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Ronaldinho Gaúcho e Itaú: veja as 100 maiores dívidas de IPTU e ISS em Porto Alegre

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Ronaldinho Gaúcho e Itaú: veja as 100 maiores dívidas de IPTU e ISS em Porto Alegre Ronaldinho Gaúcho destoa da maioria dos grandes devedores de IPTU, composta por empresas do ramo imobiliário (Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil)

Reportagem atualizada em 18 de maio para incluir as respostas da Dallasanta e de um contribuinte citado no texto.

Além do ex-jogador do Grêmio, o próprio clube figura entre os principais devedores de IPTU na cidade. A Ulbra lidera o ranking de dívida de ISS

Ronaldinho Gaúcho e o Grêmio têm uma conexão que vai além da história nos gramados, dos títulos internacionais e da fama construída em solo porto-alegrense: os dois acumulam dívidas milionárias de IPTU, o imposto cobrado aos proprietários de imóveis na cidade. Apesar da coincidência, o jogador e o clube são exceções no ranking. Mais da metade da dívida de R$ 153,7 milhões dos 100 maiores devedores de IPTU vem de empresas que trabalham justamente com imóveis, como imobiliárias, incorporadoras, construtoras e hotéis. 

A situação curiosa se repete no ranking de dívidas de ISS. Entre os 100 maiores devedores do imposto sobre serviços, há 14 empresas de contabilidade, consultoria tributária e auditoria, como a rede internacional de auditores independentes PricewaterhouseCoopers (PwC), além do maior banco privado do país, o Itaú. As listas das 100 maiores dívidas de IPTU e ISS foram obtidas pelo Matinal junto à Secretaria Municipal da Fazenda (SMF), que forneceu os dados registrados até o dia 31 de janeiro. 

IPTU: imobiliárias e construtoras endividadas

O maior devedor de IPTU do município é o Grupo Habitasul, com dívida de R$ 10,3 milhões acumulada em dois CNPJs. Em julho do ano passado, a holding Companhia Habitasul de Participações dobrou o valor de suas ações na Bovespa após o anúncio da oferta de até R$ 600 milhões em ações da Irani Papel e Embalagem S.A, na qual o grupo tem participação minoritária. A Habitasul teve lucro de R$ 1,4 milhão em 2020, após um prejuízo de R$ 103 milhões em 2019.

Em segundo lugar, com uma dívida de R$ 5,7 milhões, está a Dallasanta Empreendimentos e Incorporações, gestora de diversos imóveis na cidade – entre eles, o centro comercial Nova Olaria, na Cidade Baixa, e o shopping Paseo, no bairro Tristeza. No ano passado, a Dallasanta foi uma das empresas que comprou índices construtivos (direito a áreas extras de lotes) em leilão realizado pela prefeitura. A dívida da empresa está distribuída em 22 bairros.

O terceiro lugar é ocupado pela construtora Bianchini Empreendimentos Imobiliários, com sede no município de Tapejara, no norte do Estado. A dívida inscrita no cadastro da SMF é de R$ 5,6 milhões, por um único imóvel no bairro Navegantes, na zona norte de Porto Alegre. A Bianchini nega que esteja em débito com o fisco e diz que pagou o tributo desde que adquiriu o imóvel em leilão. “A dívida continua, mas em nome do antigo proprietário. Não é a Bianchini a devedora disso”, assegurou o contador Sérgio Tres.

Uma jurista consultada pelo Matinal entende que o Código Tributário Nacional vai no sentido contrário. “O pagamento de IPTU é uma obrigação tributária que recai sobre o imóvel e não sobre o proprietário. Desse modo, vendido o imóvel que gerou a dívida, a obrigação passa a ser do novo proprietário”, explica a advogada tributarista Lara Amaro, da SW Advogados. “Além disso, existem diversas outras discussões judiciais, acerca da progressividade da alíquota, do cabimento do imposto sobre imóveis invadidos, entre outras, que também contribuem para o grande número de empresas do ramo da construção civil devedoras de IPTU”, acrescenta.

