Reportagem

Prefeitura de Porto Alegre pretende vender imóveis públicos para revitalizar o Centro Histórico

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Prefeitura de Porto Alegre pretende vender imóveis públicos para revitalizar o Centro Histórico Foto: Alex Rocha / PMPA

Futuro de bens municipais listados para alienação ainda não está definido, mas a expectativa do governo é arrecadar até R$ 1 bilhão com potencial leilão de imóveis públicos

Um projeto do governo Melo aprovado na Câmara pretende destinar recursos arrecadados com a alienação de até 157 imóveis públicos, localizados em diversas áreas da Capital, para atender a “ações e projetos estratégicos, como a Revitalização do Centro Histórico, e para melhorias da infraestrutura física dos prédios públicos que sediam atividades e serviços municipais”, conforme a justificativa do projeto enviada pelo Executivo, que dá destaque aos planos da gestão para a zona central da cidade. A expectativa do Paço é arrecadar até R$ 1 bilhão. O primeiro leilão deve ocorrer ainda em 2022. 

A iniciativa integra o Programa de Gestão do Patrimônio Imobiliário de Porto Alegre (PGPI), que agora aguarda sanção do prefeito Sebastião Melo (MDB) para começar a valer. De acordo com o secretário municipal de Administração e Patrimônio (SMPA), o advogado André Barbosa, mandatário da pasta responsável pelo projeto, os imóveis listados para alienação são considerados “inservíveis” ao município porque geram despesas de manutenção e condomínio que oneram os cofres públicos enquanto não são suficientemente aproveitados. 

Barbosa aponta, no entanto, que nem todos os bens listados serão vendidos, e que o destino de cada um ainda será analisado. Pelo texto aprovado, eles poderão ser leiloados, cedidos, doados ou permutados à iniciativa privada e ao terceiro setor. O montante será revertido para o recém-criado Fun-patrimônio, um fundo que também poderá destinar recursos à regularização fundiária de áreas de interesse social. 

“Além de obras, manutenção e reparos do mobiliário do Centro Histórico, vamos poder fazer retrofit dos imóveis do município, cercamento, limpeza e capina dos terrenos”, projeta o secretário, que aponta que a máquina pública do Município está passando por um redimensionamento. Hoje, várias secretarias estão sendo realocadas ao antigo Edifício da Habitasul, na rua General João Manoel, próximo ao Cais Mauá, entregue pela empresa à Prefeitura para quitar dívidas tributárias e que funcionará como a nova sede da administração municipal. Com isso, há imóveis municipais vagos ou subutilizados.

É o caso do prédio da Secretaria de Obras e Infraestrutura (SMOI), localizado na Avenida Borges Medeiros, 2244, em área valorizada da Capital, que está na mira para ser leiloado. Hoje, a gestão da pasta já ocupa o novo edifício e o imóvel antigo foi listado para alienação. “A Secretaria de Obras estava em um prédio completamente deteriorado, sem manutenção, em que o custo para reforma seria muito elevado e que não valeria a pena hoje fazer”, considera Barbosa, que também afirma que a Prefeitura precisa levantar dinheiro para executar o Plano de Prevenção e Contenção contra Incêndios (PPCI) de prédios públicos.

Críticas e polêmicas

Dos 157 imóveis a serem alienados, cerca de 75 estão nas áreas centrais de Porto Alegre. E a indicação de que esses terrenos podem ser leiloados à iniciativa privada, e não destinados à habitação social ou a políticas públicas de combate à desigualdade social não foi bem recebida por movimentos sociais. “Vivemos essa dinâmica de que os espaços que irão sobrar (para a habitação) são os mais distantes (do Centro), com toda a produção habitacional concentrada nas áreas periféricas. Projeta-se a cidade toda no sentido de garantir as condições para a exploração econômica dos territórios, mas não os direitos das populações que vivem neles”, critica a cientista social Ceniriani Vargas, coordenadora do Movimento Nacional de Luta pela Moradia (MNLM) no RS. 

De acordo com ela – que em março criticou a falta de políticas da Prefeitura para o setor nas propostas para o Centro e o 4º Distrito – no mínimo 75 mil famílias estão em situação de déficit habitacional na Capital gaúcha e necessitam de moradia. A situação pode piorar quando os despejos voltarem a ser autorizados, em 30 de junho. Hoje, uma decisão do Supremo Tribunal Federal mantém suspensa a desocupação de áreas urbanas e rurais em decorrência da crise econômica gerada pela pandemia da covid-19.

Vargas entende que a Prefeitura investe cada vez mais na área central da cidade, mas que “se melhora o Centro para outro público”, que não as populações vulneráveis que habitam essas regiões, como no caso do 4º Distrito, onde os investimentos privados têm gentrificado a área, na visão da cientista social. “O custo de vida se torna mais alto e as populações que residem no local não conseguem mais sobreviver. Os aluguéis sobem e o território fica tão elitizado que as pessoas não sobrevivem e precisam ir a outros lugares”, afirma a coordenadora do MNLM, que ressalta que o corte de verbas do Governo Federal na área habitacional e a ausência de programas do poder público no tema tem levado famílias inteiras a morar nas ruas. 

