Reportagem

Projeto que instala placas em centros de tortura em Porto Alegre aguarda renovação desde gestão Marchezan

Change Size Text
Projeto que instala placas em centros de tortura em Porto Alegre aguarda renovação desde gestão Marchezan Em 2021, foi recolocada placa no antigo Dopinho, ação do Projeto Marcas da Memória (Foto: Maria Emília Portella/SMDS PMPA)

Movimento responsável pelo Marcas da Memória queixa-se de descaso por parte das administrações do tucano e de Sebastião Melo

O projeto Marcas da Memória, que instala placas em locais que serviram como centros de tortura e repressão em Porto Alegre, tem encontrado dificuldades para renovar a parceria com o Executivo Municipal. O presidente do Movimento de Justiça e Direitos Humanos (MJDH), Jair Krischke, fala em “descaso” do prefeito Sebastião Melo (MDB), que teria se comprometido, em reunião realizada em abril deste ano, com a restauração das 9 placas já afixadas pela cidade e com a continuidade da pesquisa por endereços utilizados para silenciar a resistência à ditadura militar.

“Pedimos audiência, e o primeiro ano [do mandato] transcorreu inteiramente sem resposta. Tivemos que nos valer do vereador Pedro Ruas (Psol), que ligou para o Melo. O prefeito disse que não sabia de nada e agendou reunião conosco para abril, onde determinou a renovação junto à Procuradoria-Geral e aos secretários de Cultura e de Direitos Humanos”, relata Krischke.

Dois meses depois da reunião, o Departamento de Patrimônio e Memória (DPM), da Secretaria de Cultura e Economia Criativa, procurou Krischke pedindo informações das placas por restaurar. A arquiteta Manuela Costa, da diretoria do DPM, visitou os locais para dimensionar as obras: “Essa vistoria foi realizada nos 9 pontos, para avaliar o estado de conservação das placas. Produzimos um relatório que está sendo revisado e vai entrar em um processo administrativo. Por enquanto, estamos em fase de avaliação do material, e a próxima fase será verificar os custos”, prevê a arquiteta.

MJDH se reuniu com o prefeito Sebastião Melo em abril (Foto: Acervo MJDH)

A definição de um orçamento estaria se alongando pelo excesso de demandas do DPM e pela necessidade de cadastrar novamente o Marcas da Memória: “O projeto foi feito originalmente não com a Secretaria de Cultura, mas com a Secretaria de Desenvolvimento Social, de modo que não tínhamos esse cadastro. Para nós, foi preciso uma etapa de conhecimento desse projeto”, explica Manuela Costa.

Krischke explica que a manutenção periódica se faz necessária porque a tinta automotiva, ainda que de alta durabilidade, vai se apagando e prejudica a leitura das placas. Segundo ele, as placas de granito já afixadas “não custaram mais do que R$ 500”, mas falta atualizar os custos da renovação, cujas pesquisas correriam por conta do MJDH.

Além do desgaste da tinta, as placas estão sujeitas a atos de vandalismo. Fixada em agosto de 2015, a placa que marca o prédio da rua Santo Antônio, 600, onde funcionou o “Dopinho” (Departamento de Ordem Política e Social – Dops), chegou a ser coberta por cimento. Uma nova placa foi recolocada em abril de 2021, após acordo do Ministério Público com a moradora do imóvel.

Histórico de negociações com a prefeitura

Procurada pela reportagem, a prefeitura confirmou que irá elaborar um termo de referência para o restauro e a manutenção das peças. Já a renovação do convênio estaria sob avaliação jurídica. O Município não deu estimativa de prazo.

A cooperação técnica entre o MJDH e a prefeitura remonta a 2012, durante a administração de José Fortunati. A instalação da primeira placa, em dezembro de 2013, contou com a presença de Sebastião Melo, então vice-prefeito. “Esperamos a renovação desde a posse do Melo pela simples razão de que ele sabe exatamente do que se trata. Ele conhece perfeitamente o projeto”, lembra Krischke.

