Cartas

Carta, da eu que fui em 2020 para a eu que serei em 2021

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Carta, da eu que fui em 2020 para a eu que serei em 2021

Oi, Nathallia, confesso que durante a virada na Orla do Guaíba quando vi aquele painel enorme com a repetição do número vinte, 20 20, aquilo me deu um arrepio. Não gosto de número par, dezenas então, nem se fala. Daí me deparo com duas dezenas iguais repetidas, aquilo foi sinistro, uma sensação de que qualquer coisa podia acontecer. Eu não me senti bem com essa aleatoriedade. Mas, peguei esta ideia com gatilho de paranóia e joguei na gaveta de inutilidades. Lá também podem ser encontrados elogios, olhares julgadores, marcas de cerveja, alguns amores, filmes de ficção científica.

Enfim, a pandemia chegou e vi rapidinho que 2020 veio com sedes vaidosas de ficar marcado na história, e eu pensando que depois de passar por um divórcio em 2019 nada podia ser pior (hahahaha). Não vou te mentir, se foi foda? Quase enlouqueci, tive crise de ansiedade e pensei em ir embora pra algum lugar sem nome. Mas eu não estava sozinha e com sorte aquela letra do Emicida, quem tem uma amiga ‘‘tem tudo’’, me mostrou mais uma vez que lar é onde o nosso coração descansa em segurança. Nunca foi o onde e sim com quem, e te garanto, Porto Alegre tem muitas pessoas onde descansar. Ainda aprendi bastante como farmacêutica. Atendimentos clínicos na farmácia, campanha de vacinação, testes bioquímicos do COVID-19. Impossível pedir mais experiência numa drogaria.

Além disso, tinha o bastão que a Nathi de 2019 resolveu me passar: A ESCRITA. Eu achando que ia ser tranquilo. Mais um semestre de oficina, uns textinhos aqui, outros ali. Na manha. Ha! Que inocência. A gente vive subestimando o tamanho e impacto do que fazemos. Achei que ia ser tu, mas fui eu. Nosso primeiro livro foi lançado e já tá circulando por aí. Então, deixo iniciados três projetos. Umas crônicas pra organizar, mas não esquenta nem te apega, se quiser deixar esse ano passar batido, por mim tudo bem. Um texto que tem cara de romance, mas quem vai decidir isso é tu. E umas historinhas fofinhas e engraçadas que, sei lá, faz o que você quiser. Ah, não que eu tenha a ver com isso… daqui a pouco eu não serei mais nada além de ti, e aí é contigo, mas acho que talvez a hora de mexer no período 2014-2019 tá chegando… se tu te sentir a vontade, as fotos já estão organizadas em pastas.

Garota, tem uma galera que não entendeu nada e ainda tá culpando 2020, uma culpa que um ano não pode carregar, porque um ano não carrega nada. Um ano é abstrato. Um ano nem existe. O que existe são dias e a gente vivendo esses dias. Mas tá aí, como muita gente pediu, 2020 tá acabando e a pandemia não acaba junto… Isso vai lotar as ruas de pessoas em desespero e ódio da frustração. Tome cuidado! 2020 foi um montão de dias.  Muitos dias ruins, alguns dias ruins com coisas boas, mas mesmo assim só dias. E 2021 não passará disso também. Mais um outro montão de dias pra viver.


Nathallia Protazio é pernambucana, farmacêutica vacinadora, e depois de ter morado em muitos lugares, incluindo São Paulo e Lausanne, Suíça, hoje vive em Porto Alegre. Lançou Aqui dentro pela editora Venas Abiertas. Disponível pelo Instagram da própria autora: @nathalliaprotazio.escritora

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