Em quarto lugar, a construtora Bolognesi Empreendimentos tem dívidas totais de R$ 5,4 milhões em cinco bairros da zona sul. “Esclarecemos que a construtora contesta judicialmente 80% do valor mencionado de dívida ativa e a empresa não reconhece como sendo sua responsabilidade o pagamento de aproximadamente 20% do referido valor, uma vez que os imóveis já foram comercializados e, consequentemente, cabe aos atuais proprietários a quitação das dívidas oriundas da venda, bem como a transferência de propriedade e alteração do cadastro imobiliário”, disse a empresa em resposta ao Matinal.

Em quinto lugar, está a rede de hotéis Hotisa, que também está inscrita na sexta posição dívida de ISS no município. Em IPTU, a dívida é de R$ 5,2 milhões; em ISS, de R$ 10 milhões. Nossa reportagem entrou em contato com um dos sócios, Henrique Barcellos, que confirmou a dívida em aberto: “Realmente temos um débito de importância com a Prefeitura Municipal de Porto Alegre. O valor está sendo cobrado judicialmente, e estamos respondendo adequadamente dentro do processo, oferecendo um imóvel em dação de pagamento para a quitação da dívida. Aguardamos a análise do órgão competente.”

Entre as 100 maiores dívidas de IPTU – que somam mais de R$ 153 milhões –, 29 são de pessoas físicas. Juntas, essas pessoas têm dívidas de R$ 33 milhões (ou 22% do ranking). 

O principal devedor nessa categoria é Ronaldo de Assis Moreira, o Ronaldinho Gaúcho, que já foi o jogador de futebol mais bem pago do mundo quando atuava pelo Barcelona e pela seleção brasileira. Na 9ª posição do ranking de dívida de IPTU, Ronaldinho acumula uma conta negativa de R$ 3,2 milhões, por imóveis localizados nos bairros Lageado, Cavalhada e Chapéu do Sol. 

Em setembro de 2019, o ex-jogador fechou um acordo com a SMF para parcelar a dívida de IPTU em 60 vezes. Procurado pela reportagem, o advogado de Ronaldinho apenas informou que “as obrigações fiscais estão sendo equacionadas”.

Já o Grêmio, clube que revelou o “bruxo” e ocupa o 27º lugar, deve R$ 1,9 milhão por imóveis nos bairros Medianeira e Arquipélago – áreas onde ficam o Estádio Olímpico e a Ilha do Grêmio. Apesar da recessão agravada pela pandemia, o clube tricolor fechou 2020 com superávit de R$ 38 milhões.

Cinco órgãos públicos também estão entre os maiores devedores de IPTU. O que mais deve ao município é o Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul (Ipergs), na 22ª posição, com R$ 2 milhões. No 29º lugar, com R$ 1,7 milhão, está o Montepio dos Funcionários do Município de Porto Alegre, entidade responsável pelo gerenciamento das pensões por morte dos servidores públicos municipais até 2001. A Superintendência de Administração no RS, uma autarquia federal ligada à Advocacia-Geral da União, ocupa a 30ª posição, também com dívida de R$ 1,7 milhão. Em 32º, a Caixa Econômica Federal deve R$ 1,5 milhão e o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), vinculado ao Ministério da Infraestrutura, R$ 667 mil, ocupando a 80ª posição.

ISS: auditores que não pagam tributo

As dívidas de ISS em Porto Alegre somam mais de R$ 841 milhões, com um total de 13.361 devedores, segundo a SMF. Cerca de 46% desse valor – ou R$ 390,6 milhões – está acumulado no ranking das 100 maiores dívidas. O ISS é um imposto que incide sobre a prestação de serviços por parte de empresas e profissionais autônomos. A alíquota varia de acordo com o tipo e o valor do serviço prestado.

O maior devedor de ISS é a Aelbra, mantenedora da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra): são R$ 52,7 milhões, divididos em dois CNPJs baixados no sistema da Receita Federal. Desde 2019, a Aelbra entrou em processo de recuperação judicial e demitiu mais de 500 funcionários. 

Em segundo lugar, está a empresa de telemarketing ABS Brasil, que não tem site ou atividade recente nas redes sociais. A dívida é de R$ 15,6 milhões. No cadastro da Receita Federal, a ABS está no nome de Miriam Viecili, que é sócia junto da própria ABS em uma empresa de endomarketing.

