Prefeito da semana

Telmo Thompson Flores: o último transformador

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Telmo Thompson Flores: o último transformador Foto: Museu Virtual Carris/Divulgação PMPA

33º Prefeito
Nome: Telmo Thompson Flores
Partido: Aliança Renovadora Nacional (ARENA)
Período que governou: 31/01/1969 a 08/04/1975

Na história de Porto Alegre, alguns governantes são lembrados em um escalão à parte: são os mandatários que realizaram grandes obras, modificando a cara da cidade de forma decisiva. A lista é pequena, pois as verbas e os mandatos raramente eram grandes o bastante para que um político, sozinho, levasse o crédito por enormes mudanças. Mas, ainda assim, eles existem: Otávio Rocha, Alberto Bins e Loureiro da Silva são nomes usuais dessa lista. E o mais recente, provavelmente, é Telmo Thompson Flores, que esteve à frente da Capital durante seis anos, na primeira metade da década de 1970.

Durante seus dias no poder, a cidade ganhou marcos reais e simbólicos. Foi sob Thompson Flores que Porto Alegre cresceu definitivamente sobre o Guaíba. Mas a lista de transformações vai além: os carros passaram a reinar na paisagem urbana com a abertura de vias amplas e a construção de enormes viadutos, os bondes deram adeus (foto), o controverso Muro da Mauá foi erguido após mais de três décadas de sua idealização, o Parcão foi inaugurado e a cidade ganhou uma bandeira e uma data de fundação oficial. Governando na fase mais repressiva da ditadura instaurada em 1964, mas também em meio ao chamado “milagre econômico”, Thompson Flores teve duas facilidades: dinheiro de sobra e a interdição do contraditório. Porto Alegre mudou, nem sempre com anuência da população, mas de forma clara e (quase sempre) inevitável.

Hoje, especialmente para quem tem menos de 50 anos, beira o impossível pensar na cidade sem as mudanças promovidas nos dias de Thompson Flores.

A Porto Alegre do bicentenário

Engenheiro de formação com longa carreira no hoje extinto Departamento Nacional de Obras de Saneamento (DNOS), o prefeito não tinha participado do embate político antes de assumir o cargo. De fato, essa trajetória técnica ajudou a tornar seu nome mais palatável mesmo à oposição tolerada pela ditadura, o MDB, quando Thompson Flores foi indicado ao cargo. Porto Alegre, afinal, foi uma das 162 cidades brasileiras que ficaram sem poder escolher seu representante diretamente durante o regime militar: eram chamados de Municípios de Segurança Nacional e incluíam capitais, cidades fronteiriças, estâncias hidrominerais ou locais com usinas. O Rio Grande do Sul, com 26, era o que tinha maior número de escolhas indiretas: o governador, com a devida bênção de Brasília, indicava um nome, e a Assembleia ratificava.

O histórico de Thompson Flores à frente das obras públicas do Estado vinha desde os dias de Getúlio Vargas, e mesmo quando o então perseguido Leonel Brizola era governador sua ação profissional seguiu sem motivos para reprovações. O deputado emedebista (e ex-prefeito) Renato Souza, ex-PTB, por exemplo, dizia que sua única reserva ao nome do futuro prefeito era o fato de ser colorado. E como: Thompson Flores integrou a Comissão Técnica responsável pelas obras de construção do Estádio Beira-Rio, um sonho iniciado quando a cidade doou o terreno a ser aterrado às margens do Guaíba para o clube ainda em 1956. Em uma feliz coincidência histórica para o mandatário, a primeira grande obra a ser inaugurada na Porto Alegre de Thompson Flores seria justamente o estádio, em 7 de abril de 1969, pouco mais de dois meses após ele assumir o cargo.

A obra do Beira-Rio, é claro, era um empreendimento privado. Mas a relação pessoal do novo prefeito com os esforços de erguer o “Gigante” e o simbolismo daquela construção – a vitória de Porto Alegre sobre as águas que tanto a aterrorizavam, desde a enchente de 1941 – foram um significativo pontapé inicial em uma das administrações mais recheadas de obras da história da cidade. A sequência de aterramentos sobre o lago, que atingiriam sua expansão máxima antes do fim da década de 1970, fez parte disso: com diques para impedir que enchentes como a de três décadas mais cedo se repetissem, a cidade também deu as costas para as águas quando o Muro da Mauá foi finalmente concluído, em 1974, encerrando um “interminável” projeto pensado logo após da enchente – e iniciando, por outro lado, as também intermináveis discussões que se estendem ainda hoje, sobre a degradação do centro da cidade após o “rio” ser barrado da paisagem cotidiana.

Telmo Thompson Flores também inaugurou o Parcão, em 1972, na área do antigo prado do Moinhos de Vento, e conduziu uma parceria para a construção do Planetário da UFRGS, aberto no fim daquele mesmo ano e entregue à administração federal. Não era à toa que tantas obras importantes fossem levadas a cabo justamente naquele ano: Porto Alegre viveu 1972 como os dias do seu bicentenário, após o poder municipal formalizar a data de fundação da cidade como 26 de março de 1772, o dia em que o povoado colonial foi elevado à condição de freguesia. Era o segundo “bicentenário” que a Capital vivia: em 1940, o primeiro governo Loureiro da Silva decretou que naquele ano a cidade completava 200 anos de colonização em 5 de novembro, remetendo à chegada dos primeiros portugueses na região. A lei de Thompson Flores fez questão de respeitar a data anterior, dizendo que o aniversário da colonização era “revigorado”. Com o tempo, porém, foi o 26 de março que permaneceu como aniversário realmente celebrado da Capital.

