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TCE-RS aponta déficit de conselhos municipais em temas-chave para a sociedade

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TCE-RS aponta déficit de conselhos municipais em temas-chave para a sociedade Menos de 20% das cidades do RS têm conselhos sociais sobre saneamento básico e políticas para mulheres, mostra relatório inédito (Foto: TCE-RS / Divulgação)

Levantamento feito pelo TCE-RS mostra que participação social em temas como saúde, educação, assistência social e meio ambiente está consolidada no Estado; existência de conselhos municipais é pré-requisito para obtenção de recursos da União em determinados casos

Apenas 85 cidades gaúchas têm um conselho municipal sobre saneamento básico. Entre os 478 municípios consultados, o número representa um total de 17,8%, em um dado que significa, além de escassa participação popular no debate do assunto, uma barreira para obtenção de recursos federais para a solução de problemas do setor. No caso de políticas para mulheres e igualdade racial, os números também preocupam: menos de um a cada cinco municípios gaúchos têm um órgão específico para debater políticas públicas para mulheres, enquanto míseros 3% possuem conselhos para discutir questões raciais.

Os conselhos sociais são órgãos colegiados que inserem a sociedade no processo de formulação, supervisão e avaliação da gestão pública – e muitas vezes são pré-requisitos para que os municípios recebam recursos da União. A situação dos conselhos sociais de diversas áreas foi avaliada na primeira edição da Pesquisa sobre Gestão Municipal, divulgada nesta sexta pelo Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul (TCE-RS). O material foi obtido em primeira mão pelo Matinal

O relatório ressalta que a Constituição Federal de 1988 prevê a participação popular como um dos eixos fundamentais da democracia brasileira e que os conselhos sociais são uma das principais ferramentas de envolvimento do cidadão na elaboração, execução e controle da gestão pública.

“O levantamento sobre os conselhos sociais é o primeiro de uma série de estudos sobre as gestões municipais realizados pelo TCE-RS que auxiliarão os gestores e a sociedade no processo de formulação e controle das políticas públicas locais. O relatório e os dados divulgados poderão auxiliar a cidadania para que os conselhos de participação social sejam instalados ou, quando já instituídos, que os gestores assegurem as condições e os recursos necessários ao seu funcionamento. É preciso firmar o entendimento de que o atendimento das necessidades da população depende, em larga medida, de sua participação no processo de decisão sobre a natureza das políticas públicas”, ressalta Everaldo Ranincheski, diretor de Controle e Fiscalização do TCE-RS.

Saúde, educação, assistência social e meio ambiente têm participação social consolidada no Estado

A pesquisa feita pelo TCE-RS avalia a existência e a qualidade de conselhos municipais em nove âmbitos: assistência social, direitos da criança e do adolescente, educação, igualdade racial, meio ambiente, políticas para mulheres, saneamento básico, saúde e conselhos tutelares. A consulta foi feita a cada um dos 497 municípios gaúchos entre março e abril de 2021, mas se referem ao exercício de 2020 – em todos os casos, houve resposta de pelo menos 95% das cidades consultadas, o que permite traçar um bom retrato da situação real. 

Ranincheski destaca, no entanto, que a pesquisa não entrou no mérito da atuação desses conselhos, apenas na sua existência e infraestrutura: “Nessa etapa do trabalho, não analisamos a efetividade do controle social exercido pelos conselhos. O ponto é que a inexistência de conselho compromete a participação da sociedade local no planejamento e controle de políticas públicas essenciais”.

Os pontos negativos que transparecem nos dados dizem respeito, principalmente, aos setores de igualdade racial (presente em 3,09% dos municípios), saneamento básico (17,8%) e políticas para mulheres (19,3%), consideradas áreas com conselhos crescentes ou embrionários no território gaúcho. Nos três casos, todos os conselhos existentes foram criados nas duas últimas décadas. 

Vale lembrar que, conforme o censo de 2010, pretos, pardos, amarelos e indígenas correspondem a 16,7% do total da população gaúcha, e que mulheres são a maioria no Brasil, inclusive no Rio Grande do Sul.