O terceiro lugar é ocupado pela sede regional da rede internacional de auditores independentes PwC, que também presta serviços de consultoria tributária. O valor devido é de R$ 13,6 milhões. Até agosto do ano passado, o grupo somava uma receita global de U$ 43 bilhões. A empresa informa que “discute judicialmente a mudança do critério jurídico da cobrança do ISS pela Prefeitura de Porto Alegre”.

Em quarto lugar, com R$ 13,3 milhões em dívidas de ISS, está o Itaú: a quarta maior empresa de capital aberto da América Latina e o maior banco do país, com um valor de mercado superior a US$ 44,5 bilhões (R$ 254 bilhões). “O Itaú Unibanco cumpre fielmente a legislação tributária, recolhendo todos os impostos devidos. O banco esclarece, no entanto, que existem divergências legítimas de interpretação em relação ao pagamento de alguns tributos, que aguardam a decisão final da Justiça ou de tribunais administrativos”, disse a empresa ao Matinal.

A empresa IAB Assessoria Tributária ocupa a quinta posição, com uma dívida de R$ 11,2 milhões. Também não encontramos o site da empresa ou atividade recente nas redes sociais. Segundo o cadastro da Receita Federal, os sócios são Maria de Lourdes Mazzotti e Luciano Winterscheidt, donos de outras empresas com o mesmo nome em diversas cidades brasileiras.

Só essas cinco empresas somam R$ 106 milhões em dívidas de ISS, valor equivalente a 13% de toda a dívida ativa de ISS no município. 

A presença de empresas de auditoria e contabilidade na lista dos principais devedores tem uma explicação de ordem jurídica. O decreto-lei nº 406/1968, que criou as regras para a cobrança de ISS no Brasil e foi parcialmente mantido pela nova legislação, determinou uma base de cálculo diferenciada para serviços prestados sob a forma de sociedade. Incluídos nessa exceção, estariam profissionais como médicos, advogados, psicólogos e contadores – que poderiam pagar imposto a partir de alíquotas fixas, não sobre o preço do serviço. A capital gaúcha, porém, adotou uma regra diferente. “A lei municipal de Porto Alegre quis impor obstáculos ao benefício previsto no decreto-lei, fazendo exigências que impediam grandes sociedades de gozarem do benefício das alíquotas fixas. Muitas empresas não estavam cumprindo a lei por considerarem que é inconstitucional”, aponta o advogado tributarista Risclif Martinelli. Em 2019, o Supremo Tribunal Federal deu razão aos contribuintes e considerou inconstitucional a lei que institui o regime de tributação do ISS em Porto Alegre, por contrariar a legislação federal. Ainda não foram esgotados todos os recursos e, por enquanto, a lei municipal segue sendo aplicada.

Já o caso dos bancos é diferente. “Eles prestam muitos serviços, de naturezas diversas. Alguns são tributados pelo ISS e outros não. Isso dificulta a fiscalização dos municípios e faz com que os bancos, se valendo disso, deixem de pagar o ISS”, explica Martinelli.

Semelhante à PwC, também está na lista a Ernst & Young, outra gigante do ramo de auditoria e consultoria, com R$ 2,4 milhões em dívidas, ocupando a 59ª posição. A empresa teve uma receita global de U$ 37,2 bilhões em 2020.

Também há outro banco na lista: em 42º lugar, está o Banestado, antigo banco estatal do Paraná que foi adquirido pelo Itaú em 2000. O Banestado, que deve quase R$ 3 milhões ao município, foi a peça central do Escândalo do Banestado em 2003. No final dos anos 1990, o banco esteve envolvido no desvio de U$ 30 bilhões para paraísos fiscais. Em 2010, a Receita Federal efetuou quase 2 mil autuações fiscais no valor total de R$ 8,2 bilhões, para contribuintes que movimentaram ilegalmente recursos no exterior. 

