Da rodoviária ao Gasômetro: VLT é solução de mobilidade ou atração turística?
Projeto faz parte dos planos da Prefeitura para revitalização do Centro de Porto Alegre, mas especialistas contestam benefício do modal
Considerado pela Prefeitura como um dos principais problemas estruturais de Porto Alegre, o sistema de transporte público vem sendo analisado pela gestão de Sebastião Melo (MDB). Depois de aprovar o fim dos cobradores e a desestatização da Carris, além de planejar a mudança na política de isenções, o governo prevê colocar em pauta a construção de um Veículo Leve sobre Trilhos, o VLT, no Centro da cidade. A ideia está em fase de análise técnica e prevê uma linha do “bonde moderno” da rodoviária ao Mercado Público e, em um segundo momento, até a Usina do Gasômetro.
O projeto é visto com bons olhos por mais de 60% da população porto-alegrense como uma forma de substituir os ônibus e lotações, de acordo com uma pesquisa feita pela Prefeitura para o Programa de Reabilitação do Centro Histórico de Porto Alegre, mas chegou a ser deixado de lado – pelo menos no âmbito de revitalização da área central, em outubro.
No entanto, a proposta do VLT não foi abandonada de vez, e deve ser debatida no Plano de Mobilidade do Centro Histórico, previsto para o ano que vem. Em agosto, Sebastião Melo e o secretário de Planejamento, Cezar Schirmer, visitaram o Rio de Janeiro e, ao lado do prefeito Eduardo Paes, conheceram o VLT carioca, inaugurado às vésperas dos Jogos Olímpicos de 2016. A ideia é que, além de servir de solução para a alta quantidade de ônibus e lotações no Centro, o modal sirva como uma atração da região, qualificando o espaço urbano ao seu redor.
“Todas as grandes cidades do mundo civilizado tem um VLT, e Porto Alegre já teve o seu. Antigamente, tínhamos o bonde. E o VLT é o bonde moderno. Além de ser ambientalmente correto, é um qualificador do espaço urbano. O Centro é o espaço mais degradado da cidade, e precisa ser revitalizado. Se depender da Prefeitura e existir viabilidade técnica e econômica, vamos fazer o VLT em Porto Alegre”, garante Schirmer, secretário à frente do projeto. “Será um trecho curto, mas de grande significado para a cidade.”
Para implementar o modelo viário na cidade, a Prefeitura mantém conversas com a Marcopolo, empresa de Caxias do Sul que, desde outubro, realiza testes do seu VLT em Bento Gonçalves. Também no mês passado, a Prefeitura começou a etapa que inclui estudos técnicos e econômicos de viabilidade para a obra. Ainda não há previsão de custo, prazo ou número de pessoas atingidas. Apenas o trajeto é um consenso: da rodoviária ao Mercado Público em um primeiro momento, em seguida, novo trecho até a Usina do Gasômetro.
“A região central da cidade, em vias como a Avenida Salgado Filho, virou uma rodoviária a céu aberto. São 19 terminais de ônibus, mais de 200 paradas, 33 mil viagens que passam por lá diariamente, trazendo poluição e degradação do espaço urbano. Não acho que isso valorize a cidade”, aponta Schirmer.
Trecho único e custo alto podem atrapalhar os planos
Se é fato que o VLT costuma causar curiosidade e normalmente é visto como uma atração, tanto para moradores, quanto para turistas, também é verdade que o modal não é uma solução barata ou unânime entre especialistas.
O urbanista Anthony Ling, criador do portal especializado em urbanismo Caos Planejado, explica que se inspirar em cidades europeias não é a melhor ideia: “O motivo de o VLT não ter sido implementado em muitas cidades latinas é o fato de ele ser muito caro para um número pequeno de passageiros, além de ser pouco flexível, com uma rota definida e sem possibilidade de mudança, já que anda sobre um trilho. Cidades em desenvolvimento têm optado pelo BRT (ônibus de transporte rápido), porque se atinge uma capacidade de passageiros semelhante com um custo menor, além de ser mais flexível”, aponta o especialista.
“Se é para fazer o mais barato, deixa o Centro como está.”
Cezar Schirmer
A restrição na capacidade de comportar público também é apontada por Helena Cybis, professora da UFRGS, que ressalta o fator visual do modal: “É um sistema que tem o caráter turístico, é muito atraente, mas em Porto Alegre faria um trajeto muito limitado. Não teria um caráter estrutural, de transformar a mobilidade da cidade. A intenção da Prefeitura de revitalizar o Centro é importante, mas seria importante também repensar as linhas de ônibus”, explica a docente, que coordena o Laboratório do Sistema de Transportes da Universidade (Lastran).
De acordo com Schirmer, no entanto, a ideia é integrar o VLT aos ônibus e ao Trensurb: “Uma das ideias que temos para a rodoviária é transformá-la em um terminal de ônibus de Porto Alegre e da Região Metropolitana. A pessoa desce na rodoviária e tem um transporte até a Praça XV de Novembro, num transporte integrado, e depois até o Gasômetro, ligando os dois extremos do Centro”, projeta o secretário, que ressalta: “Tenho certeza que as pessoas vão deixar de usar o carro para usar o VLT, algo que não acontece com novos ônibus. Se a ótica é fazer o mais barato, vamos deixar o Centro como está.”