Ensaio

Bichos, pedras e plantas na nomeação de prédios

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Bichos, pedras e plantas na nomeação de prédios

Um título mais elegante para este capítulo seria “Contribuição dos reinos animal, mineral e vegetal para nomes de prédios residenciais”. De que modo aparecem nomes de flores e frutas, das árvores, dos minerais, dos animais, de acidentes geográficos, de rios e de nuvens, dos astros, dos lagos e lagoas, das praias e das ilhas, dos morros, das estações do ano na nomeação de prédios? Há variação ao longo do tempo nos modos de usar essas denominações? São algumas das questões que trato aqui, focado em pedras, bichos e plantas. 

Vão ficar coisas de fora, uma vez que o conjunto de termos que remete às noções de natureza é grande, e se reflete de modos muito diversos a nomear prédios residenciais na cidade. De modo geral, a sensação que tenho é de ter constatado um grande vazio. Para um país do tamanho do Brasil, com tal diversidade de ambientes naturais, tal quantidade de espécimes vegetais e animais, tanta variação rochosa e mineral, o que se expressa na designação de prédios é ínfimo. E nem estou considerando a diversidade natural do resto do mundo, que bem poderia nomear prédios aqui, dada nossa histórica mania de achar que o estrangeiro é melhor do que o nacional. 



É no terreno da botânica que mais localizei nomes de prédios, entre flores e árvores. Embora o número de exemplares não seja tão elevado para arriscar conclusões, é possível perceber que em prédios mais antigos se deu preferência a espécies vegetais comuns. Aí encontramos Edifício Laranjeiras, Ipê, Magnólia, Rosa, Trevo, Pitangueira, Edifício Samambaia, Azaleia, Pinheiro, Tulipa. A campeã é a Vitória Régia, encontrei quatro prédios: Vitória-régia Residencial, e três edifícios Vitória Régia. Disputando a primazia temos três edifícios Plátano e um Solar dos Plátanos. Em prédios mais modernos a opção foi para nomes de flores menos comuns, e encontramos Edifício Verbena, Edifício Antúrio, Residencial Hibiscus. E depois as composições de gosto mais recente, como Solar das Margaridas, Recanto do Bosque, Quinta dos Jacarandás, Viviendas Del Arvoredo. 



A concordância entre o nome da coisa e a coisa é raríssima. A exceção que confirma a regra é a Morada da Araucária, no Bairro Higienópolis, com uma linda e alta araucária no jardim do prédio. De resto, ninguém imagine que poderá estender uma rede embaixo do arvoredo só porque o prédio tem essa palavra no nome. Ou, menos ainda, que irá colher margaridas para um buquê só porque o nome faz alusão a um suposto recanto de margaridas. O mesmo vale para o uso abusivo da palavra verde ou de “green”, em composições como Edifício Colina Verde ou Green Hill Suítes, que não designam sequer a cor das paredes do prédio, muito menos a presença intensa de vegetação que o nome sugere. O verde em inglês faz sucesso quando se associa à realeza, e nessa linha encontrei nada menos que Príncipe de GreenHill, Príncipe de GreenField e Príncipe de GreenLand, todos eles sujeitos absolutamente desconhecidos na história.



As frutas, tão abundantes entre nós, não parecem encontrar simpatia para a nomeação de prédios, encontrei apenas um Edifício Açaí e um Edifício Damasco. Reconheço que certas frutas não são muito estimulantes para dar nome a prédios. Quem desejaria morar em um Edifício Abacaxi? Dos legumes nem vou falar, inexistem como nomes de prédios por onde andei. Tão poético seria morar em um Condomínio Alface ou nas Suítes Chicória! Teria mais a ver com o cotidiano dos moradores do que um Aspen Hill Residences só de quitinetes abafadas. 

Nem estou pensando na macega ou na grama rasteira ou nos arbustos, mas vejam que Reserva Capim Limão seria muito aprazível como local de moradia. Como designações gerais do mundo vegetal, encontrei um Edifício Flora, vários prédios com o nome de Amazônia, e combinações com a palavra bosque. Das ervas, encontrei Edifício Cidreira, que voltará a ser citado em futuro artigo que vai tratar dos nomes de municípios, cidades, estados, bairros e países que viram designações de prédios.

Os animais definitivamente são pouco cogitados na hora de designar prédios. A exceção fica com os pássaros: achei um Edifício Sabiá, dois Edifícios Juriti, três Jandaia e dois Tangará, e já adianto que os nomes de origem indígena ficarão para artigo específico. Não seria o caso de homenagear também o Quero-Quero, o Biguá, a Caturrita, as Pombas que infestam a cidade, o Pardal? Um informante me indicou um edifício Cardeal, no centro histórico, mas não localizei o prédio, e pela proximidade com a Catedral ele terminaria sendo catalogado nas designações religiosas, que vão render outro artigo desta série. Achei um Edifício Coral no Menino Deus, mas reconheço que pode ser uma cor ou um agrupamento musical, e não a designação do animal. Deve haver prédios em Porto Alegre onde há mais gatos nos apartamentos do que pessoas, mas isso não origina nomes como Villa Felina. Achei um Edifício Lupus, próximo à Praça da Encol, designação que faz pensar em homenagem aos cães comuns, nome científico Canis lupus familiaris. Mas vale dizer que qualquer busca na web indicará que o sentido de doença para a palavra lúpus é dominante.