Segundo a SMF, quando a cobrança da dívida é anterior à baixa da empresa, é possível desconstituir a personalidade jurídica e redirecionar a cobrança para os sócios ou responsáveis. Porém, não há prazo definido para o pagamento da dívida, e alguns dos CNPJs listados foram baixados ainda nos anos 1990. “Periodicamente, realizamos um saneamento visando excluir esses casos do nosso estoque. Se houver execução fiscal vinculada, dependemos da autorização da Procuradoria-Geral do Município para proceder com a baixa desses valores com consequente exclusão do devedor da lista”, explica o órgão.

Porto Alegre ocupa o 1º lugar no ranking de recuperação da dívida entre as capitais brasileiras, com uma arrecadação histórica de R$ 228 milhões em 2020, mesmo com a pandemia. De julho a dezembro, foram realizados cerca de 4,8 mil acordos de parcelamento, totalizando R$ 11,6 milhões negociados. Ao todo, há 54,3 mil parcelamentos ativos. 

Até o fechamento da reportagem, não obtivemos retorno, por e-mail ou telefone, das empresas Habitasul, Dallasanta, Grêmio, Ulbra, ABS Brasil e IAB Assessoria Tributária. Vamos atualizar a matéria assim que chegarem as respostas.

Após a publicação da matéria, por meio de sua advogada, a Dallasanta afirmou que “honra integralmente seus compromissos e que eventuais débitos ainda não quitados são futuros (relativos ao IPTU de 2021, a vencer neste ano de 2021), já foram negociados através de parcelamento, estão em cobranças com exigibilidade suspensa (objeto de parcelamento) ou em discussão (valor impugnado administrativamente ou judicialmente, mediante garantia de depósito em dinheiro ou pelo próprio imóvel)”. Questionada especificamente sobre o caso da Dallasanta, a SMF disse que “a dívida informada, que se refere a 31 de janeiro de 2021, não possuía suspensão de exigibilidade por parte da prefeitura [quando a cobrança pode ser suspensa]”. Além disso, a Fazenda lembrou que “dívidas com impugnação tempestiva, dívidas parceladas ou dívidas judicializadas com garantia total do crédito discutido não são informadas no levantamento”.

Um dos contribuintes listados na dívida ativa de IPTU também procurou a redação para avisar que o valor da dívida atribuída a ele estava equivocado. Segundo Paulo Bergman, o tributo é cobrado indevidamente por uma sala no Esqueletão, prédio inacabado no centro da cidade e que hoje é ocupado por famílias sem-teto. Bergman enviou comprovantes nos quais a prefeitura cobrava cerca de R$ 58 mil de IPTU em maio de 2020 – valor bem abaixo do R$ 1,7 milhão indicado na lista da prefeitura. Nossa reportagem pediu explicações à SMF sobre o caso, mas não recebeu retorno até o momento.

Erros nas tabelas

No início de 2021, o Matinal solicitou à SMF as planilhas dos 100 maiores devedores de ISS e IPTU em Porto Alegre. O pedido foi encaminhado via Serviço de Informações ao Cidadão (e-Sic) e respondido dentro do prazo. Porém, após consultar o órgão sobre dúvidas em relação aos dados, a Fazenda avisou que havia identificado erro nas listas enviadas inicialmente. Após algumas semanas, o órgão encaminhou os rankings atualizados e corrigidos. O Matinal apontou essa e outras falhas no sistema e-Sic de Porto Alegre em matéria do final de fevereiro.

Entre a lista nova e a antiga, 78 nomes se mantiveram na dívida de ISS, sendo 75 CNPJs e três CPFs (na anterior, eram seis CPFs). Dos nomes novos, um é pessoa física.

Com a correção, o valor total das 100 maiores dívidas foi de R$ 521 milhões para R$ 390 milhões, um valor 25% menor.

“Contribuiu para o erro o fato de contarmos com uma equipe enxuta, a qual está ainda mais reduzida em razão do período de férias, e sobrecarregada com muitas demandas. Aliado a isso, tivemos remanejamentos internos no âmbito da Secretaria Municipal da Fazenda e em nossa área de TI, em função de convites para a gestão de outras áreas, o que acarretou em renovação de pessoas encarregadas da geração do relatório”, explicou Christian Fouchard Justin, Superintendente da Receita Municipal.

*Colaborou Juliana Coin

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