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Com aumento de tarifa no horizonte, entidade aponta falta de incentivos para sobrevivência das lotações na Capital

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Com aumento de tarifa no horizonte, entidade aponta falta de incentivos para sobrevivência das lotações na Capital Texto aprovado pela Câmara estabelece que a tarifa das lotações custe, no mínimo, 40% a mais que a dos ônibus (Foto: Tiago Medina)

Prefeitura e Associação dos Transportadores de Passageiros por Lotação de Porto Alegre (ATL) discutem alternativas para o modal, pressionado pela concorrência com aplicativos e encarecimento de insumos; tarifa deve aumentar nas próximas semanas

Uma das justificativas do projeto da Prefeitura aprovado no dia 22 de junho na Câmara Municipal e que estabelece um novo piso para o cálculo da tarifa da lotação é manter o serviço vivo. Acontece que a sustentabilidade deste tipo de transporte em Porto Alegre passa por outros fatores, alguns dos quais demandam negociações entre permissionários e poder público. 

O texto aprovado pela Câmara estabelece que a tarifa das lotações custe, no mínimo, 40% a mais que a dos ônibus e não define um limite de teto para o novo preço – que precisa ser aprovado pela Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC). Até ser sancionada a nova norma, a regra é que a passagem no transporte seletivo custe entre 1,4 e 1,5 a mais que a dos ônibus – hoje os R$ 7 das lotações equivalem a 1,45 dos R$ 4,80 cobrados nos ônibus. O texto original enviado pelo Executivo reduzia ainda mais o piso da tarifa, que encareceria apenas 20% em relação aos coletivos. Só que uma emenda do vereador Cláudio Janta (SD) elevou para 1,4, e assim foi aprovado. 

A demanda por um valor mais próximo ao do transporte coletivo é antiga. Mas ela caducou com o passar do tempo, com a falta de incentivos para o setor e o progressivo encarecimento de insumos. Inclusive, o presidente da Associação dos Transportadores de Passageiros por Lotação de Porto Alegre (ATL), Magnus Isse, afirmou que a entidade irá solicitar em breve um aumento para R$ 8 na tarifa – desde 2021, ela custa R$ 7. 

O principal vilão do momento, segundo Isse, é o custo do diesel. “Em novembro (de 2021), nós pagávamos R$ 14, R$ 15 mil a carga (cerca de 5 mil litros do combustível), hoje é R$ 35 mil”, comparou. “Isso tornou inviável o sistema. O diesel está representando entre 45% e 55% do faturamento da empresa. Ele era muito inferior ao valor da gasolina e hoje é superior”, citou.

Com os aumentos recentes em todo o País, pela primeira vez o preço do diesel superou o da gasolina nos postos no fim de junho, de acordo com a ANP, considerando o início da série histórica do levantamento, em 2004. Com as mudanças na legislação sobre o ICMS, o valor dos combustíveis tende a cair nos próximos dias. A solicitação de reajuste para R$ 8, ainda assim, segue nos planos da ATL.

“Muitos pênaltis”

No entanto, a bronca não é só essa. Para Isse, o sistema das lotações vem “sofrendo alguns pênaltis” há quase uma década. De 2013 pra cá, a Prefeitura isentou os ônibus de ISSQN, retirou a taxa de gerenciamento da EPTC e, mais recentemente, passou a subsidiar parte da tarifa. “Não temos nenhum benefício”, reclamou Isse. “Ficou muito difícil o sistema lotação na comparação com o ônibus, além da concorrência com os aplicativos.”

O cenário complicado foi somado à pandemia, que reduziu drasticamente a mobilidade entre 2020 e 2021, e fez com que o sistema de lotações encolhesse. Se até 2019 havia 40 linhas circulando pelas ruas da Capital, hoje há 21. O número de passageiros, tal como no transporte público, também caiu e o patamar anterior à covid não foi recuperado – algo que, na previsão do dirigente, ainda deve levar um ano ou dois. “Muitos carros estão paralisados por não ter serviço. Não vale a pena colocar todos os carros trabalhando”, contou ele, contrário às medidas de restrição adotadas no começo da pandemia.  