No caso da igualdade racial, apenas 15 municípios gaúchos apresentam conselhos municipais, o que, segundo o relatório, indica “que essa forma de participação democrática ainda é embrionária no âmbito da igualdade racial, ou possivelmente de que as próprias ações e estratégias dessa temática ainda não encontram tanto destaque nas políticas públicas locais”. Esse cenário se concretiza mesmo que a legislação federal priorize o repasse de recursos às cidades com conselhos. 

Quando o assunto é políticas para mulheres, somente 94 dentre 487 municípios gaúchos possuem o conselho em questão. Esses conselhos discutem, principalmente, temas como diferença salarial, presença feminina em espaços de poder e decisão, violência doméstica e de gênero, além de dificuldade de oportunidades. Em 2020, no Rio Grande do Sul, foram mais de 33 mil crimes de ameaça, quase 19 mil lesões corporais e mais de 2 mil estupros contra as mulheres identificados pelo Observatório Estadual de Segurança Pública. Neste ano, entre janeiro e agosto, o número de feminicídios cresceu no RS

A questão fica ainda mais grave quando se analisa os dados sobre conselhos de saneamento básico. A Lei Federal n. 11.445/2007 estabelece o controle social como princípio fundamental deste serviço, define o conselho municipal como órgão colegiado de natureza consultiva e determina, por meio de decreto, que é vedado o acesso aos recursos federais àquelas cidades que não instituírem, por meio de legislação específica, o controle social realizado por órgão colegiado. E esse é o caso  82,2% das cidades gaúchas.

“Algumas leis federais condicionam a liberação de recursos da União para os Municípios à existência de controle social da política pública a que se destinam, exercido por órgãos colegiados criados por lei. Não há como estimar o montante de recursos, visto que dependem de programas criados pela União periodicamente, mas, por certo, são recursos que seriam muito importantes para os Municípios”, explica Ranincheski.

Por outro lado, áreas como assistência social (com conselhos específicos existentes em 99,8% das cidades gaúchas), saúde (também 99,8%), direitos das crianças e adolescentes (99,4%), educação (99,4%), meio ambiente (87,2%) e, principalmente, o conselho tutelar, presente em todos os municípios consultados, são considerados setores consolidados no Rio Grande do Sul no que diz respeito à participação popular.

Participação popular é deficitária, principalmente na educação

Outro fator importante analisado pelo estudo é a participação de representantes da sociedade civil nesses espaços de discussão. Apesar de ser uma área com órgãos consolidados nas cidades gaúchas, a educação chama a atenção por ter pouca participação civil: em 44 municípios, todos os membros representam o governo – ou seja, não há nenhum membro da sociedade civil. Em 249 municípios, o número de pessoas que representam a sociedade civil compõe menos da metade do Conselho Municipal da Educação. Esses representantes seriam membros de associações de pais e mães; entidades representativas do corpo docente e entidades do corpo discente. No total, mais de 95% dos municípios têm uma representação desregulada de civis em seus conselhos 

Saneamento básico, meio ambiente, igualdade racial e políticas para as mulheres também apresentam paridade entre sociedade civil e governo abaixo de 50% na composição dos conselhos. De acordo com Salmo Dias de Oliveira, coordenador-geral da Famurs (Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul), a participação popular na política ainda é pouco estimulada e, principalmente em cidades menores, não efetivada.

“Há uma falta de consciência coletiva de participação. Em cidades menores, algumas pessoas participam de cinco conselhos, porque os outros não se dispõem. É algo que precisamos aprimorar, porque a importância desses órgãos é muito grande”, pontua.

Pesquisa é considerada a maior já feita pelo órgão de controle e deve ter mais quatro partes

De acordo com o TCE-RS, este primeiro documento “busca oferecer à sociedade um panorama útil para o aprimoramento desses órgãos e de suas respectivas políticas públicas, especialmente neste momento, em que as administrações redobram seus esforços para fazer valer os direitos fundamentais previstos em nossa Constituição e leis, e nos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030”, referindo-se ao documento assinado por 193 países em 2015, em discussão na ONU.

Nos próximos dias, o TCE-RS deve lançar mais quatro relatórios, sobre orçamento público, gestão ambiental, gestão em saúde e gestão em educação. Todo o levantamento de dados é considerado o trabalho mais amplo sobre a realidade dos municípios já realizado pelo órgão de controle.

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