Reportagem

Grupo Votorantim encerra projeto de mineração no Pampa

Change Size Text
Grupo Votorantim encerra projeto de mineração no Pampa Mobilização organizada pela UPP-Camaquã em conjunto com a Associação para Grandeza e União de Palmas-Bagé (AGrUPa) à beira do Rio Camaquã, em novembro de 2017, durante o seminário que marcou um ano de luta da população contra a mineração. Foto: arquivo.

Plano bilionário da Nexa Resources para construir uma mina a céu aberto em Caçapava do Sul foi arquivado oficialmente em novembro, após anos de mobilizações contrárias da população local. Empresa não fez anúncio oficial até agora


A Nexa Resources, controlada pela Votorantim S.A., desistiu de abrir uma mina para ​​extrair cobre, chumbo e zinco a 800 metros do Rio Camaquã, na localidade de Guaritas, em Caçapava do Sul, na Campanha gaúcha. A companhia solicitou o arquivamento da licença à Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) em novembro de 2021, mas não fez nenhum comunicado oficial da saída.

A desistência do investimento inicial, que totalizava R$ 371 milhões e gerou uma forte reação da comunidade e de ambientalistas, foi confirmada ao Matinal pela empresa. A mineradora declarou que o motivo foi financeiro. “A Nexa informa que não dará continuidade ao Projeto de Caçapava do Sul, que previa a extração e o beneficiamento de minérios de zinco, cobre e chumbo, uma vez que ele não manteve parâmetros de viabilidade econômica”, disse em nota. Em 3 de novembro de 2021, a empresa Mineração Santa Maria – subsidiária responsável por tocar as obras – pediu o arquivamento da proposta no sistema da Fepam.

Nesta semana, outro grande projeto de megamineração no Estado, a Mina Guaíba, teve sua licença de funcionamento anulada pela justiça a pedido da Associação ​​Indígena Poty Guarani. A proposta da Copelmi prevê a instalação de uma mina de carvão a 16 km de Porto Alegre. 

O projeto da Nexa em Caçapava era um dos três projetos de megamineração no Pampa. Além da mina às margens do Camaquã, há ainda em andamento o projeto da extração de fosfato da Águia, em Lavras do Sul (que aguarda licença de instalação), e da exploração de titânio e zircônio, em São José do Norte, encabeçado pela Rio Grande Mineração. O projeto da Nexa ​​iria ocupar uma área de mais de 900 hectares em uma das regiões mais bonitas do Pampa gaúcho, conhecida por suas enormes formações rochosas. A mina a céu aberto teria 37 hectares, conforme o projeto apresentado à Fepam. Estimativas feitas pela própria empresa mostraram que o projeto traria ganhos de cerca R$ 4 bilhões acumulados nos próximos 20 anos.

A população de Caçapava viu técnicos e contratados da Nexa deixarem a cidade com seus caminhões em meados de 2020, porém sem explicação, e só soube do arquivamento no ano seguinte – por meio de consulta própria nas plataformas do governo, já que não houve anúncio oficial. Nos comunicados aos investidores em março de 2021, a Nexa apenas informou que o projeto estava suspenso e não havia previsão de atividades de exploração para aquele ano. Mas o grupo de moradores permanece mobilizado por medo do retorno. “Nós temos um histórico de resistência porque nós também já tivemos outros problemas. Nós nunca vamos relaxar, nós continuamos e vamos continuar”, afirma a produtora rural Angela Marcia Scholante Colares, da União Pela Preservação Rio Camaquã (UPP-Camaquã).

As tratativas para instalação da mina começaram em julho de 2016, quando a Nexa teve duas audiências públicas com o Ministério Público do Rio Grande do Sul (MP-RS) para apresentar sua proposta. À época, a participação da população foi baixa ou quase nula pela falta de divulgação. 

Marcia Colares, que mora em Palmas, distrito de Bagé próximo ao local da mina, conta que os moradores já estavam desconfiados da existência do projeto naquele ano pela movimentação de caminhonetes e servidores. “Eu comecei a procurar na internet, mas esses projetos são feitos de uma forma que a gente não encontra nada mesmo. ‘Projeto Caçapava do Sul’ parece algo que é só para Caçapava, mas atingiria toda a região. Não tinha nem material na internet falando sobre as audiências”, conta. 

Marcia se reuniu com familiares e amigos da comunidade e formou a União Pela Preservação Rio Camaquã (UPP-Camaquã), grupo que passou a se mobilizar contra o projeto. A UPP passou pelas 28 cidades da bacia do rio Camaquã para alertar a população dos riscos ambientais do empreendimento, e em questão de meses já tinha engajado centenas de pessoas em todo estado. Pela pressão popular, a Nexa precisou fazer mais três audiências públicas, do dia 22 ao dia 24 de novembro de 2016. O grupo se tornou unido e ativo, com a participação de pesquisadores, advogados e cientistas, além dos moradores rurais que viveriam em primeira mão as consequências da mina. A mobilização se manteve durante os cinco anos e não deve parar. 

