a meia-noite aqui, vamos votar (a extinção dos cobradores)”.

Denúncia de assédio

Em meio ao debate, a vereadora Bruna Rodrigues (PCdoB) denunciou um caso de assédio moral no plenário: segundo ela, o vereador Alexandre Bobadra (PSL) teria dito que a parlamentar “sente tesão” por ele e, por isso, estaria lhe direcionando críticas. A denúncia causou revolta e solidariedade de vereadores aliados e adversários de Rodrigues na Câmara, como Pedro Ruas (PSOL), Laura Sito (PT) e Claudio Janta (SD).

Ainda durante a tarde, a oposição tentou aprovar requerimentos para que a discussão fosse adiada por duas sessões, mas a proposta foi rejeitada em plenário, o que garantiu que a votação fosse feita. O vereador Cassiá Carpes (PP) comemorou a medida e aproveitou para se dirigir a quem protestava na Câmara durante o debate: “Na raiva, na força, não vai. Na educação, nós podemos discutir emendas para melhorar”. Também durante a votação, a presença do secretário municipal de Mobilidade Urbana, Luiz Fernando Zachia, deu ideia da importância do projeto discutido. 

Em emendas, vereadores abordam funções além da cobrança de passagem, como auxílio a pessoas com deficiências e idosos

Um dos argumentos contrários mais presentes nos discursos de vereadores de oposição diz respeito a funções periféricas dos cobradores: repressão a assédios e assaltos dentro dos ônibus, auxílio na entrada e saída de pessoas com deficiência e suporte a idosos e crianças foram alguns dos casos relatados em plenário.

Emendas ao projeto foram aprovadas para tratar desse problema: uma prevê a realização de estudos técnicos para a inclusão de um auxiliar que dê suporte a passageiros idosos, deficientes físicos, gestantes e crianças, enquanto outro delega ao Executivo decidir pela manutenção de profissional responsável no atendimento e auxílio de pessoas com deficiência para ingresso nos veículos adaptados.

Na quinta-feira, o ambiente de tensão envolvendo os rodoviários deve continuar: vereadores de oposição falaram, durante todo o dia, sobre uma possível greve dos funcionários a partir de uma aprovação do projeto. Abbade, presidente do Stetpoa, não acredita na possibilidade: “Estamos nos organizando desde a semana passada, mas a comissão de funcionários da Carris roeu a corda. Vamos esperar, ver se as emendas aliviam o impacto e, depois, vamos nos reunir novamente para ver qual será o entendimento”, afirmou.

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