Ensaio | Parêntese

A literatura indígena brasileira contemporânea

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A literatura indígena brasileira contemporânea Julie Dorrico As culturas indígenas foram historicamente matéria-prima para a composição da literatura brasileira. Apesar deste patrimônio imaterial contribuir para a constituição da cultura nacional, os povos e sujeitos originários foram exilados à margem da sociedade, quase como se o fato de viver à margem do rio prenunciasse seus próprios destinos.  Coletivamente segregados pela e na História oficial, os sujeitos indígenas, em um contramovimento, empoderam-se com a aquisição da escrita alfabética e passam a publicar livros para contar uma outra história, como diz Marcos Terena, ou da outra margem do Ocidente, como diz Ailton Krenak, ambos integrantes do Movimento Indígena (1970-1990), movimento político que inscreveu o Capítulo VIII, intitulado Dos índios, na Constituição Federal de 1988. A garantia dos direitos às populações tradicionais sobre suas organizações sociais, costumes, línguas, crenças e tradições inaugura um capítulo inédito na história dessas populações: é uma nova condição social e jurídica para os povos indígenas, que parece ser, pela primeira vez, um vislumbre de autonomia. Assim, a CF/1988 dispõe de novos regulamentos que superam a velha noção que preconizava a integração do sujeito indígena, nomeado no Estatuto do Índio (Lei 6.001/1973) de “silvícola ou índio”, à comunhão nacional.   No âmbito da educação escolar, a aquisição da língua portuguesa e as habilidades técnicas da sociedade nacional (envolvente, majoritária e não indígena) deixam de ser defendidas como práticas de incorporação exclusivas ao exercício dos direitos civis no país, uma vez que, conforme dita o artigo 232, os indígenas, suas comunidades e organizações são reconhecidos como parte legítimas que podem ingressar em juízo por seus direitos e interesses, com apoio do Ministério Público.  A Carta Magna também garante às comunidades indígenas, no artigo 210, o direito à língua portuguesa e também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem. Assim, a alfabetização e o acesso à educação formal adentram na nova rotina das comunidades indígenas, de contexto rural ou urbano, como novas tecnologias da Memória. A escrita alfabética torna-se, concomitantemente, um instrumento para o ensino da língua portuguesa e materna, dos saberes ancestrais residentes nas práticas da tradição oral, gerando a condição de possibilidade de serem autores de suas próprias narrativas e histórias, sem que isso signifique a anulação de suas identificações étnicas.   Nessa conjuntura surge uma aliada que vem colaborar para a autonomia dos grupos indígenas do Acre. O trabalho pioneiro da Comissão Pró-Índio do Acre (CPI-AC), com o projeto Uma experiência de autoria dos índios do Acre, dá origem a uma das vertentes da literatura indígena brasileira: a autoria coletiva. Esse conceito, segundo o site oficial da CPI-AC, “viria a se tornar a marca registrada da instituição, inspirando todas as suas ações em diferentes frentes”. A intenção desta ONG era a de que os professores indígenas e as comunidades, além de autores de seus próprios materiais didáticos, fossem também atuantes em um inovador processo educativo, que incluía a construção de um currículo intercultural, de um calendário diferenciado e uma pedagogia escolar que valorizasse as formas próprias indígenas de ensino e aprendizado. Durante […]

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Julie Dorrico As culturas indígenas foram historicamente matéria-prima para a composição da literatura brasileira. Apesar deste patrimônio imaterial contribuir para a constituição da cultura nacional, os povos e sujeitos originários foram exilados à margem da sociedade, quase como se o fato de viver à margem do rio prenunciasse seus próprios destinos.  Coletivamente segregados pela e na História oficial, os sujeitos indígenas, em um contramovimento, empoderam-se com a aquisição da escrita alfabética e passam a publicar livros para contar uma outra história, como diz Marcos Terena, ou da outra margem do Ocidente, como diz Ailton Krenak, ambos integrantes do Movimento Indígena (1970-1990), movimento político que inscreveu o Capítulo VIII, intitulado Dos índios, na Constituição Federal de 1988. A garantia dos direitos às populações tradicionais sobre suas organizações sociais, costumes, línguas, crenças e tradições inaugura um capítulo inédito na história dessas populações: é uma nova condição social e jurídica para os povos indígenas, que parece ser, pela primeira vez, um vislumbre de autonomia. Assim, a CF/1988 dispõe de novos regulamentos que superam a velha noção que preconizava a integração do sujeito indígena, nomeado no Estatuto do Índio (Lei 6.001/1973) de “silvícola ou índio”, à comunhão nacional.   No âmbito da educação escolar, a aquisição da língua portuguesa e as habilidades técnicas da sociedade nacional (envolvente, majoritária e não indígena) deixam de ser defendidas como práticas de incorporação exclusivas ao exercício dos direitos civis no país, uma vez que, conforme dita o artigo 232, os indígenas, suas comunidades e organizações são reconhecidos como parte legítimas que podem ingressar em juízo por seus direitos e interesses, com apoio do Ministério Público.  A Carta Magna também garante às comunidades indígenas, no artigo 210, o direito à língua portuguesa e também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem. Assim, a alfabetização e o acesso à educação formal adentram na nova rotina das comunidades indígenas, de contexto rural ou urbano, como novas tecnologias da Memória. A escrita alfabética torna-se, concomitantemente, um instrumento para o ensino da língua portuguesa e materna, dos saberes ancestrais residentes nas práticas da tradição oral, gerando a condição de possibilidade de serem autores de suas próprias narrativas e histórias, sem que isso signifique a anulação de suas identificações étnicas.   Nessa conjuntura surge uma aliada que vem colaborar para a autonomia dos grupos indígenas do Acre. O trabalho pioneiro da Comissão Pró-Índio do Acre (CPI-AC), com o projeto Uma experiência de autoria dos índios do Acre, dá origem a uma das vertentes da literatura indígena brasileira: a autoria coletiva. Esse conceito, segundo o site oficial da CPI-AC, “viria a se tornar a marca registrada da instituição, inspirando todas as suas ações em diferentes frentes”. A intenção desta ONG era a de que os professores indígenas e as comunidades, além de autores de seus próprios materiais didáticos, fossem também atuantes em um inovador processo educativo, que incluía a construção de um currículo intercultural, de um calendário diferenciado e uma pedagogia escolar que valorizasse as formas próprias indígenas de ensino e aprendizado. Durante […]

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