Projeto que instala placas em centros de tortura em Porto Alegre aguarda renovação desde gestão Marchezan
Movimento responsável pelo Marcas da Memória queixa-se de descaso por parte das administrações do tucano e de Sebastião Melo
O projeto Marcas da Memória, que instala placas em locais que serviram como centros de tortura e repressão em Porto Alegre, tem encontrado dificuldades para renovar a parceria com o Executivo Municipal. O presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos (MJDH), Jair Krischke, fala em “descaso” do prefeito Sebastião Melo (MDB), que teria se comprometido, em reunião realizada em abril deste ano, com a restauração das 9 placas já afixadas pela cidade e com a continuidade da pesquisa por endereços utilizados para silenciar a resistência à ditadura militar.
“Pedimos audiência, e o primeiro ano [do mandato] transcorreu inteiramente sem resposta. Tivemos que nos valer do vereador Pedro Ruas (Psol), que ligou para o Melo. O prefeito disse que não sabia de nada e agendou reunião conosco para abril, onde determinou a renovação junto à Procuradoria-Geral e aos secretários de Cultura e de Direitos Humanos”, relata Krischke.
Dois meses depois da reunião, o Departamento de Patrimônio e Memória (DPM), da Secretaria de Cultura e Economia Criativa, procurou Krischke pedindo informações das placas por restaurar. A arquiteta Manuela Costa, da diretoria do DPM, visitou os locais para dimensionar as obras: “Essa vistoria foi realizada nos 9 pontos, para avaliar o estado de conservação das placas. Produzimos um relatório que está sendo revisado e vai entrar em um processo administrativo. Por enquanto, estamos em fase de avaliação do material, e a próxima fase será verificar os custos”, prevê a arquiteta.
A definição de um orçamento estaria se alongando pelo excesso de demandas do DPM e pela necessidade de cadastrar novamente o Marcas da Memória: “O projeto foi feito originalmente não com a Secretaria de Cultura, mas com a Secretaria de Desenvolvimento Social, de modo que não tínhamos esse cadastro. Para nós, foi preciso uma etapa de conhecimento desse projeto”, explica Manuela Costa.
Krischke explica que a manutenção periódica se faz necessária porque a tinta automotiva, ainda que de alta durabilidade, vai se apagando e prejudica a leitura das placas. Segundo ele, as placas de granito já afixadas “não custaram mais do que R$ 500”, mas falta atualizar os custos da renovação, cujas pesquisas correriam por conta do MJDH.
Além do desgaste da tinta, as placas estão sujeitas a atos de vandalismo. Fixada em agosto de 2015, a placa que marca o prédio da rua Santo Antônio, 600, onde funcionou o “Dopinho” (Departamento de Ordem Política e Social – Dops), chegou a ser coberta por cimento. Uma nova placa foi recolocada em abril de 2021, após acordo do Ministério Público com a moradora do imóvel.
Histórico de negociações com a prefeitura
Procurada pela reportagem, a prefeitura confirmou que irá elaborar um termo de referência para o restauro e a manutenção das peças. Já a renovação do convênio estaria sob avaliação jurídica. O Município não deu estimativa de prazo.
A cooperação técnica entre o MJDH e a prefeitura remonta a 2012, durante a administração de José Fortunati. A instalação da primeira placa, em dezembro de 2013, contou com a presença de Sebastião Melo, então vice-prefeito. “Esperamos a renovação desde a posse do Melo pela simples razão de que ele sabe exatamente do que se trata. Ele conhece perfeitamente o projeto”, lembra Krischke.
Inicialmente, previa-se que o convênio duraria dois anos, sem limite máximo para a identificação e marcação de endereços. De acordo com Krischke, a renovação teria permanecido “informal”, e o ano de 2016 ainda contou com a inauguração de novas placas. Já a administração de Nelson Marchezan Jr., a partir de 2017, teria ignorado pedidos de audiência até os últimos meses de 2020: “Ele só nos recebeu quando já estava em campanha para a reeleição. A leitura que fizemos foi de interesse eleitoreiro. Levei todos os documentos para o prefeito, ele se comprometeu em encaminhar para o setor jurídico, e o projeto lá ficou”, lamenta o presidente do MJDH.
Políticas de memória às vítimas de crimes do Estado
O Marcas da Memória objetiva formar uma cultura material de desvendamento da repressão e de violações aos direitos humanos, assinalando na paisagem urbana os locais em que a ditadura militar manteve prisões e centros de detenção, tortura e desaparecimento. A iniciativa encontra ressonância em projetos internacionais como o Stolpersteine (pedras-obstáculo, em alemão), do artista plástico berlinense Gunter Demnig, que desde o início dos anos 1990 distribui monumentos de concreto em frente aos endereços de vítimas do nazismo.
Conheça os 9 locais de Porto Alegre com placas identificadoras do Marcas da Memória:
– Rua Santo Antônio, 600, local do Departamento de Ordem Política e Social (Dops);
– Praça Raul Pilla, local do antigo quartel da 6ª Companhia de Polícia do Exército;
– Calçada em frente ao Colégio Estadual Paulo da Gama, local que serviu como presídio militar especial;
– Calçada em frente ao Palácio da Polícia, que abrigou presos políticos durante o regime militar, com ocorrência de tortura e homicídios nas salas em que funcionou o Dops;
– Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase), onde foram detidos mais de 300 presos políticos nos primeiros meses da ditadura militar;
– Em frente ao número 4.592 da avenida Bento Gonçalves, onde funcionou o quartel do 18º Regimento de Infantaria, que era conhecido como “cela do boi preto”;
– Calçada em frente ao Presídio Central, espaço para prisões arbitrárias, torturas e mortes de presos políticos;
– Calçada em frente ao Cais da Vila Assunção, no número 154 da avenida Guaíba. Na localidade, aportavam barcos que conduziram mais de uma centena de presos políticos à Ilha do Presídio;
– Presídio Feminino Madre Pelletier, onde houve brutalidade física e emocional contra mulheres que faziam militância política.