Crônica

A Era do bronze

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A Era do bronze

Alguém disse uma vez (é possível que tenha sido a Oprah) que “os seres humanos fazem sua própria história; mas não a fazem sob as circunstâncias que escolheram”. Nós, negros e negras, temos isso tatuado na alma. Em dias bons, a gente se apega à primeira parte. Em dias ruins, o restante da citação nos esmaga. 

O dia 17 de dezembro foi, definitivamente, um dia bom: vencemos o Prêmio Açorianos. Há muitos nomes e instituições que fizeram parte dessa conquista: o Literatura RS, a Coordenação do Livro e Literatura, a Livraria Baleia, os autores e autoras de nosso catálogo. A lista é enorme. Todavia, há um grupo ainda mais especial a quem esse prêmio será dedicado: a comunidade negra. Se há um crônico apagamento cultural na história dessa cidade, dele nós não participaremos. Chegamos até aqui carregados por personagens pretos da vida real. Somos folhas orgulhosas de uma árvore de raízes profundas e escuras. E celebramos, todos os dias, o peso e a alegria dessa ancestralidade. O prêmio que recebemos – essa escultura linda do Stockinger – nos lembra uma antiga canção sobre a vida literária: Quase não tínhamos livros em casa e a cidade não tinha livraria/ Mas os livros que em nossa vida entraram são como a radiação de um corpo negro apontando para a expansão do universo porque a frase, o conceito, o enredo, o verso/ E, sem dúvida, sobretudo o verso é o que pode lançar mundos no mundo.

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Alguém disse uma vez (é possível que tenha sido a Oprah) que “os seres humanos fazem sua própria história; mas não a fazem sob as circunstâncias que escolheram”. Nós, negros e negras, temos isso tatuado na alma. Em dias bons, a gente se apega à primeira parte. Em dias ruins, o restante da citação nos esmaga. 

O dia 17 de dezembro foi, definitivamente, um dia bom: vencemos o Prêmio Açorianos. Há muitos nomes e instituições que fizeram parte dessa conquista: o Literatura RS, a Coordenação do Livro e Literatura, a Livraria Baleia, os autores e autoras de nosso catálogo. A lista é enorme. Todavia, há um grupo ainda mais especial a quem esse prêmio será dedicado: a comunidade negra. Se há um crônico apagamento cultural na história dessa cidade, dele nós não participaremos. Chegamos até aqui carregados por personagens pretos da vida real. Somos folhas orgulhosas de uma árvore de raízes profundas e escuras. E celebramos, todos os dias, o peso e a alegria dessa ancestralidade. O prêmio que recebemos – essa escultura linda do Stockinger – nos lembra uma antiga canção sobre a vida literária: Quase não tínhamos livros em casa e a cidade não tinha livraria/ Mas os livros que em nossa vida entraram são como a radiação de um corpo negro apontando para a expansão do universo porque a frase, o conceito, o enredo, o verso/ E, sem dúvida, sobretudo o verso é o que pode lançar mundos no mundo. 

Sim, é claro, não são palavras nossas, são de Caetano Veloso, mas Caetano é nosso, como são nossos os não-negros Regina Zilberman e Flávio Loureiro Chaves, outros dois homenageados no mesmo Prêmio Açorianos de Literatura. A Figura de Linguagem é fruto da antropofagia cultural da cidade negra de Oliveira Silveira, que permite que possamos nós, fundadores da casa editorial, usufruir da importante influência de Zilberman em nossa relação com o livro e a literatura. Ambos fomos orientados por sua devoção à missão de fazer com que o objeto-livro e seu conteúdo cheguem a quem dele tanto precisa. Há anos sua figura reta e comprometida tem sido um exemplo a ser seguido, em um tempo em que intelectuais parecem não se importar mais com o impacto de suas ações no conjunto da coletividade civil. Zilberman ergueu seu trabalho cercada de péssimas circunstâncias sociais, nos mobilizando assim a fazer o mesmo, porque o esforço e a correção técnica devem sempre falar mais alto do que os ruídos insalubres que nos rodeiam.

Sobre Flávio Loureiro Chaves, recordemos que há duas décadas ele aceitou ir à Usina do Gasômetro, em uma tarde ensolarada e modorrenta de sábado, para prestigiar um escritor negro estreante, em um lançamento de coletânea coletiva. Quando alguém da organização do evento o abordava, ele repetia, entre o seco e o entediado: “Eu vim para ver o Luiz Mauricio”. Tratava-se de uma imensa gentileza, é claro, motivada pelo fato de o Luiz Mauricio em questão estudar com a filha dele, a Clarissa (outra figura incontornável), mas tratava-se, sobretudo, do exercício benéfico do uso do poder e da influência.

Estamos trazendo essas situações de volta tanto tempo depois para que você, indivíduo branco gaúcho, que tem se perguntado, ultimamente, o que fazer contra o racismo. A receita é bastante simples: não seja racista. Colabore com as pessoas negras que orbitam ao seu redor, à espera de uma chance, um gesto mínimo de dignidade, em um mar de desrespeito, brutalidade e truculência social. É claro que nossa estrada foi pavimentada com luxo simbólico e dureza material, mas na noite da quinta-feira 17 de dezembro de 2020, celebramos felizes a cultura que nos inventou e o privilégio de hoje poder reinventá-la.


Fernanda Bastos e Luiz Mauricio Azevedo são, respectivamente, CEO e editor-executivo na editora figura de linguagem.

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