Neste tema, a Secretaria de Administração e Patrimônio diz que os recursos da venda dos imóveis municipais serão destinados à regularização fundiária, sobretudo por meio de recursos para gastos com registros cartoriais e despesas com programas habitacionais já existentes. A pasta, no entanto, afirma que o plano não é usar essa primeira leva de imóveis listados para alienação em políticas habitacionais.

“Não foi feito estudo detalhado da viabilidade desses locais para habitação, mas uma parte desse recurso (do Fun-patrimônio) vai sim para a gente trabalhar nas áreas periféricas”, garante a procuradora municipal Simone Somensi, secretária-adjunta de habitação e regularização fundiária (SMHARF), que aponta que a prioridade no momento é regularizar ocupações já existentes – hoje, na Capital, são cerca de 800 áreas irregulares. Somensi, no entanto, indica que a pasta estuda se imóveis municipais considerados inservíveis, como os listados pela SMAP, podem ser destinados à habitação.

Na última sexta-feira, 27 de maio, Porto Alegre foi selecionada para receber fundos do programa Casa Verde e Amarela, do governo federal. O projeto prevê a construção de três empreendimentos destinados ao reassentamento de famílias removidas por obras de duplicação da avenida do Tronco, no bairro Santa Tereza, zona sul da Capital.

Além dos movimentos sociais, o projeto de alienação dos imóveis também atraiu críticas da oposição na Câmara, já que o recém-criado Fun-patrimônio será gerido em conjunto apenas por secretarias do Executivo. Na opinião do mandato do vereador Matheus Gomes (PSOL), por exemplo, a decisão enfraquece o controle social sobre os recursos e a aprovação dos 157 imóveis listados criaria um “cheque em branco” para a destinação dessas áreas públicas.

Uma delas, por exemplo, é uma área vizinha à sede da escola de samba Imperadores do Samba, localizada na Avenida Padre Cacique, ao lado do estádio Beira-Rio, cujo terreno foi autorizado para alienação no âmbito do programa de Gestão do Patrimônio Municipal. Em resposta, Barbosa promete que o destino da área será discutido com a comunidade carnavalesca. “Não vamos alienar (a sede), ao menos por ora. Vamos discutir com as próprias entidades se é melhor ficar ali, ou ter algum espaço novo, porque daí se poderia trabalhar contrapartidas”, diz o secretário.

Prefeitura vai leiloar lotes na Restinga

Além dos 93 imóveis espalhados pela Capital, o projeto de venda de imóveis da Prefeitura inclui também 64 lotes localizados no bairro da Restinga, no extremo-sul da Capital, 34 deles somente na rua Imperador Hiroito. O objetivo é leiloar os imóveis no âmbito de uma remodelagem do Parque Industrial da Restinga, loteamento lançado nos anos 90 para atrair o setor à região, mas que não teve sucesso.

O novo plano é abrir o território para outras atividades econômicas que não as industriais. “Ao longo dos anos o poder público não conseguiu controlar nem implementar de forma concreta essas indústrias lá. Então queremos recadastrar todos que estão lá, retomar os imóveis sem uso e fazer um processo licitatório para que, de forma simples e rápida, novas empresas se instalem”, explica o engenheiro Vicente Perrone, secretário municipal de Desenvolvimento Econômico e Turismo (SMDET). A venda dos lotes não contemplará trechos ocupados – hoje, cerca de 500 famílias moram no parque irregularmente, e a promessa é que parte dos recursos arrecadados seja usado para regularizar essas moradias.

De acordo com o secretário, uma das metas da remodelagem é gerar um “estoque de empregos” na própria Restinga, que abriga cerca de 150 mil pessoas. Como trabalhadores do bairro precisam se deslocar por até duas horas por viagem até as zonas centrais da Capital, a expectativa do governo é que o desenvolvimento econômico da região alivie a intensidade do trânsito humano entre as duas áreas da cidade.

O advogado Onir Araújo, membro da Frente Quilombola do RS, lembra que a população negra que hoje vive na Restinga é remanescente de um processo de remoção promovido pela ditadura militar nos anos 70 e 80 na Capital gaúcha. Na época, sob a justificativa de obras de melhoria urbana, famílias foram expulsas de áreas onde hoje são bairros como Rio Branco, Floresta, Mont’Serrat e Menino Deus. “A cada grande obra que se abria, grandes vias, era motivo para se remover essa população negra para a periferia da cidade, que acabou empurrada e concentrada na zona sul”, explica Araújo. 

O advogado ressalta que as famílias que ocupam áreas irregulares no bairro são de maioria negra e considera que os imóveis deveriam servir para o assentamento dessas famílias que carecem de regulação fundiária: “A nossa proposta (da Frente Quilombola), em relação a esses imóveis (listados), que estão em sobreposição com expressões comunitárias negras (como os de escolas de samba), é que sejam titulados para essas associações. Tendo uma comunidade negra em sobreposição com essa área dos terrenos da Restinga, ao invés de ir para a especulação imobiliária, que essas famílias sejam assentadas lá”.

Correção: um dos terrenos que devem ser alienados é vizinho à escola Imperadores do Samba e não a sede da entidade, conforme publicado inicialmente. A reportagem foi corrigida às 17h de 31/05/2022

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