Entrevista | Parêntese

A ficção empurra o horizonte do fato

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A ficção empurra o horizonte do fato Luís Augusto Fischer Ricardo Lísias tem sido uma voz do mais alto interesse no panorama atual da literatura brasileira. Com uma série de romances publicados em papel, além de outros projetos em formato antigo (cartas pelo correio físico) ou moderníssimo (digital), ele se notabiliza por um vivo apetite pelo debate conceitual forte: afinal, qual o estatuto da literatura? Ela depende da realidade? Interfere na realidade? Perguntas como estas, formuladas aqui de modo trivial, ganham contornos de grande elaboração formal em seus romances. O caso mais visível, agora, envolve um livro ótimo, que li rindo muito pelo engenho do texto e da concepção, de nome e identificação estranhos a uma primeira vista: Diário da cadeia – com trechos da obra inédita Impeachment, de “Eduardo Cunha (Pseudônimo)”. Como?  Assim mesmo. O autor de tudo, por trás dessas palavras, é Ricardo Lísias. A história do livro é, em si, já uma grande história. O Cunha real estava na cadeia, e Lísias, artista requintado, escreveu o livro que ele imaginou, ou postulou, que Cunha escreveria, se dissesse a verdade – digamos assim. (Lísias realiza, neste romance, o ideal do Nelson Rodrigues ao fazer suas entrevistas imaginárias: o grande dramaturgo levava o entrevistado para um terreno baldio, com a presença apenas de uma cabra vadia como testemunho, e ali ele fazia as perguntas relevantes para o sujeito, que surpreendentemente respondia dizendo a verdade que de fato não costumava dizer.) Como leitor interessado no presente, afirmo que a sensação é excelente, não só pelo tanto que revela da vida real – um monte de gente conhecida da política está presa de verdade, e aparece como personagem aqui, evocando, com a força da imaginação, o tanto que a vida trivial nos esconde ao deixar tudo escoar pelo ralo dos dias – como pelo tanto, maior ainda, da precisão com que, no escrito, consegue sugerir a fala e o estilo de pensamento do personagem real que está na base de sua criação. Lendo Lísias, como que ouvimos aquele deputado, aquele que decidiu o impeachment real de Dilma, pelos motivos mais mesquinhos.  Desde que saiu, o livro foi atacado pelo Cunha real, em processo que foi se desenrolando, desde uma liminar favorável ao deputado preso, que queria embargar a circulação da obra, até juízos sempre favoráveis ao escritor, em nome da liberdade de expressão, em instâncias superiores da Justiça.  Mas agora, a juíza Ledir Dias de Araújo, da 13ª Vara Cível do Rio, depois de todo um conjunto de pareceres favoráveis ao livro, quer dizer, à liberdade de criação, parece ter voltado no tempo para condenar Lísias, o editor Carlos Andreazza e a editora Record a uma multa de 30 mil reais (por danos morais), sendo o livro proibido de circular – ela determinou o recolhimento das cópias em todas as livrarias do país! Por isso entrei em contato com o autor, para saber dele. Aí vão as perguntas, simples, e as inteligentes respostas. Parêntese: Qual o fato novo no processo que o deputado Eduardo Cunha move contra ti […]

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Luís Augusto Fischer Ricardo Lísias tem sido uma voz do mais alto interesse no panorama atual da literatura brasileira. Com uma série de romances publicados em papel, além de outros projetos em formato antigo (cartas pelo correio físico) ou moderníssimo (digital), ele se notabiliza por um vivo apetite pelo debate conceitual forte: afinal, qual o estatuto da literatura? Ela depende da realidade? Interfere na realidade? Perguntas como estas, formuladas aqui de modo trivial, ganham contornos de grande elaboração formal em seus romances. O caso mais visível, agora, envolve um livro ótimo, que li rindo muito pelo engenho do texto e da concepção, de nome e identificação estranhos a uma primeira vista: Diário da cadeia – com trechos da obra inédita Impeachment, de “Eduardo Cunha (Pseudônimo)”. Como?  Assim mesmo. O autor de tudo, por trás dessas palavras, é Ricardo Lísias. A história do livro é, em si, já uma grande história. O Cunha real estava na cadeia, e Lísias, artista requintado, escreveu o livro que ele imaginou, ou postulou, que Cunha escreveria, se dissesse a verdade – digamos assim. (Lísias realiza, neste romance, o ideal do Nelson Rodrigues ao fazer suas entrevistas imaginárias: o grande dramaturgo levava o entrevistado para um terreno baldio, com a presença apenas de uma cabra vadia como testemunho, e ali ele fazia as perguntas relevantes para o sujeito, que surpreendentemente respondia dizendo a verdade que de fato não costumava dizer.) Como leitor interessado no presente, afirmo que a sensação é excelente, não só pelo tanto que revela da vida real – um monte de gente conhecida da política está presa de verdade, e aparece como personagem aqui, evocando, com a força da imaginação, o tanto que a vida trivial nos esconde ao deixar tudo escoar pelo ralo dos dias – como pelo tanto, maior ainda, da precisão com que, no escrito, consegue sugerir a fala e o estilo de pensamento do personagem real que está na base de sua criação. Lendo Lísias, como que ouvimos aquele deputado, aquele que decidiu o impeachment real de Dilma, pelos motivos mais mesquinhos.  Desde que saiu, o livro foi atacado pelo Cunha real, em processo que foi se desenrolando, desde uma liminar favorável ao deputado preso, que queria embargar a circulação da obra, até juízos sempre favoráveis ao escritor, em nome da liberdade de expressão, em instâncias superiores da Justiça.  Mas agora, a juíza Ledir Dias de Araújo, da 13ª Vara Cível do Rio, depois de todo um conjunto de pareceres favoráveis ao livro, quer dizer, à liberdade de criação, parece ter voltado no tempo para condenar Lísias, o editor Carlos Andreazza e a editora Record a uma multa de 30 mil reais (por danos morais), sendo o livro proibido de circular – ela determinou o recolhimento das cópias em todas as livrarias do país! Por isso entrei em contato com o autor, para saber dele. Aí vão as perguntas, simples, e as inteligentes respostas. Parêntese: Qual o fato novo no processo que o deputado Eduardo Cunha move contra ti […]

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