Os planos e as críticas à proposta de adensamento no centro de Porto Alegre
Em paralelo à discussão do Plano Diretor, Prefeitura lança programa de revitalização da área central da cidade, que pretende levar mais 45 mil habitantes à região
O prefeito Sebastião Melo (MDB) apresentou à Câmara de Vereadores na última segunda-feira, dia 27 de setembro, o Programa de Reabilitação do Centro Histórico de Porto Alegre.
Por meio de uma série de mudanças de legislação e atualização de regras para edificações da área, o projeto prevê que o Centro passe por um intenso crescimento no número de moradores. De acordo com dados apresentados, a população do bairro poderia quase dobrar, indo dos atuais 47 mil para 85,5 mil habitantes, caso o projeto seja aprovado.
De acordo com a Prefeitura, as transformações têm como objetivo tornar a região ativa em todos os horários, embelezar o espaço público, diminuir o déficit habitacional e estimular o comércio local. O programa cria novos instrumentos legais para recuperação e transformação urbanística, como o fim do limite de altura para as edificações e a liberação de mais de 1 milhão de metros quadrados em potencial construtivo, ou seja, o quanto se pode construir em cada terreno. O projeto ainda precisa passar pela Procuradoria da Câmara, pela Comissão de Urbanização, Transportes e Habitação e pela Comissão de Constituição e Justiça, para só depois ser apreciado em plenário.
“Deveríamos ter adensado mais a cidade onde já temos equipamentos públicos”, disse Melo na cerimônia de apresentação do projeto à Câmara, criticando a expansão recente da cidade para novas regiões. Cezar Schirmer, secretário de Planejamento e Assuntos Estratégicos de Porto Alegre, em entrevista ao Sul 21, também foi enfático na defesa da proposta: “Um dos problemas do Centro é a redução de população ao longo do tempo, e também a redução da atividade econômica. O que dá vida ao espaço urbano é gente”, disse.
Técnica responsável pelo projeto, a arquiteta Patrícia Tschoepke, diretora de planejamento urbano da Secretaria do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus), avalia que facilitar a readequação de prédios comerciais – em outras palavras, transformar prédios comerciais em habitacionais ou mistos – e flexibilizar as regras de construção e restauro pode mudar o cenário da área menos habitada do Centro: “A maior transformação será na região das avenidas Júlio de Castilhos e Voluntários da Pátria, que não tem muita edificação residencial. Como é uma região comercial e de serviços, fica esvaziada no turno da noite. Com estímulo à habitação residencial, vamos permitir maior humanização do território”, explica, em entrevista ao Matinal.
Crítico ao projeto, o arquiteto Rafael Passos, presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB) no Rio Grande do Sul avalia que os planos de readequação e de incentivo ao uso habitacional são importantes para a região, mas acredita que o fim do limite de altura para os prédios pode ser perigoso: “Não nos parece que a questão está bem estudada. O plano retira da lei qualquer normativa de altura, transferindo a decisão para a iniciativa individual de cada empreendedor. Isso pode se transformar em um cheque em branco, que não sabemos até onde pode chegar”, critica.
Simulações feitas pela Prefeitura demonstram a possibilidade de construção de prédios de até 200 metros de altura sem comprometimento de critérios de paisagem, iluminação, ventilação e patrimônio cultural. Atualmente, o limite das construções é de 52 metros, o equivalente a 18 andares, conforme a norma geral do Plano Diretor. O edifício mais alto da Capital, construído em 1958, tem cerca de 100 metros.
Prefeitura garante que infraestrutura comporta mais moradores
Morador da região e representante da região no Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano Ambiental (CMDUA), Felisberto Giusti cita uma preocupação entre os habitantes do bairro: a infraestrutura. Ele avalia que o sistema de serviços do Centro já é defasado para atender os atuais 47 mil habitantes e lista acessibilidade, calçamento, valorização do patrimônio público e iluminação como pontos de melhoria essenciais para a população do Centro. “Nada nessa proposta me agrada, porque não há um estudo de como essas medidas vão impactar quem já mora lá. Precisamos discutir os problemas que o Centro já tem, e não trazer novas dificuldades”, protesta.