Inicialmente, previa-se que o convênio duraria dois anos, sem limite máximo para a identificação e marcação de endereços. De acordo com Krischke, a renovação teria permanecido “informal”, e o ano de 2016 ainda contou com a inauguração de novas placas. Já a administração de Nelson Marchezan Jr., a partir de 2017, teria ignorado pedidos de audiência até os últimos meses de 2020: “Ele só nos recebeu quando já estava em campanha para a reeleição. A leitura que fizemos foi de interesse eleitoreiro. Levei todos os documentos para o prefeito, ele se comprometeu em encaminhar para o setor jurídico, e o projeto lá ficou”, lamenta o presidente do MJDH.

Políticas de memória às vítimas de crimes do Estado

Placas do projeto Stolperstein, em Berlim (Foto: Ricardo Romanoff)

O Marcas da Memória objetiva formar uma cultura material de desvendamento da repressão e de violações aos direitos humanos, assinalando na paisagem urbana os locais em que a ditadura militar manteve prisões e centros de detenção, tortura e desaparecimento. A iniciativa encontra ressonância em projetos internacionais como o Stolpersteine (pedras-obstáculo, em alemão), do artista plástico berlinense Gunter Demnig, que desde o início dos anos 1990 distribui monumentos de concreto em frente aos endereços de vítimas do nazismo.

Conheça os 9 locais de Porto Alegre com placas identificadoras do Marcas da Memória:

– Rua Santo Antônio, 600, local do Departamento de Ordem Política e Social (Dops);

– Praça Raul Pilla, local do antigo quartel da 6ª Companhia de Polícia do Exército; 

– Calçada em frente ao Colégio Estadual Paulo da Gama, local que serviu como presídio militar especial; 

– Calçada em frente ao Palácio da Polícia, que abrigou presos políticos durante o regime militar, com ocorrência de tortura e homicídios nas salas em que funcionou o Dops;

 – Fundação de Atendimento Socioeducativo (Fase), onde foram detidos mais de 300 presos políticos nos primeiros meses da ditadura militar;

 – Em frente ao número 4.592 da avenida Bento Gonçalves, onde funcionou o quartel do 18º Regimento de Infantaria, que era conhecido como “cela do boi preto”;

 – Calçada em frente ao Presídio Central, espaço para prisões arbitrárias, torturas e mortes de presos políticos; 

– Calçada em frente ao Cais da Vila Assunção, no número 154 da avenida Guaíba. Na localidade, aportavam barcos que conduziram mais de uma centena de presos políticos à Ilha do Presídio; 

– Presídio Feminino Madre Pelletier, onde houve brutalidade física e emocional contra mulheres que faziam militância política.

Gostou desta reportagem? Garanta que outros assuntos importantes para o interesse público da nossa cidade sejam abordados: apoie-nos financeiramente!

O que nos permite produzir reportagens investigativas e de denúncia, cumprindo nosso papel de fiscalizar o poder, é a nossa independência editorial.

Essa independência só existe porque somos financiados majoritariamente por leitoras e leitores que nos apoiam financeiramente.

Quem nos apoia também recebe todo o nosso conteúdo exclusivo: a versão completa da Matinal News, de segunda a sexta, e as newsletters do Juremir Machado, às terças, do Roger Lerina, às quintas, e da revista Parêntese, aos sábados.

Apoie-nos! O investimento equivale ao valor de dois cafés por mês.
Se você já nos apoia, agradecemos por fazer parte da rede Matinal! e tenha acesso a todo o nosso conteúdo.

Compartilhe esta reportagem em suas redes sociais!
Share on whatsapp
Share on twitter
Share on facebook
Share on email
Se você já nos apoia, agradecemos por fazer parte da rede Matinal! e tenha acesso a todo o nosso conteúdo.

Compartilhe esta reportagem em suas redes sociais!
Share on whatsapp
Share on twitter
Share on facebook
Share on email

Gostou desta reportagem? Ela é possível graças a sua assinatura.

O dinheiro investido por nossos assinantes premium é o que garante que possamos fazer um jornalismo independente de qualidade e relevância para a sociedade e para a democracia. Você pode contribuir ainda mais com um apoio extra ou compartilhando este conteúdo nas suas redes sociais.
Share on whatsapp
Share on twitter
Share on facebook
Share on email

Se você já é assinante, obrigada por estar conosco no Grupo Matinal Jornalismo! Faça login e tenha acesso a todos os nossos conteúdos.

Compartilhe esta reportagem em suas redes sociais!

Share on whatsapp
Share on twitter
Share on facebook
Share on email
RELACIONADAS

Esqueceu sua senha?

ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.
ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.