Os grandes viadutos

Mas as obras mais marcantes da gestão de Thompson Flores seriam as relacionadas à forma como o transporte rodoviário se organizou dentro de Porto Alegre. Foram cirurgias rápidas e sem anestesia: desde o início, o prefeito anunciou que não se contentaria em ficar sentado em seu gabinete aguardando demandas para “tapar buracos”. Queria ser pró-ativo e, descontente com o estado das finanças municipais em seu primeiro ano (prometeram-lhe casa arrumada e contas em dia e encontrou caixas vazios), chegou a ameaçar renunciar com poucos meses se as verbas necessárias para reformular a Capital não aparecessem.

Apareceram. Hoje, as reformas de Thompson Flores são particularmente polêmicas por terem consagrado uma cidade pensada para os carros e ônibus, eliminando uma série de soluções de transporte coletivo mais antigas, como os trens e os bondes. Não só nas obras físicas, mas também em legislações como a regulamentação do serviço dos taxistas ou a mudança de permissões de circulação. Na época, porém, os bondes tinham se tornado uma dor de cabeça custosa e decrépita, que passava de prefeito em prefeito, e havia uma demanda crescente para que uma solução em nome dos carros fosse efetivamente encontrada: as áreas centrais de Porto Alegre ainda conservavam características de uma época em que sua frota de automóveis era em torno de 5 mil veículos, mas no início dos anos 1970 a cidade já concentrava 52 mil carros, com uma estrutura jamais pensada para comportá-los.

Para desafogar o trânsito, Porto Alegre se torna uma cidade de viadutos, que mudam a paisagem do centro. Uma das obras mais marcantes é a construção do túnel e elevada da Conceição, alterando radicalmente um setor da cidade onde, no passado, chegavam os trens vindos de outras cidades: com o carro cada vez mais atropelando o transporte ferroviário no Brasil inteiro, uma metáfora literal dessa situação é a demolição do chamado “Castelinho”, a velha estação pela qual os passageiros chegavam à Capital pelas estradas de ferro. No mesmo 1970 em que a antiga gare é demolida para o viaduto da Conceição passar por cima, é inaugurada, nas imediações, a atual Estação Rodoviária de Porto Alegre, principal destino dos ônibus intermunicipais que chegam à cidade.

Os viadutos prosseguem ganhando espaço: sob Thompson Flores também são inaugurados o Loureiro da Silva, o Imperatriz Leopoldina, o Tiradentes, o Obirici e o Dom Pedro I, no cruzamento da avenida Praia de Belas com a José de Alencar – este, mais tarde, será rebatizado para homenagear o antigo prefeito, passando a se chamar viaduto Telmo Thompson Flores. O entusiasmo pelas obras de transporte também leva à demolição do hoje esquecido Mercado Livre, prédio erguido em 1939 em frente ao Mercado Público, para receber a feira de produtos agrícolas que depois passaria a ocorrer na Ceasa, inaugurada em 1974.

Seguindo a mentalidade do regime militar de que o progresso não podia parar em prédios antigos, vistos muito mais como velhos estorvos do que como parte de um patrimônio histórico a ser preservado, Thompson Flores chegou a cogitar a demolição do próprio Mercado Público, um movimento que se intensificou após o incêndio de 1972. Em uma cidade em que a obra da elevada da Conceição podia tapar uma de suas fachadas mais famosas como era o Edifício Ely (o “prédio da Tumelero”), parecia que o argumento de favorecer o tráfego na região central faria todas as obras saírem do papel.

Eram mesmo tempos difíceis para mobilizações populares e questionamentos na imprensa, mas o Mercado acabou se mostrando um símbolo grande demais para ser derrubado sem uma boa briga. Uma resposta acalorada da sociedade se seguiu e nomes importantes da vida cultural da Capital, inclusive o escritor Mário Quintana, lideraram o movimento para preservar o prédio do século XIX que, no fim, permaneceu em pé. “O Mercado Público é protegido pelos fantasmas do tempo”, definia Quintana, que ainda viveu para ver dois incêndios afetarem a construção, naquela mesma década. Mas, apesar das sucessivas destruições que poderiam servir de pretexto para acabar de vez com tudo, em 1979, já sob a prefeitura de Guilherme Socias Villela, a edificação seria tombada como Patrimônio Histórico e Cultural de Porto Alegre.

Adeus à Capital

Com um legado de transformações rápidas que ainda hoje são utilizadas (e discutidas), Telmo Thompson Flores deixou o comando de Porto Alegre em 1975 e, quase de imediato, saiu também da própria cidade. Após seus dias como prefeito, assumiu a presidência da Eletrosul, em Florianópolis, cargo que manteria por uma década antes de se aposentar. Lá permaneceu nos anos finais de sua vida. O responsável pelas últimas grandes transformações no rosto da capital gaúcha morreria na sua equivalente catarinense, em 2008, aos 87 anos.

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