Apesar das críticas, Magnus Isse vê disposição de diálogo na Prefeitura para resolver o problema das lotações. Conforme ele, há reuniões periódicas neste sentido discutindo possíveis ações – que ele não quis adiantar à reportagem. “Estamos pedindo atualizações nas linhas, queremos aperfeiçoar sistema de bilhetagem. Há uma série de coisas que estamos estudando”, limitou-se a dizer o presidente da ATL.

Isse acredita que, para que sobrevivam, as lotações deveriam ser reduzidas neste momento. Para ele, apesar das dificuldades, o sistema tem futuro, e aposta na fidelidade de seus clientes: “Temos um passageiro cativo, pessoas que, se o sistema lotação acabasse, não iriam de ônibus. Nosso passageiro é de 55% a 60% mulheres, e de 15 a 20% ‘pessoas de idade’, que não pagariam o ônibus, mas preferem andar com a gente”, descreveu. 

Alternativa a transporte por aplicativos

Do lado da Prefeitura, o secretário-adjunto de Mobilidade Urbana, Matheus Ayres, afirma que as lotações são uma opção importante para a cidade “como uma solução de mobilidade, tanto micromobilidade, como grandes distâncias”. “Além disso, substitui muito bem os carros de aplicativos”, acrescenta. Contudo, reconhece que o modal não está no topo de prioridades da gestão atual. O primeiro movimento do governo Melo na área, salienta, foi com relação aos ônibus, no que resultou no programa +Transporte, apresentado em abril. Com o projeto dos ônibus já implementado, a secretaria passa a olhar para outros modais, inclusive para a lotação. Além do projeto aprovado em junho, tramita na Câmara, desde abril, outra proposta, isentando o ISSQN do serviço por dois anos.

O secretário-adjunto fala na possibilidade de, futuramente, ter uma tarifa “flutuante” para as lotações, com linhas mais caras e outras mais baratas. Mas logo afirma que não seria uma alternativa para breve. “Pela atual legislação, não há como ter preços variáveis”, explica, e reconhece limitações: “Existem problemas técnicos para serem resolvidos e dependem de investimentos que, para o momento, são impossíveis”.

Para Ayres, o futuro do transporte seletivo passa pela complementação das rotas atendidas hoje pelos ônibus. “A integração é uma estratégia que precisamos avançar para que as lotação possam se fortalecer como meios de mobilidade”, indicou ele. “A lotação é uma saída para os grandes gargalos que temos na cidade”.

Pensar no coletivo

Integração é, de acordo com a gerente de Mobilidade Urbana do WRI Brasil, Cristina Albuquerque, a ação necessária para definir o futuro das lotações. “Esses diferentes modais precisam ser pensados de maneira integrada. Precisa interligar”, enfatizou ela, detalhando que, para isso, o usuário não deve ver os ônibus e as lotações como opções concorrentes nas ruas, ainda que o segundo conte com mais conforto que o primeiro. “Pensar de maneira integrada à rede de mobilidade é muito importante para o sucesso deste sistema”, resume.

De acordo com ela, é compreensível que as lotações tenham um público mais cativo, como aponta Isse. Entretanto, a especialista ressalta a importância de se pensar no coletivo e não somente para determinados estratos sociais. Isso amplia o debate para as cidades de maneira geral. “É um desafio da rede de mobilidade como um todo: oferecer viagens seguras, não importando o modal.” Isso também passa pela infraestrutura nas ruas e pontos de parada dos veículos, destaca.

Lotações sob demanda?

Outra possibilidade de futuro das lotações, na avaliação de Albuquerque, está em tornar-se um serviço de transporte coletivo sob demanda, algo que já foi implementado em algumas cidades. A solução exige tecnologia e, na prática, mescla o transporte coletivo com o uso de aplicativos. Algumas cidades do Brasil, como Fortaleza, já adotaram. Na capital cearense, o transporte sob demanda é operado pela Top Bus+. Ainda que a área de atendimento não contemple toda a cidade, o usuário pode utilizar o cartão do transporte público neste serviço.

A especialista, porém, insiste no mantra para se planejar a mobilidade urbana: “Modais precisam ser pensados de maneira integrada”.

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