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Três perguntas para Valdete Souto Severo

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Três perguntas para Valdete Souto Severo A relação entre nomes e coisas, em nosso país e nosso tempo, dá a impressão de haver entrado em curto-circuito. Pandemia é gripezinha? Tortura rima com democracia? Uma das vozes serenas, nítidas e agudas tem sido a de Valdete Souto Severo, juíza do Trabalho, doutora em sua área, recém-aprovada em concurso para a faculdade de Direito da UFRGS. Usando com propriedade os nomes para as coisas, ela enfrenta, agora, um processo administrativo de aspecto kafkiano. Um artigo em que a magistrada fala em “política genocida no Brasil em 2020”, publicado no site “Democracia e Mundo do Trabalho em Debate”, no último dia 20 de julho, foi alvo de pedido de providências pela Corregedoria-Geral da Justiça. Sobre o assunto, o professor Luís Augusto Fischer fez três perguntas, rápidas e diretas, e as respostas são estas: Luís Augusto Fischer – Foi a palavra “genocídio” o ponto escolhido como motivo para a reação do Conselho. O que há numa palavra como esta? Tivesse sido outro o termo, haveria a mesma reação? Valdete Souto Severo – A reação, na verdade, foi do Corregedor, pois foi ele quem de ofício, pelo menos pelo que consta na reportagem do CONJUR, instaurou o procedimento administrativo. Eu, em realidade, ainda não fui intimada. No trecho do artigo referido na reportagem, consta a expressão “política genocida”. Essa expressão, como escrevi, invoca experiências de políticas para a morte, como aquela praticada no Brasil quando da colonização e, de certo modo, até hoje experimentada pelos povos indígenas, como refere esse artigo. Além disso, tem uma gravidade concreta, pois implica a condução de políticas públicas que facilitam ou mesmo determinam a morte de pessoas, como ocorreu no holocausto. A palavra genocídio tem aparecido cada vez mais em reportagens e manifestações públicas acerca de uma política que resiste ao reconhecimento da gravidade da pandemia e ao seu enfrentamento. Sem dúvida, provoca reflexão sobre o momento presente. Da mesma forma como começamos a falar cada vez mais na (falta de) democracia e vários grupos foram criados “em defesa da democracia”, o aparecimento de palavras como genocídio ou necropolítica não constitui algo desconectado da realidade. É um sintoma. Recentemente, Marcia Tiburi publicou um artigo com o título “Brasil caiu nas mãos do seu torturador”, em que se refere à síndrome de Estocolmo de uma população que conviveu por duas décadas com a tortura institucionalizada e, após conquistar a possibilidade de convívio democrático, acabou por eleger um discurso que representa exatamente o retorno a esse passado recente. Luís Augusto Fischer – Para o leigo, quer dizer, para quase todo mundo, o aparato do Judiciário é quase impenetrável, incompreensível, em suas várias modalidades, instâncias, especialidades. Então a pergunta: o que pode um juiz da tua especialidade, o Trabalho? Não pode ter opiniões sobre a vida atual? Se não, por quê? Valdete Souto Severo – As juízas e juízes são, como todos, seres políticos. E destinatários das normas do artigo 5º da nossa Constituição, entre as quais está aquela que garante o direito fundamental de liberdade de expressão. […]

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A relação entre nomes e coisas, em nosso país e nosso tempo, dá a impressão de haver entrado em curto-circuito. Pandemia é gripezinha? Tortura rima com democracia? Uma das vozes serenas, nítidas e agudas tem sido a de Valdete Souto Severo, juíza do Trabalho, doutora em sua área, recém-aprovada em concurso para a faculdade de Direito da UFRGS. Usando com propriedade os nomes para as coisas, ela enfrenta, agora, um processo administrativo de aspecto kafkiano. Um artigo em que a magistrada fala em “política genocida no Brasil em 2020”, publicado no site “Democracia e Mundo do Trabalho em Debate”, no último dia 20 de julho, foi alvo de pedido de providências pela Corregedoria-Geral da Justiça. Sobre o assunto, o professor Luís Augusto Fischer fez três perguntas, rápidas e diretas, e as respostas são estas: Luís Augusto Fischer – Foi a palavra “genocídio” o ponto escolhido como motivo para a reação do Conselho. O que há numa palavra como esta? Tivesse sido outro o termo, haveria a mesma reação? Valdete Souto Severo – A reação, na verdade, foi do Corregedor, pois foi ele quem de ofício, pelo menos pelo que consta na reportagem do CONJUR, instaurou o procedimento administrativo. Eu, em realidade, ainda não fui intimada. No trecho do artigo referido na reportagem, consta a expressão “política genocida”. Essa expressão, como escrevi, invoca experiências de políticas para a morte, como aquela praticada no Brasil quando da colonização e, de certo modo, até hoje experimentada pelos povos indígenas, como refere esse artigo. Além disso, tem uma gravidade concreta, pois implica a condução de políticas públicas que facilitam ou mesmo determinam a morte de pessoas, como ocorreu no holocausto. A palavra genocídio tem aparecido cada vez mais em reportagens e manifestações públicas acerca de uma política que resiste ao reconhecimento da gravidade da pandemia e ao seu enfrentamento. Sem dúvida, provoca reflexão sobre o momento presente. Da mesma forma como começamos a falar cada vez mais na (falta de) democracia e vários grupos foram criados “em defesa da democracia”, o aparecimento de palavras como genocídio ou necropolítica não constitui algo desconectado da realidade. É um sintoma. Recentemente, Marcia Tiburi publicou um artigo com o título “Brasil caiu nas mãos do seu torturador”, em que se refere à síndrome de Estocolmo de uma população que conviveu por duas décadas com a tortura institucionalizada e, após conquistar a possibilidade de convívio democrático, acabou por eleger um discurso que representa exatamente o retorno a esse passado recente. Luís Augusto Fischer – Para o leigo, quer dizer, para quase todo mundo, o aparato do Judiciário é quase impenetrável, incompreensível, em suas várias modalidades, instâncias, especialidades. Então a pergunta: o que pode um juiz da tua especialidade, o Trabalho? Não pode ter opiniões sobre a vida atual? Se não, por quê? Valdete Souto Severo – As juízas e juízes são, como todos, seres políticos. E destinatários das normas do artigo 5º da nossa Constituição, entre as quais está aquela que garante o direito fundamental de liberdade de expressão. […]

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