Rafael Passos destaca ainda que os dados apresentados pela Prefeitura “parecem insuficientes” e aponta preocupações como o abastecimento de água, serviço de esgoto, drenagem do solo e descarte de resíduos. “Com os dados apresentados, não dá para concluir que haverá capacidade de atendimento sem maior investimento. Isso pode fazer com que o plano, que visa a arrecadar recursos, acabe gerando necessidade de mais investimentos”, ressalta.
Patrícia Tschoepke explica que a Prefeitura consultou os órgãos responsáveis, apresentou os estudos e concluiu que “tudo está de acordo” e que nenhum aporte financeiro seria necessário para que as transformações ocorram. “O que detectamos é a possível necessidade de modernização de algumas estruturas existentes, o que poderemos fazer com os recursos que virão do programa”, diz.
Ela ressalta que o maior número de moradores na região deve diminuir o deslocamento de pessoas que trabalham no Centro e moram em outro bairro: “No caso do transporte público, vamos permitir que as pessoas morem mais perto do trabalho. Não existiria piora, pelo contrário”, avalia.
Estudos são pouco abrangentes e proposta deveria ser debatida junto ao Plano Diretor, dizem críticos
Outra questão apontada por alguns urbanistas é o processo escolhido pela Prefeitura para implementar as mudanças: desde 1999, Porto Alegre tem um Plano Diretor que determina as regras de construção na cidade. O documento deve ser atualizado a cada 10 anos – a discussão foi feita em 2009, mas o processo não teve continuidade em 2019, e nem em 2020, já devido à pandemia.
Betânia Alfonsin, professora de direito urbanístico e pesquisadora da Fundação Escola Superior do Ministério Público (FMP), diretora do Instituto Brasileiro de Direito Urbanístico (IBDU), com participação no processo de elaboração do Plano Diretor, em 1999, e de sua revisão, em 2009, critica a forma com que a discussão foi feita pela Prefeitura:
“O grande problema deste projeto é a forma como ele foi encaminhado. Porto Alegre é um exemplo de participação popular no processo do Plano Diretor, fizemos conferências enormes no Araújo Vianna e na Usina do Gasômetro, e agora nos sentimos atropelados. Eventualmente, essas pautas poderiam ser construídas coletivamente e atender os interesses de camadas de menor renda, mas é justamente o processo de construção de consenso que não está acontecendo”, reclama.
A arquiteta Tereza Albano, ex-servidora da Secretaria Municipal De Planejamento da Prefeitura que participou da elaboração e implementação do Plano Diretor de 1999, também critica a escolha do executivo em apresentar um projeto de lei específico, sem levar em conta a discussão do Plano Diretor. “Esse projeto é uma revisão do Plano Diretor, porque mexe no regime urbanístico, nas regras para se construir na cidade. Ninguém é contra o adensamento ou contra aumentar a altura de prédios, mas normalmente, quando se mexe nisso, se faz uma proposta globalizada, que pensa em toda a cidade”, avalia.
Prefeitura vê programa no Centro como “detalhamento” do Plano Diretor
A última atualização do Plano Diretor foi feita em 2010. Em 2019, o debate previsto pelo cronograma chegou a começar, mas não teve sequência devido à pandemia. De acordo com o Executivo, as questões referentes ao Centro não impedem o debate global sobre a cidade e serão aplicadas no novo Plano Diretor durante a sua construção.
“Estamos trabalhando com monitoramento da cidade, então, caso existam indicadores de que algum parâmetro está incorreto, o Plano Diretor terá autonomia para corrigir. O programa do Centro é um detalhamento, enquanto o Plano Diretor dá diretrizes gerais, fala em aspectos genéricos”, explica Patrícia Tschoepke.
A Prefeitura prevê que a retomada da discussão sobre o Plano Diretor deva acontecer ainda neste mês, com participação de representantes da sociedade, do Executivo e técnicos do setor.