“Projeto absolutamente atrasado”

O ex-prefeito de Bagé e atual deputado estadual Luiz Fernando Mainardi (PT) afirmou que a Nexa desistiu devido ao alto impacto ambiental da proposta. “É um projeto absolutamente atrasado do ponto de vista dos interesses de uma multinacional. Feito para ganhar dinheiro às custas de tratar o nosso país como se fosse ainda um país colonial. Extraem chumbo aqui e mandam para a China”, disse. Segundo Mainardi, o projeto sequer faz sentido econômico para a região, pois, com a Lei Kandir de 1997, a atividade minerária ganhou isenção de impostos, tornando as cidades com mineração as mais pobres do estado.

A opinião de Mainardi vai na direção contrária a dos prefeitos de Bagé e Lavras do Sul, simpáticos à mineração. Em dezembro, um mês após o encerramento da COP26, a Cúpula das Nações Unidas sobre mudanças climáticas, os prefeitos de Bagé, Divaldo Lara (PTB), e de Lavras do Sul, Sávio Prestes (PDT), defenderam abertamente em um encontro os projetos de minérios e carvão, sob o argumento do “desenvolvimento econômico”. Na COP26, 77 países assinaram um compromisso de banir o carvão – Brasil ficou de fora. A mineração também fez parte dos acordos, por ser responsável por 10% das emissões de gases-estufa.

No início de 2017, várias entidades se posicionaram contra a mina. O Conselho Estadual de Direitos Humanos do Estado denunciou o projeto em uma nota de repúdio “por abrir para grave risco de violação aos direitos de Povos e Comunidades Tradicionais, pela invisibilidade no processo de estudos, consulta e tramitação do licenciamento da empresa junto à Fepam”, junto dos outros projetos de megamineração. O Comitê de Gerenciamento da Bacia Hidrográfica do Rio Camaquã (CBH-Camaquã) também se manifestou contrário, além de diversas prefeituras da região.

Na nota enviada ao Matinal, a Nexa afirmou seguir em busca de novas oportunidades no Pampa ou em outros locais. “A companhia ressalta que mantém a pesquisa e a busca por outras oportunidades de negócio e que o projeto de Caçapava do Sul poderá ter continuidade com outra empresa no futuro, a partir de uma nova estratégia de atuação e a realização dos devidos processos de licenciamentos.”

Marcia afirma que a mobilização da UPP não vai parar. Ela guarda uma lembrança da infância quando um acidente em Minas do Camaquã em 1988 matou todos os peixes do rio, que foi considerado morto à época e ainda tenta se recuperar. No dia 6 de novembro de 2016, o grupo realizou o primeiro ato público contra a mineração no rio – evento que segue ocorrendo anualmente.

Gostou desta reportagem? Garanta que outros assuntos importantes para o interesse público da nossa cidade sejam abordados: apoie-nos financeiramente!

O que nos permite produzir reportagens investigativas e de denúncia, cumprindo nosso papel de fiscalizar o poder, é a nossa independência editorial.

Essa independência só existe porque somos financiados majoritariamente por leitoras e leitores que nos apoiam financeiramente.

Quem nos apoia também recebe todo o nosso conteúdo exclusivo: a versão completa da Matinal News, de segunda a sexta, e as newsletters do Juremir Machado, às terças, do Roger Lerina, às quintas, e da revista Parêntese, aos sábados.

Apoie-nos! O investimento equivale ao valor de dois cafés por mês.
Se você já nos apoia, agradecemos por fazer parte da rede Matinal! e tenha acesso a todo o nosso conteúdo.

Compartilhe esta reportagem em suas redes sociais!
Share on whatsapp
Share on twitter
Share on facebook
Share on email
Se você já nos apoia, agradecemos por fazer parte da rede Matinal! e tenha acesso a todo o nosso conteúdo.

Compartilhe esta reportagem em suas redes sociais!
Share on whatsapp
Share on twitter
Share on facebook
Share on email

Gostou desta reportagem? Ela é possível graças a sua assinatura.

O dinheiro investido por nossos assinantes premium é o que garante que possamos fazer um jornalismo independente de qualidade e relevância para a sociedade e para a democracia. Você pode contribuir ainda mais com um apoio extra ou compartilhando este conteúdo nas suas redes sociais.
Share on whatsapp
Share on twitter
Share on facebook
Share on email

Se você já é assinante, obrigada por estar conosco no Grupo Matinal Jornalismo! Faça login e tenha acesso a todos os nossos conteúdos.

Compartilhe esta reportagem em suas redes sociais!

Share on whatsapp
Share on twitter
Share on facebook
Share on email
RELACIONADAS
;

Esqueceu sua senha?

ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.
ASSINE E GANHE UMA EDIÇÃO HISTÓRICA DA REVISTA PARÊNTESE.