O reino mineral é outro que não provoca muita designação de prédios. Muito tenho caminhado, mas a colheita foi magra. Encontrei Edifício Topázio duas vezes, um deles com logomarca mostrando o sugestivo desenho de uma joia, Edifício Esmeralda e Edifício Terra Cota (assim a grafia). A campeã é Pérola, a designar três prédios encontrados, um na minha própria rua. E o mesmo acontece com Joia e com Edifício Cristal, localizei dois prédios de cada nome, e que listo aqui por aproximação com o reino mineral. Há também um Edifício Diamantino. Considerando que no reino mineral temos as pedras preciosas, e que a designação de prédios segue certo padrão que oscila entre a vontade de distinção, o desejo de ostentação e a mais pura vaidade, penso que rubi, água marinha, ametista, turmalina, jade, turquesa renderiam boas opções, mas não é o que se verifica. 

No caso dos metais, o ouro é campeão absoluto, e isso está diretamente relacionado ao sinal de distinção, que fica mais destacado com as grafias estrangeiras gold ou golden. Aqui a lista é interminável, cito Golden Place, Ouro Preto, Ouro Velho, Golden Point, Ouro Verde e Ouro Branco e achei até um Edifício Ouro Novo, e mais do mesmo por todo lado. A prata e a platina, com as variações em língua estrangeira silver ou platinum, já percebi que são mais escolhidas para designar prédios do setor financeiro ou de empreendimentos comerciais, mas este dado será melhor trabalhado na série que vai analisar tais tipos de locais.

Depois de muito observar, me parece que temos dois momentos históricos bem marcados nesse uso dos termos que remetem à noção de natureza. Antigamente se dava um nome de flor a um prédio de modo que, penso, era generoso e ingênuo. É a sensação que me passa ao observar o Edifício Gardênia, um prédio simples e antigo no bairro São Geraldo. Aquilo era um ato quase espiritual, singelo, de admiração pela flor e homenagem ao prédio, e talvez até a transmitir um desejo de felicidade a quem ali iria residir. Posso estar exagerando um pouco, certa nostalgia de velho, mas é a sensação que me passa também frente a outros prédios e seus nomes de antigamente. 



O tempo passou, e os elementos de natureza viraram entre nós sinal de distinção. A natureza virou uma commodity, uma mercadoria que alguns podem comprar e outros não. Sendo assim, o acesso a ela estabelece diferença entre grupos sociais. Me valho de exemplos da cidade de Canela, e já dou um spoiler do artigo em preparação sobre os nomes de prédios das cidades turísticas da serra. A cidade de Canela busca se vender pela hashtag #CanelaPaixãoNatural. Ela promove a natureza ao status de mercadoria cobiçada. Isso explica parte dos nomes de prédios e condomínios na cidade, que exploram à exaustão algum elemento natural. 

Se há um lago por perto, os prédios se chamam Jardins do Lago, Varandas do Lago, Vista do Lago e por aí afora. Próximo de um bosque de araucárias encontrei Solar do Pinheiro, Portal dos Pinheiros, e o melhor de todos os nomes, Altos Pinheiros Residencial, certamente para estabelecer um degrau de valorização a mais em relação a outros condomínios do entorno, com pinheiros recém-plantados e, portanto, não muito altos ainda. Se tem um vale por perto, é Mirante do Vale, Vista do Vale, Condomínio Verde Vale. Não estou inventando esses nomes, foram todos colhidos e fotografados caminhando pela cidade de Canela.



Outra impressão que tenho é que, embora não sendo de uso muito frequente para nomear prédios, os bichos, as plantas e as pedras que encontrei são praticamente todos de origem nacional. No tema aqui analisado o nacional ganha do estrangeiro, o que não deixa de ser algo um tanto insólito, pois o que mais se acha, em particular nos prédios das últimas décadas, é o culto ao estrangeiro. 

Uma exceção rara, a confirmar a regra recém enunciada, fica por conta do Edifício Edelweiss (flor símbolo da Suíça), a designar tradicional prédio residencial em Porto Alegre. Vão compor um artigo próprio outros elementos de natureza, esses mais comuns em termos de designação de prédios residenciais, que são os acidentes geográficos, as estações do ano, os rios, lagos, lagoas e oceanos, as águas e as fontes, o gelo, as nuvens, as praias e as ilhas, os continentes, os morros e as cordilheiras e as serras, e os astros. Ficaram de fora também muitos nomes de origem indígena, que remetem à natureza, mas que serão discutidos em artigo desta série que vai tratar especificamente dos nomes de prédios que carregam designações oriundas dos povos originários.

Pela primeira vez, desde que iniciei estas caminhadas e especulações em torno de nomes de prédios, me dei conta que a cultura brasileira não consegue brincar e se divertir com a nomeação de prédios. É apenas tentativa vã de distinção, que em geral cai na mais tola cafonice, e quanto mais recente o prédio, mais tola ainda, e mais cafona ainda. Seria tão divertido andar pela rua e ler Edifício Abacate, Condomínio Gnaisse, Residencial Lobo Guará, Chácara Erva Doce, Maison Romarin, Vivendas Argilosas. Ou então Recanto das Bananeiras, Solar das Ardósias, Hematita Villagio, Valeriana Loft, Tamarindo Suítes ou Quinta do Gengibre, ao invés de tantas quintas do marquês ou do conde.

Quem quiser conferir o banco de fotos deste artigo clique aqui.

Quem quiser conferir a série completa de artigos sobre nomes de prédios clique aqui. Continuo estimulando, com muito agrado, que enviem fotos ou nomes de prédios ou curtas histórias sobre o assunto, ampliando as possibilidades de escrita. Algumas pessoas enviaram relatos de suas trajetórias de moradia, passando por nomes de prédios com certa conexão entre si, por exemplo. Para isso, fica aqui o contato, em [email protected]


Fernando Seffner é historiador e professor na Faculdade de Educação UFRGS.

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